Cinco anos depois da última grande seca que assolou o Estado, na safra 2011/2012, a área irrigada com milho dobrou, mas ainda há um grande espaço para avançar. As estimativas do programa Mais Água, Mais Renda, criado pela Secretaria da Agricultura logo após o Rio Grande do Sul terminar de contabilizar os prejuízos com as lavouras dizimadas indicam que, à época, 52,5 mil hectares da cultura, bem mais sensível à falta de umidade em relação à soja, eram irrigados. Agora, seriam 105 mil.
A despeito do crescimento de 100%, a extensão plantada com milho irrigado por pivô central no Rio Grande do Sul representa apenas 13% da área cultivada. Para a coordenação do programa, o potencial no Estado, levando em consideração limitações ambientais e tecnológicas, seria de em torno de 480 mil hectares.
O presidente do Clube da Irrigação, João Augusto Telles, trabalha com dados diferentes. Para a entidade, formada por empresas, associações e universidades, informações coletadas no mercado apontam a existência de 220 mil hectares em terras altas irrigados no Estado, sendo cerca de dois terços com milho - em torno de 145 mil hectares.
– Se chegássemos a 450 mil ou 500 mil hectares, o Rio Grande do Sul seria autossuficiente em milho – avalia Telles, acrescentando que o avanço da irrigação ocorre hoje mais pela incorporação de mais áreas por quem já usa os pivôs do que por novos agricultores que recorrem à ferramenta.
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Quem milita no meio observa que, após crescimento acelerado da área irrigada nos primeiros anos após a grande seca de 2011/2012, o avanço ocorre em ritmo mais lento. A avaliação é de que uma série de fatores contribuiu para a diminuição do ímpeto. Um deles foi o fato de o Rio Grande do Sul não ter experimentado novamente um verão seco capaz de levar a perdas expressivas nas lavouras.
A dificuldade para obter licenças ambientais para irrigação e a limitação no fornecimento de energia elétrica nas áreas rurais também são empecilhos para o aumento da área, diz Telles. Por fim, como reflexo da crise atravessada pelo país, o financiamento tornou-se mais difícil, diz Reimar Carlesso, professor de Irrigação do departamento de Engenharia Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
– As linhas de crédito ficaram mais restritas e as taxas de juros subiram, o que hoje dificulta o acesso, embora boa parte dos agricultores invista com recursos próprios – diz Carlesso.
Tecnologia amplia a produtividade
Embora exista a percepção de que a inexistência de novos episódios de secas severas nos últimos anos no Estado inibiu o crescimento maior da irrigação, os especialistas lembram que o complemento no fornecimento de água nas lavouras não deve ser encarado apenas como mecanismo para evitar quebra de safra, mas instrumento para alavancar a produtividade. Carlesso lembra que o milho tem potencial mais elástico de rendimento quando recebe uma boa distribuição de chuva e também é irrigado nos momentos mais sensíveis da cultura. Áreas com pivô no Estado têm obtido produtividades acima de 200 sacas – equivalente a 12 toneladas – por hectare. Mesmo que a safra deste ano seja considerada normal, é praticamente o dobro do rendimento médio esperado para o Rio Grande do Sul de 6,4 toneladas por hectare, ou 107 sacas por hectare, de acordo com estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Agricultor na região de Ijuí, o presidente da Associação dos Produtores de Milho no RS (Apromilho), Claudio de Jesus, observa que a falta pontual de chuva em algumas áreas no noroeste do Estado mostrou a diferença. Em lavouras irrigadas, a produtividade tem superado 200 sacas por hectare. Nas áreas que dependeram apenas da chuva, o rendimento observado tem variado entre cem e 170 sacas.
Além do milho, a soja também teve um crescimento percentualmente grande da irrigação no Estado, embora a comparação com toda a extensão cultivada com o grão no Estado mostre que ainda é uma prática pouco utilizada. Em 2012, eram 22,5 mil hectares. Agora, estima a Secretaria da Agricultura, seriam 45 mil hectares – 0,8% da área total.
Risco menor e produção maior
Adepto da irrigação há cerca de duas décadas, o agricultor Lotar Kienast, 74 anos, de Carazinho, se encaminha para uma safra com produtividade acima de 200 sacas por hectare com a ajuda dos pivôs centrais. Janeiro até choveu bem, mas dezembro teve algumas semanas sem precipitações adequadas, o que poderia comprometer o rendimento da lavoura de 110 hectares.
– O milho, se não plantar com irrigação, é muito arriscado. As chuvas muitas vezes são pancadas espalhadas, então vamos controlando a umidade – diz Kienast, calculando que, se dependesse apenas da chuva, talvez a produtividade recuasse em até 30 sacas por hectare.
