Uma das características de terroristas como Abu Bakr al-Baghdadi, cuja morte foi anunciada neste domingo (27) pelo presidente Donald Trump, é tentar deturpar a religião islâmica e os ensinamentos do profeta Maomé. Ao autointitular-se califa de um Estado, ou suposto califado, inexistente, extremistas fazem uso político da religião. O grupo Estado Islâmico (ou Daesh, como os árabes chamam a organização) não é nem nunca foi um Estado. Tampouco é islâmico, uma religião que prega a paz e a piedade, ainda que, muitas vezes tenha sido deturpada por movimentos radicais e líderes demagogos.
O EI é uma invenção do megalomaníaco Al-Baghdadi, o homem que se tornou tão ou mais procurado do que Osama bin Laden, o articulador dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Sua morte é o ponto final do grupo que foi defenestrado do Iraque — de cidades como Ramadi, que visitei em 2016, Fallujah e Mosul — e hoje está reduzido a células esparsas no território sírio ou no imaginário de alguns fanáticos mundo afora que, reconheça-se, ainda têm capacidade de cometer atentados, como lobo solitários.
O EI é uma aberração nascida da rede Al-Qaeda, subproduto da invasão americana ao Iraque, em 2003. E Al-Baghdadi é um fanático travestido de líder religioso, que estuprou a religião islâmica ao longo dos últimos 10 anos.
O terrorista nasceu em Samarra, no Iraque, e se tornou o número 1 do EI graças a seu poder de articulação que começou ainda na prisão de Camp Bucca, para onde foi levado após ter sido capturado pelas tropas americanas um ano após a invasão que destronou Saddam Hussein. Na prisão, ele comprovou liderança, cooptando outros prisioneiros para a jihad. Quando foi libertado, essas alianças o ajudaram a contactar o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, herdeiro da rede Al-Qaeda no Iraque.
Com a morte de Al-Zarqawi em bombardeio americano em 2006 e com o sucessor egípcio Abu Ayyub al-Masri tendo extinguido o grupo Al-Qaeda no Iraque e fundado o EI, Baghdadi ganhou protagonismo: virou orientador do Comitê da Sharia e entrou no Conselho Shura da organização. Estava cada vez mais próximo do emir do Estado Islâmico, Abu Omar al-Baghdadi. Com a morte do emir, ele foi alçado ao posto máximo.
Sua cena mais famosa foi no púlpito da Grande Mesquia de Al-Nuri, em Mosul, cidade que o EI havia tomado. Ali, ele proclamou o renascimento da organização e praticamente a fundação do suposto califado:
— Corram, ó muçulmanos, para o seu Estado. Sim, é o seu estado. Corram, porque a Síria não é para os sírios, e o Iraque não é para os iraquianos.
É uma das imagens mais conhecidas — e uma das poucas de Bahgadi, que preferia as trevas. Está no livro Estado Islâmico — Desvendando o Exército do Terror, de Michael Weiss e Hassan Hassan.
Mosul, hoje, está libertada, junto com praticamente todo o Iraque. A Síria ainda amarga uma guerra civil, mas o Estado Islâmico, atualmente um grupelho de poucos fanáticos remanescentes, não conseguiu alcançar a mentira do seu califado terrorista nem tampouco obteve sucesso em converter o Islã ao terror.