Contar a história da Expodireto-Cotrijal é resgatar a evolução do agronegócio gaúcho. Quando a cooperativa organizou a primeira feira em Não-Me-Toque, em 2000, a participação do agronegócio no PIB gaúcho era de 29,5%. Hoje, o índice está em 40,5%.
– Crescemos porque cresceram a indústria e o investimento em pesquisa e tecnologia, em razão das demandas da agricultura. E a feira tem bem essa cara – diz o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz.
De 2000 para cá, a safra de grãos de verão no Estado saltou de 13,85 milhões toneladas para 32,02 milhões de toneladas em 2019, segundo previsão do IBGE. O rendimento médio do milho cresceu 2,7 vezes e o de soja dobrou no mesmo período. Essa ajuda não caiu do céu.
– Antigamente, o agricultor rezava para chover e depois rezava para parar de chover – brinca Alencar Rugeri, assistente técnico da Emater.
Se o clima não mudou, o mesmo não se pode dizer das tecnologias ao alcance do produtor. A transgenia, a profissionalização no campo, com planejamento e gestão, as inovações no tratamento de sementes, a agricultura de precisão e, claro, o plantio direto, que deu nome à feira, impactaram o setor.
– Existe o antes e o depois da Expodireto – diz Oriberto Adami, gerente regional da Emater em Passo Fundo – A feira representa a difusão de tecnologia, novos equipamentos, lançamento de cultivares. E tudo isso refletiu em maior produtividade.
De mãos dadas com o agronegócio gaúcho, a mostra também cresceu. Em 2000, recebeu 41 mil visitantes e foi palco de negócios que somaram R$ 68,7 milhões (números atualizados pelo INPC). Na edição mais recente, 265 mil pessoas foram ao parque, e a comercialização ultrapassou R$ 2,2 bilhões. Não por acaso, seu recorde se deu em ano de supersafra, 2014, quando movimentou R$ 3,2 bilhões. O presidente da Cotrijal, Nei César Mânica, atribui o sucesso daquela edição também à liberação de recursos para financiamentos a longo prazo com juro mais acessível.
Como todo casamento, o agronegócio gaúcho e a Expodireto também passaram juntos por maus momentos, como na seca de 2005. Mânica lembra que empresários sugeriram suspender a feira devido à crise causada pelo impacto na produção, que só na soja foi de 70% no Rio Grande do Sul.
Para muitos, não havia clima para o evento. Mas Mânica pensava diferente:
– Quis fazer uma feira da autoestima, da esperança.
A mostra de 2005 foi realizada, mas com quedas no público e na comercialização. Foram necessários mais de quatro edições para superar os números de 2004.
A origem no plantio direto
Elogiada pela organização, a feira traz a marca do rigor imposto por Mânica. Mas seu embrião foi concebido em 1998, quando o agrônomo Gilberto Borges projetou um evento para difundir o plantio direto. Ao lado da mulher, Juliane, e com apoio da Emater e Embrapa Trigo, Borges promoveu a primeira Expodireto, em 1999, em Carazinho. No ano seguinte, o casal bateu à porta de Mânica para buscar parceria. Assim, nasceu a primeira edição da Expodireto em Não-Me-Toque. Desde então, a feira apresenta o nome da Cotrijal. Viúva de Borges, Juliane é diretora da revista Plantio Direto, que hoje participa da feira apenas como expositora.
– A Cotrijal tem um mérito incrível. Criou um evento representativo, que movimenta vários setores – reconhece.
Antes de se tornar referência em tecnologias para o campo, a Expodireto recebeu revendedores, e hoje cada marca tem espaço próprio. Também é proibido ligar equipamentos nos estandes. Com vias calçadas, sem venda de bebida alcoólica nem shows e funcionamento de segunda a sexta, das 8h às 18h, o evento é conhecido pela limpeza.
Do Paraná veio boa parte do modelo da exposição gaúcha. Mânica foi a Cascavel e acabou surpreendido por Dilvo Grolli, presidente da Coopavel, quando ouviu o que ele investiu para fazer a Show Rural. Inicialmente, Mânica previa desembolsar R$ 100 mil; acabou gastando R$ 900 mil, bem perto do R$ 1 milhão do evento paranaense.
– Hoje, dá para dizer, modestamente, que a nossa feira é tão importante quanto ou mais do que a da Coopavel. Mas vamos dizer que é igual pra não dar ciumeira – brinca Mânica, para quem o desafio da Expodireto é continuar crescendo sem perder o foco em tecnologia, inovação e oportunidades de negócios.
Tecnologias se refletem em maior rendimento na soja e no milho
Presente na Expodireto de 1999, quando a feira ainda era realizada em Carazinho, o agrônomo Francisco Souilljee, 46 anos, compareceu a praticamente todas as edições.
