A nova supersafra de soja no Rio Grande do Sul, estimada em 18,7 milhões de toneladas e R$ 21,4 bilhões de impacto direto na economia, contou com um insumo extra nas lavouras: a geração de dados. Na era do big data, sistema inteligente de armazenamento de informações, as possibilidades para ganhos de produtividade foram aceleradas – com uso de assistentes virtuais, sensores, câmeras e mapas georreferenciados. Embora o uso dessas ferramentas ainda não esteja disseminado nas propriedades do Estado, quem prioriza os dados para tomada de decisões garante que não vive mais sem eles – e mostra na prática, e em telas de tablets, os resultados colhidos.
Formado em Ciências da Computação, o produtor Ricardo Tonial, 43 anos, procura aplicar os conhecimentos de sistemas de informação na lida dos 700 hectares cultivados em Passo Fundo, no Norte. A tecnologia sempre fascinou Tonial. Antes de decidir produzir grãos, 17 anos atrás, perambulava de fazenda em fazenda portando um pequeno GPS de bolso – artigo raro na época – medindo as terras de amigos do pai, proprietário de uma cerealista na região.
Hoje, o sinal via satélite – com margem de erro bem menor do que no passado –, somado à automação de máquinas agrícolas, é um dos fatores determinantes para economia de diesel, menos desperdício de produtos, menor perda de plantas e segurança no trabalho, explica o produtor.
Há quatro anos, uma empresa goiana fez o mapeamento detalhado das terras para a otimização do plantio. Com o auxílio de um vant – espécie de drone maior –, os profissionais identificaram particularidades do terreno, apontando a melhor forma de plantio em cada hectare. As fotografias de cada uma das áreas foram agrupadas em uma foto mosaico, espécie de colcha de retalhos que disseca a área de produção, dando um cenário detalhado ao produtor.
– Assim, os agrônomos indicam a melhor forma de semear, pulverizar e colher. Eles têm um programa que faz fluxo de enxurrada, por exemplo, e conseguem prever que, se a chuva cair forte em ponto tal, vai se espalhar em determinada área – explica Tonial.
A topografia detalhada também monta um plano de trabalho, transferido para o computador de bordo das máquinas. Isso diminui o esforço de tratores no terreno, resultando em maior economia e menos esmagamento das plantas – especialmente na pulverização. Com uso de sistema de GPS mais preciso – paralelo aos que vêm de fábrica –, as máquinas repetem o caminho com uma margem de erro menor.
– Antigamente, como o processo dependia da habilidade do condutor, o erro humano acabava aumentando a área esmagada – lembra Tonial.
O produtor encerrou a colheita com média de 74 sacas por hectare – 37% a mais do que a projetada para o Estado. Em sua picape 4x4, Tonial ainda leva seu primeiro aparelho GPS e um drone. A ferramenta aérea, na maior parte do tempo, é utilizada pelo agricultor como uma espécie de hobby, mas também auxilia no monitoramento remoto de áreas com acessos mais complicados. O apego à ferramenta fez com que ganhasse o apelido de drone entre os amigos produtores da região.
Volume de informações desafia produtores
O big data está baseado em cinco princípios: velocidade, volume, veracidade, variedade e valor. Assim, o algoritmo utiliza uma grande quantidade de informações concretas, coletadas em tempo real e que podem gerar conhecimento e expertise. Mais importante do que o volume de dados gerados na agricultura é o valor dessas informações, pondera José Renato Bouças Farias, chefe-geral da Embrapa Soja:
– A simples captura de dados não garante nada, se o produtor não souber o que fazer com aquilo.
O avanço da agricultura nas últimas décadas sempre se baseou em dados, pondera o pesquisador, a diferença agora é a velocidade e a facilidade com que essas informações são geradas – de maneira simultânea à produção.
– O dado é um insumo, é a matéria-prima da informação – define Farias.
Presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja-RS), Luis Fernando Fucks destaca que parte do aumento da produtividade da cultura vem do uso de dados. Na última década, o rendimento das lavouras gaúchas de soja cresceu 26% (veja abaixo). Mas alerta que, para o investimento em big data gerar receita à propriedade, é necessário conhecimento técnico e capacidade gerencial maiores.
– O mercado está se profissionalizando, e isso requer uma gestão eficiente do uso de dados, especialmente nas pequenas e médias propriedades, que têm margens menores para investir – resume Fucks.
Algoritmos que levam à inteligência artificial
A partir da geração de dados, é possível criar algoritmos que geram instruções diretas para agricultores e máquinas – na chamada inteligência artificial –, visando o uso otimizado de adubos, sementes e outros insumos. Mas em um mercado onde tudo é muito novo, e empresas disputam espaço para serem as primeiras a oferecer tecnologias inovadoras, há ainda muita desinformação.
– Tem muita gente apenas coletando dados e dizendo que está fazendo inteligência artificial – destaca Jhonata Emerick, sócio da DataRisk e presidente da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), que reúne mais de cem startups brasileiras.
Criada em 2017 e reativada neste ano, a entidade busca justamente desmitificar o campo do conhecimento e buscar incentivos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais.
– Estados Unidos e China já estão lá na frente quando se fala em inteligência artificial. Para corrermos atrás é preciso incentivo por parte do governo, com linhas de financiamento para pesquisa – diz Emerick.
Segundo o dirigente, a formação de pessoas capacitadas a interpretar a imensidade de informações geradas é um dos principais desafios para o avanço dessas ferramentas na agricultura brasileira, que por muito tempo trabalhou de forma analógica. Outra dificuldade é o fato de muitos equipamentos de diferentes marcas não se comunicarem, com padrões de dados não convergentes.
De olho nas oportunidades desse mercado, há dois anos a multinacional IBM Brasil começou a firmar parcerias com fabricantes de equipamentos agrícolas. Por meio da captura e análise de informações, a empresa de tecnologia criou softwares para atuar na previsão de problemas em diversas etapas da produção.
– Os dados estão aí para serem processados e interpretados de forma inteligente e, assim, afastar fatores de risco – afirma Percival Lucena, cientista de pesquisa em Blockchain na IBM Brasil.
Um dos assistentes virtuais mais conhecidos da empresa é o IBM Watson, treinado para resolver diferentes dificuldades. No caso da agricultura, é capaz de analisar grandes quantidades de dados, como temperatura, pH do solo e outros fatores ambientais e agrícolas – oferecendo aos produtores informações precisas para a melhor tomada de decisão.
– Certamente, os dados são uma nova fronteira a ser aberta – afirma o pesquisador da IBM Brasil.