Com 60% da produção nacional de máquinas e equipamentos agrícolas, o Rio Grande do Sul se beneficiará a partir deste ano de uma onda de investimentos das indústrias. Montadoras começaram a ampliar suas unidades e voltaram a contratar – retornando ao saldo positivo de empregos formais depois de quatro anos de retração. O estímulo para investir vem da perspectiva de crescimento da safra agrícola na próxima década, puxada pela demanda externa, e pela necessidade de acompanhar a evolução tecnológica dos produtos – cada vez mais eficientes e com serviços agregados.
O saldo de trabalhadores formais (diferença entre admitidos e desligados) de janeiro a julho chegou a 1.205 no Estado, mais do que o dobro de todo o 2018.
– O desemprego inexiste no nosso setor hoje, principalmente quando nos referimos à mão de obra especializada, já treinada – afirma Claudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers).
O otimismo vem após forte período de retração, quando as indústrias chegaram a reduzir 20% das vagas. De 2014 a 2016, os empregos formais no setor caíram de 27.570 para 21.935 no Estado. De lá para cá, foram recuperadas 1.691 vagas.
– Claro que ainda estamos longe dos números de 2013. Mas o que vemos neste momento é uma resposta à atividade das indústrias. Ou seja, a variável emprego está diretamente associada ao nível de produção – explica o economista Rodrigo Feix, pesquisador do Departamento de Economia e Estatística da Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão.
Com sede em Não-Me-Toque, no Norte, a fabricante Stara abrirá 150 vagas em Santa Rosa, no Noroeste. A indústria investirá R$ 35 milhões na construção de planta fabril.
– Compramos a área ainda em 2015. Estávamos aguardando o melhor momento para tomar coragem e investir – conta Gilson Trennepohl, diretor-presidente da Stara.
A nova unidade terá área construída de 15 mil metros quadrados e possibilitará a fabricação completa de máquinas e equipamentos. Até então, a unidade da empresa no município, com 230 funcionários, produzia apenas parte dos processos. Em busca das licenças necessárias, a empresa planeja começar a obra física em dezembro deste ano e concluir no começo de 2021.
Outros R$ 35 milhões serão investidos na modernização tecnológica da matriz, que emprega 2,1 mil pessoas.
– Precisamos renovar o parque de máquinas mais antigas, aumentando automatização e robótica. O último grande investimento na fábrica foi em 2013 – lembra Trennepohl.
Marca alemã é trazida ao Brasil
Com 80% da produção nacional concentrada no Estado, o Grupo AGCO investiu neste ano cerca de R$ 150 milhões para trazer ao Brasil a marca alemã Fendt. A colheitadeira de cor preta já começou a ser fabricada na planta de Santa Rosa. A plantadeira será produzida no município de Ibirubá e o trator, inicialmente, importado da Alemanha.
– O foco inicial da Fendt no Brasil será produtos de alta potência, voltados a propriedades de maior porte – destaca Luis Felli, presidente da AGCO para América do Sul.
Somente no Rio Grande do Sul, onde emprega 2.140 funcionários em cinco plantas industriais das marcas Massey Ferguson, Valtra e GSI, o grupo aportou R$ 120 milhões no projeto Fendt. Apesar de o portfólio da marca alemã ser produzido no Estado, a sede no Brasil será em Sorriso (MT), onde a primeira rede de concessionária foi inaugurada no começo do mês. A ideia é expandir para todo o país em 2020, quando a colheitadeira e a plantadeira chegarão comercialmente ao mercado. O trator já está sendo vendido.
– Há muitas oportunidades de conversão de áreas no Brasil. As nossas unidades estão sendo preparadas para esse crescimento – afirma Felli, acrescentando que de 2016 a 2020 o grupo investirá US$ 270 milhões no país para renovação de produtos.
O estímulo para apostar no Brasil vem ainda do apetite externo por grãos, caso da China, e do ambiente interno.
– A confiança cresceu também pela evolução das reformas no país – afirma Alfredo Miguel Neto, vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Confiança na safra brasileira
A projeção de crescimento da safra brasileira na próxima década, com incremento de 10 milhões de hectares de grãos e 1 milhão de hectares de cana-de-açúcar, reforçou a decisão da John Deere de investir na ampliação das fábricas em Horizontina, no Noroeste, e Montenegro, no Vale do Caí. Neste momento, a multinacional está em fase de detalhamento dos dois projetos.
– Temos convicção no mercado agrícola brasileiro, que se expandirá ainda mais – afirma Paulo Herrmann, presidente da John Deere no Brasil.
Com sete fábricas no Brasil, das quais quatro no Estado, a empresa investe até US$ 150 milhões no país ao ano.
– Isso, independentemente do momento político. Nossa crença não está vinculada ao governo, mas à relevância da agricultura – reforça o executivo.
Entre as obras previstas para a ampliação da fábrica em Horizontina, onde são produzidas colheitadeiras e plantadeiras, está a construção de um anel viário para desviar o fluxo de veículos dentro do município – por onde circulam cerca de 200 caminhões ao dia. Herrmann afirma que os investimentos ampliarão as atuais 3,5 mil vagas de trabalho no Rio Grande do Sul.
A disponibilidade de mão de obra especializada, formada por centros de pesquisa e tecnologia, é resultado de vocação histórica local, criada a partir da proximidade com os países do Mercosul – também produtores de grãos.
– Há fatores enraizados no território gaúcho, como mão de obra e fornecedores especializados. Não é algo que se transporta de um lugar para o outro facilmente – analisa Rodrigo Feix, economista e pesquisador da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão.
Gerenciamento de dados nas lavouras
A revolução tecnológica e de dados pela qual a indústria agrícola mundial está passando também ajuda a explicar o movimento de investimentos – junto com a tendência de agregação de serviços nas máquinas.
– A tecnologia embarcada nos equipamentos é responsável por boa parte da produtividade que é colhida nas lavouras – afirma Claudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers).
Com o nível de mecanização no campo em constante evolução, as fabricantes precisam modernizar seus processos e produtos – com objetivo de tornar as soluções cada vez mais acessíveis e conectadas.
– O perfil do produtor também está mudando, com novas gerações chegando ao campo – destaca Vilmar Fistarol, presidente da CNH Industrial para América Latina.
A “servitização” é outra tendência reforçada pelo executivo da multinacional, que no começo do mês anunciou a compra da startup AgDNA, empresa especializada em gerenciamento de dados nas lavouras.
– A agregação de serviços, juntamente com a conectividade das máquinas, trará mais produtividade às lavouras – afirma Fistarol.
A aquisição da startup australiana, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, integra o plano estratégico de negócios para os próximos cinco anos – quando a companhia investirá globalmente US$ 5,6 bilhões no segmento agrícola, que engloba as marcas New Holland e Case IH.
Com três fábricas de máquinas no Brasil, nos Estados de Paraná e São Paulo, a CNH Industrial não detalha investimentos regionais.
No mesmo evento em que anunciou a compra da AgDNA, na Bolsa de Nova York, a multinacional comunicou a investidores a divisão dos negócios de máquinas e veículos. Sem nomes definidos ainda, as duas empresas passarão a ser independentes a partir do primeiro semestre de 2021.