Kienast conta que, a despeito da frustração com os preços e dos ganhos inferiores do milho em relação à soja, mantém a lavoura para fazer rotação de cultura. Mesmo que as cotações não reajam, não pensa em reduzir a área na próxima safra. A venda antecipada de parte da produção, no entanto, vai garantir uma melhor rentabilidade. No final do ano passado, quando os preços estavam melhores, comercializou no mercado futuro o equivalente a pelo menos 40% do volume que projeta colher.
O boletim conjuntural da Emater, divulgado na quarta-feira, mostra que algumas lavouras irrigadas no Estado estão obtendo produtividades que alcançam 250 sacas por hectare. Em outras áreas, o rendimento é variado. Nas plantações que não contam com pivô e não tiveram falta de umidade, a produtividade fica em torno de 160 sacas. Mas nas que sofreram com a ausência de chuva nos momentos mais sensíveis, o número fica em menos de cem sacas.
Resultado incerto de safra
Burocracia para obter licenciamento, custo do investimento, topografia e o fato de ter áreas divididas são alguns dos fatores que inibem o agricultor Vilson Paulo Von Frühauf, 56 anos, de Não-Me-Toque, a apostar na irrigação. Apesar do histórico de boas produtividades, depender apenas da chuva faz o resultado da lavoura ser incerto.
A falta de precipitação adequada em dezembro reduziu o rendimento esperado. Agora, Von Frühauf calcula que poderá colher nove toneladas por hectare - equivalente a 150 sacas por hectare – 25% a menos do que projetava nos 32 hectares destinados ao milho:
– A gente se frustra um pouco, porque o ano passado foi excepcional. Deu mais resultado do que a soja – lamenta.
Além da produtividade abaixo do inicialmente estimado, os preços em queda também devem afetar o resultado financeiro. Mesmo assim, o agricultor não se deixa abater pelo pessimismo. Por ser tradicional produtor de milho, Von Frühauf diz que não pensa em reduzir a área. A importância da cultura, ressalta, está na rotação de cultura, diluição de custos da propriedade e do próprio calendário de trabalho na lavoura.
– Mercado é momentâneo. Ano que vem pode mudar novamente. Se ficar pulando (deixando de plantar um ano), corro o risco de estar pulando sempre no ano errado – observa o agricultor.
Cotações voltam a preocupar
O ânimo dos agricultores com a disparada dos preços do milho durante o ano passado se transformou em preocupação com o recuo das cotações. Na semana passada, o preço médio da saca de 60 quilos no Estado ficou abaixo de R$ 30. Um ano atrás, estava na casa dos R$ 35 e ao longo do ano chegou a superar R$ 50.
O analista Paulo Molinari, da Safras & Mercados, lembra que a conjuntura atual é oposta a vivida ano passado. Em 2016, o país atravessava período de exportações fortes, movimento que se iniciou em 2015 e derrubou os estoques. Apenas no primeiro semestre de 2016, os embarques somaram 12,2 milhões de toneladas, 130% acima de igual período de 2015. Para completar, a safrinha no Brasil Central teve quebra significativa. Agora, além das exportações em ritmo mais lento devido ao câmbio, a produção estimada para 2017 chega a 84,48 milhões de toneladas, 26,6% acima do ano passado, conforme dados da Conab.
– Isso só muda se acontecer alguma coisa como quebra da safra americana ou disparada do câmbio – avalia Molinari.
Apesar do incentivo das cotações na época em que os agricultores formavam as lavouras, o Estado tem o quinto ano consecutivo de redução da área plantada. Mantida a tendência, sem perspectiva de reação no valor, há risco de a área voltar a cair na próxima safra.
– O preço, como está, não estimula o produtor. E no curto prazo não vejo algo que modifique esse cenário – resume o presidente da Associação dos Produtores de Milho no RS (Apromilho), Claudio de Jesus.
Para o dirigente, apenas um forte repique do câmbio ou dificuldades na implantação das lavouras nas regiões brasileiras onde há safrinha poderiam mudar o quadro.
As indústrias de carnes de aves e suínos, que ano passado sofreram com o salto das cotações do principal item de seu custo de produção, não estão conseguindo aproveitar a acomodação dos preços. A causa, diz Rogério Kerber, diretor- executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos (SIPS) do Estado, é a falta de caixa.
– O que aconteceu ano passado no país foi algo fora da curva. Agora, voltamos a ficar de acordo com o mercado internacional. Mas o setor que demanda milho está descapitalizado e não consegue fazer as compras do produto que poderia consumir ao longo do ano – observa o dirigente.
Diante do impasse, as indústrias vão tentar junto ao governo federal a disponibilização de uma linha de crédito que dê fôlego para a aquisição de milho.