Crise política e econômica no Peru e no Equador. Argentina imersa em uma campanha eleitoral marcada pelo descrédito na classe política — dividida entre um presidente que encerra o mandato com 5 milhões de pobres a mais no país (Mauricio Macri) e uma chapa que representa o retorno do kirchnerismo (Alberto Fernández e Cristina Kirchner). Na Venezuela, Nicolás Maduro se segura no poder, enquanto o líder da oposição Juan Guaidó parece ter perdido o timing para chegar ao poder.
Qual o risco de o Brasil ser contaminado pela atual onda de instabilidade que atinge o continente? Na opinião de Alfonso Esparza, analista de mercado financeiro da Oanda para América Latina, o principal impacto é a fuga de investimentos. O especialista mexicano conversou com a coluna, direto de Toronto, no Canadá.
As crises em cada país latino-americano têm origens diferenciadas, mas é possível encontrar algo em comum para a instabilidade política e econômica atual vivenciada no continente?
Sim, é certo que a maioria das crises tem sua própria história e causas sociais, demográficas, má gestão e oportunidades perdidas. Cada crise vai contar sua história diferente. Mas uma crise é como um peso na economia, algo que a faz afundar. O está agora levantando a onda, fazendo com que as crises sejam mais severas, é um efeito macroeconômico global: a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Esse é o fator que tem afetado todos ao mesmo tempo, mas cada economia tem tido pesos que a atrasam mais. O Brasil tem muito potencial, é uma economia que estava disposta a se destacar no início do ano. No entanto, à medida em que a guerra comercial se prolongue, se estava à beira de uma recessão técnica. (O país) dá um respiro de vez em quando, mas não desenvolve seu potencial.
No caso da turbulência dos países andinos, como Equador e Peru, como a guerra comercial entre China e EUA pode ter contribuído para as crises atuais?
O caso do Equador é o mais óbvio, com relação ao petróleo. O Equador é parte da Organização dos Países Exportações de Petróleo (Opep). Este ano, provavelmente, irá sair (do grupo) porque o preço do petróleo não está em níveis que ajudem a equilibrar as finanças públicas (para ser membro da Opep, o país paga US$ 2 milhões por ano à entidade). O efeito da guerra comercial entre EUA e China é que reduz as projeções de crescimento global. Vai haver menos crescimento, isso quer dizer menor demanda de energia ao redor do mundo, e os preços do petróleo caem. Estamos vendo que a produção, a despeito dos esforços da Opep (na tentativa de manter os ganhos dos sócios), segue alta, e a demanda, baixa. Então, há excesso de produto no mundo. E isso o deprecia.
Com relação à crise argentina, como o Brasil como pode ser impactado?
O caso da Argentina é muito particular na história, na política, na forma como as pessoas reagem às promessas políticas, de campanha. Outra vez se apresenta à beira do default, com o FMI (Fundo Monetário Internacional) outra vez sendo um personagem importante nessa história. E atinge a economia brasileira. Aí, sim, há um contágio direto. Não estamos dizendo que seja um caso similar ou que haja fatores parecidos (entre Brasil e Argentina), mas afasta a confiança dos investidores na região. É aí que se vê o impacto. "Outra vez argentina". Há menor apetite para que investidores corram risco na região. Se somamos o fator argentino à guerra comercial se reduz o número de investidores, que começam a buscar mercados mais seguros. Haverá menores rendimentos, mas essa é a troca.
É como se pensasse: "Outra vez a América Latina"?
Cada economia vai ter seu próprios pesos que não a deixam crescer. Mas o efeito maior é que a maré contrária, de forma geral, subiu. Se há um acordo, ainda que limitado, entre EUA e China, que tenha-se fase 1, fase 2 e uma trégua comercial, se há avanço nisso, acredita-se que a maré vai baixando. Será mais fácil que economias que estejam um pouco mais à frente ou com menos pesos contrários, como o Brasil, possam decolar melhor do que agora.
Alguns especialistas afirmam que o Brasil pode tirar vantagens da guerra comercial entre EUA e China. O senhor concorda?
Sim, mas o problema é que esse tipo de oportunidade é muito setorial. São certos exportadores que vão bem, mas a economia, em geral, não vai ter suficiente rendimento. É um problema de confiança dos investidores mais do que um problema econômico puro. Sim, vai se ganhar em algumas áreas, mas se perde em geral, porque as pessoas não vão investir na região se sentem que os níveis de riscos estão além do que estão dispostos a tolerar.
Nos primeiros 10 anos do século 21, observou-se vários governos de esquerda na América Latina. Na sequência, houve uma onda conservadora. A possível vitória do kirchnerismo na Argentina pode indicar um retorno da esquerda como tendência ou é cedo para afirmar isso?
O que tenho visto não só na América Latina, mas aí é mais marcante, é que já não é tão importante se é de esquerda ou direita. Estamos estendendo até os extremos. Sempre vai ser um voto de castigo. Se a esquerda esteve no poder, então agora é a vez da direita. Depois, se direita esteve o poder, então o voto de castigo diz que é hora da esquerda. Vai ser muito reativo. As eleições estarão muito marcadas pelo voto de castigo, mais do que em uma plataforma ou em um discurso político.
A guerra comercial é principal problemas, mas também existe o impacto da crise nos preços das commodities, que começou há mais tempo?
As commodities estão pressionadas porque o crescimento global está baixo. Se as duas economias mais importantes do mundo estão se atacando de maneira frequente vai ter impacto (na economia global) porque vai haver menor demanda por energia, no setor de construção, metais. Se o poder aquisitivo também reduz, atinge alimentos. Talvez essa guerra comercial não tenha causado fatores debilidade das commodities, mas está pressionando a todos com a baixa do crescimento.