A prefeitura de Porto Alegre prevê para o início do segundo semestre de 2025 o envio à Câmara de Vereadores do projeto de lei que busca viabilizar financeiramente a revitalização do Arroio Dilúvio no eixo da Avenida Ipiranga.
O texto transforma a região em uma Operação Urbana Consorciada (OUC). Trata-se de um instrumento, nunca aplicado na Capital, que flexibiliza regras de ocupação do solo e, segundo a prefeitura, não pretende impor limites de altura aos prédios a serem construídos. A transformação do Dilúvio seria bancada pelo chamado solo criado, o ato de comprar da prefeitura a permissão para construir mais do que o preestabelecido para um terreno (leia mais abaixo). Em contrapartida, tanto o setor da construção civil quanto investidores viabilizarão as obras de despoluição e desassoreamento do arroio, além do trabalho de contenção e paisagismo das margens.
O modelo já foi adotado em outras capitais brasileiras e deve gerar debates na Câmara Municipal, no mesmo ano em que será discutida a revisão do Plano Diretor.
Antes do projeto ser apresentado ao Legislativo municipal, um grupo de empresas está realizando estudos urbanísticos, econômicos, jurídicos, ambientais e de mobilidade. O trabalho é realizado desde 2023 pelo consórcio Regeneração Urbana Dilúvio, formado pela empresa gaúcha Profill e pelas paulistas Consult e Pezco. Consórcio e prefeitura já chegaram a um consenso sobre os limites da Operação Urbana Consorciada. O perímetro é formado pelas avenidas Protásio Alves, Bento Gonçalves e Antonio de Carvalho (veja no gráfico).
— É uma mancha mais próxima da realidade do Dilúvio, onde essas relações de causa e efeito são mais evidentes — explica Sidnei Agra, engenheiro e diretor da Profill Engenharia e Ambiente.
A operação foi batizada de OUC Regenera Dilúvio. No final de setembro, o consórcio finalizou a etapa três, quando apresentou à prefeitura um conjunto de propostas preliminares. Conforme o cronograma, são seis etapas, sendo que a última consistirá em apresentação do relatório final, realização de audiências públicas e minuta de projeto de lei. Isso deve acontecer até o final do primeiro semestre do ano que vem.
Alterações após enchente
O projeto de revitalização do Arroio Dilúvio sugere transformar o eixo da Avenida Ipiranga em um parque linear. Para ampliar o espaço de circulação de pedestres, o projeto proõe construção de varandas suspensas sobre as águas, ampliação das ciclovias e passagens de pedestres, de modo integrar o Dilúvio a outros parques da cidade.
— Não tem muito espaço na margem do arroio, pois tem toda a Avenida Ipiranga. Por isso, não está se prevendo áreas de contato direto com a água. Isso vai ter, por exemplo, na orla — afirma Sidnei Agra, da Profill Engenharia e Ambiente.
Uma das principais demandas da população, a despoluição da água deve ser apenas parcial. Sem condições de enfrentar a contaminação que vem de diversas nascentes — em uma bacia de 76 quilômetros quadrados desde Viamão —, o consórcio sugere a instalação de mais ecobarreiras e o aumento da oxigenação da água para dar fim ao mau cheiro, por meio de ressaltos hidráulicos. Também propõe a construção de novas redes coletoras de esgoto.
Em razão da enchente de maio, o projeto sofreu modificações. Foram mapeadas ruas a avenidas capazes de receber biovaletas, que são estruturas capazes de acumular e escoar água da chuva. O projeto sugere, ainda, a construção de duas bacias de amortecimento.
— Com tudo que aconteceu na enchente, esse tema se tornou mais relevante e fez com que a gente reforçasse esse olhar, não só para um projeto urbano, de um parque linear com recuperação ambiental, mas também para ser um equipamento importante na drenagem de toda a região — afirma Germano Bremm, secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre.
Outro problema que o consórcio sugere combater envolve as torres de alta tensão de energia elétrica, tema que no passado chegou a ser alvo de polêmica. Segundo o secretário municipal, o projeto da revitalização pretende bancar a retirada das torres de transmissão com a criação de uma rede subterrânea.
Prefeitura buscará R$ 1 bi para dar pontapé inicial
Diferentemente de outras ideias debatidas no passado, o atual projeto que pretende revitalizar o arroio Dilúvio avança ao apontar a origem do dinheiro que vai bancar as intervenções. Em valores atualizados, a estimativa é de que sejam necessários até R$ 4 bilhões para todo o empreendimento, algo que não encontra paralelo em obras recentes de Porto Alegre, mesmo no caso de projetos grandes como o Programa Integrado Socioambiental (Pisa), concluído em 2014.
É muito provável que a solução final para o Dilúvio tenha um mix de investimentos. Do Dmae ou de quem venha a comprar e operar o serviço de saneamento, um investimento externo para algum projeto-piloto e mais a receita da Operação Urbana Consorciada. A solução extrapola uma única fonte de financiamento.
SIDNEI AGRA
Engenheiro e diretor da Profill Engenharia e Ambiente
Para dar a largada, a prefeitura já conversa com instituições financeiras em busca do primeiro R$ 1 bilhão. É valor que o poder público quer aplicar para dar início à valorização da área.
Dessa forma, a gente implementa a estrutura básica necessária e, depois, conforme o território vai se desenvolvendo, novos empreendimentos vão se implementando, isso vai criando recurso de potencial construtivo.
GERMANO BREMM
Secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre
Obra financiada por fundo
Para financiar a revitalização, a OUC autoriza a construção de prédios mais altos, o que é conhecido como adensamento. O direito de construir é negociado pela prefeitura por intermédio de um Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac). Trata-se de um título comercializado em bolsa de valores. Os recursos formam um fundo, que financia as obras de revitalização dentro da OUC. Além do dinheiro, o argumento é de que prédios mais altos liberariam espaço nas quadras para calçadas mais largas, por exemplo.
— Para isso ser possível, a gente tem que superar as barreiras do limite de altura (de prédios). Em grande parte daquele território, não temos restrição em razão do aeroporto, como em outras regiões da cidade. A gente tem uma expectativa de reorganizar a rota de crescimento da cidade — afirma Germano Bremm.