O produtor divide a paixão de Gilberto Borges pelo plantio direto, sistema que adota em um terço dos 700 hectares da propriedade da família em Ronda Alta. Fala com entusiasmo sobre como a ervilhaca capta o nitrogênio do ar e o fixa de forma a reduzir a necessidade de químicos e, assim, fertilizar naturalmente o solo para cultivar milho e produzir a massa seca sobre a qual vai se plantar soja depois:
– A gente fica fascinado. Se você for na Expodireto, vai ouvir muito falar em mix de coberturas. A ideia é juntar várias espécies: aveia, nabo forrageiro, centeio, ervilhaca, para criar um aspecto de floresta na lavoura. Está em moda.
E, se está na moda, está na Expodireto. A feira se firmou como referência em inovações. Para Souilljee, é oportunidade de aprendizagem e troca com outros agricultores. Nasceu junto com as discussões sobre grãos geneticamente modificados no Brasil e foi palco de protestos de produtores gaúchos a favor dos transgênicos no início dos anos 2000. Uma das memórias mais marcantes do agricultor foram os primeiros cultivares de soja de porte baixo.
– A tecnologia apresentada na feira ajuda a proporcionar acréscimo no rendimento – diz Souilljee.
Entre os anos 2001 e 2010, a família colhia, em média, 56 sacas de soja por hectare, 70% acima da média do Rio Grande do Sul. Na década atual, está em 65 sacas, com picos de 80, 44% acima do registrado no Estado. No milho, de 150 sacas nos anos 2000, os Souilljee chegam a colher 180 sacas por hectare, quase o dobro da média estadual.
Na propriedade, também há exemplos da evolução das máquinas, protagonistas da Expodireto. Hoje, os irmãos Francisco e Daniel conduzem colheitadeira com ar-condicionado que trabalha a 6 km/h e plataforma de 5,5 metros. Nada mal para quem, em 1990, usava máquina de velocidade 1,5 km/h e largura de colheita de três metros. Condições inimagináveis para o pai, Theodorus, quando chegou da Europa em 1950 e instalou-se em Não-Me-Toque. Aos 82 anos, afastado da lida, o holandês viu, em 2009, o município transformar-se na capital nacional da agricultura de precisão, conhecimento do qual os filhos se beneficiam hoje.
– Quando começamos, era tudo no olho. Hoje, a máquina vai para o posicionamento correto e começa a espalhar o adubo – explica Francisco – É só apertar um botãozinho.
Olhar atento às novidades que se encaixam na lavoura da família
Na propriedade dos Henn, em Tapera, o mês de março é de festa nos últimos 20 anos. É que o primogênito, Jardel Augusto, comemora aniversário com a Expodireto-Cotrijal. Caso cada vez mais raro na agricultura familiar, o jovem segue os passos dos pais, Leonisio e Julia. Ele e o irmão, Christian André, estudam Agronomia, em Passo Fundo.
Desde pequenos, acompanham os pais nas visitas à Expodireto. É lá que a família busca conhecimento nos estandes ou nas palestras e fóruns. Nos últimos anos, com o olhar mais apurado devido à faculdade, já aconselham.
– Sempre tem lançamentos para olhar e pensar no que é possível encaixar na tua lavoura ou não – diz Jardel.
Nas últimas duas décadas, nem toda novidade adaptou-se à realidade de Leonisio, que tem 300 hectares em sociedade com dois irmãos.
A soja Roundup Ready (RR), por exemplo, foi revolucionária para grandes e pequenos produtores quando surgiu. Mas há variedades inviáveis para o agricultor familiar pelo custo dos royalties, observa Leonisio Henn.
– Você vai à Expodireto para ver o futuro. Tem pulverizador lá que é sonho de consumo nosso, máquinas que custam até R$ 1 milhão. Se queima uma placa dessas, o custo é R$ 30 mil, R$ 40 mil. E como vou tirar esse custo da lavoura? A feira ficou muito grande para o pequeno produtor – destaca.
A produtividade aumentou sem necessariamente aumentar a renda. Segundo Leonisio. quando plantava soja com o pai, “não se gastava nada”.
– Um pouco de adubo e o resto era enxada e semente guardada em casa. Colhíamos 25, 30 sacas por hectare. Mas o dinheiro era limpo. Hoje são 75, 80 sacas em anos bons. Mas o custo é de 50 sacas – ressalta o agricultor.
Em compensação, as safras de milho têm sido excelentes. Com média de 240 sacas por hectare neste ano, o retorno está garantido.
Na qualidade de vida, a melhora é indiscutível, diz ele, que chegou a quebrar milho com as mãos. Encher 20 sacas em uma hora, com até sete pessoas trabalhando, era uma façanha, recorda. Hoje, é questão de minutos com a ajuda das colheitadeiras, uma de 1994 e outra de 2013, conduzidas por pai e filhos, junto com o trator de 1979 – que “vai muito bem”.
– Tudo isso é tecnologia. São melhorias na estrutura de solo, melhores variedades genéticas – diz Leonisio.
Por isso, a família já se programa para, a partir de segunda-feira, comemorar os 20 anos de Jardel e fazer a tradicional visita à feira para conferir as novidades.