Com aplicação ainda inédita em Porto Alegre, a Operação Urbana Consorciada (OUC), que deve ter projeto enviado à Câmara de Vereadores da Capital no segundo semestre de 2025, é uma realidade em outras capitais brasileiras.
A cidade de São Paulo possui quatro operações urbanas: OUC Faria Lima, OUC Água Espraiada, OUC Bairros do Tamanduateí e OUC Água Branca. Na cidade do Rio de Janeiro, há o projeto Porto Maravilha. Curitiba tem a OUC Linha Verde, e Belo Horizonte possui outras três: Centro-Lagoinha, Aclo e Barreiro.
Instrumento urbanístico previsto no Estatuto da Cidade (2001), a OUC permite flexibilizar a legislação municipal que estabelece as regras e parâmetros para o uso do solo do município, também conhecida como Lei do Zoneamento.
— Você pode construir a mais só dentro da área da operação. Por exemplo, o poder público desenvolve um plano para melhorar o transporte público naquela área e, consequentemente, pode-se admitir edifícios com maior densidade populacional — explica Karlin Olbertz Niebuhr, advogada e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), autora do livro Operação Urbana Consorciada, e atuante nas áreas de direito administrativo, regulatório e urbanístico.
Desde 2023, o consórcio Regeneração Urbana Dilúvio, formado pela empresa gaúcha Profill e pelas paulistas Consult e Pezco, está realizando estudos urbanísticos, econômicos, jurídicos, ambientais e de mobilidade para a OUC de Porto Alegre. Consórcio e prefeitura já chegaram a um consenso sobre os limites da OUC. O perímetro abrangido será formado pelas avenidas Protásio Alves, Bento Gonçalves e Antonio de Carvalho. A prefeitura prevê para o início do segundo semestre de 2025 o envio do projeto de lei à Câmara Municipal. Em valores atualizados, a estimativa é de que sejam necessários até R$ 4 bilhões para todo o empreendimento.
OUC Faria Lima é a mais antiga do país
Um dos mais importantes centros comerciais e financeiros do país, a região da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, é também a operação urbana mais antiga do país, cuja lei é de 2004. Em 20 anos, arrecadou R$ 3,2 bilhões com a venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs). Sob este modelo, bancou obras como a construção dos túneis jornalista Fernando Vieira de Mello e Max Feffer, parte da linha amarela do metrô, a reconversão urbana do Largo da Batata e deve entregar, até o mês que vem, quase 300 unidades do conjunto habitacional popular Coliseu.
Pelas nossa experiência, temos que interpretar uma operação urbana como um projeto de longo prazo, um projeto de infraestrutura que vai transformar a região.
FELIPE SCIGLIANO PEREIRA
Diretor de Infraestrutura e Operações da São Paulo Urbanismo, empresa pública da prefeitura paulista
Especialista em operações urbanas, a advogada Karlin alerta para questões como a valorização da região e o encarecimento do custo de vida. Para ela, o equilíbrio entre as demandas sociais e a especulação imobiliária depende de como a OUC vai ser concebida.
A operação usa a especulação imobiliária em favor do poder público e dos interesses sociais. Se tiver conexão entre esses fatores, a operação urbana consorciada é lícita.
KARLIN OLBERTZ NIEBUHR
Advogada e doutora em Direito pela USP
Em São Paulo, o condomínio popular Coliseu fica na Rua Funchal, região com os terrenos mais caros da cidade. Famílias que residiam em uma favela na região foram mantidas sob aluguel social durante as obras. Ao todo, o projeto levou 10 anos para ser concluído.
— A premissa básica é de que as pessoas que lá residiam, por já conhecerem, fazerem parte da região, terem os seus empregos naquelas proximidades, tenham acesso a habitação na própria região — afirma o diretor da SP Urbanismo.
A prefeitura de Porto Alegre acredita que a operação urbana na Capital não deva causar valorização excessiva. Isso porque, enquanto a operação paulistana enfrenta desafios pela falta de espaço para novos empreendimentos, o eixo da Avenida Ipiranga e bairros adjacentes apresenta "potencialidades de terrenos".
Não é uma região que está ocupada para falar em gentrificação ou substituição da população, porque tem bastante espaço. A gente entende que ela é extremamente propícia para esse tipo de projeto. É uma região central da cidade e que não tem tanta incompatibilização com o patrimônio histórico.
GERMANO BREMM
Secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre
Especialista alerta para gestão de conselhos e relação com a sociedade civil
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Paula Freire Santoro estuda a fundo a ocupação urbana. Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas e doutora em Habitat, ambas pela FAUUSP, ela integra, como cidadã, o conselho da OUC Água Branca. No Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (Labcidade), coordena o grupo que faz o acompanhamento crítico das políticas urbanas e habitacionais em São Paulo e em outras regiões metropolitanas brasileiras.
Na entrevista a seguir, ela comenta as críticas ao modelo de OUC por parte de arquitetos e como funciona a operação em São Paulo.
O que deu certo e o que não funcionou na experiência das operações urbanas de São Paulo?
As operações urbanas em São Paulo começaram a ser pensadas antes mesmo do Estatuto da Cidade, ainda nos anos 1990. É importante dizer que a OUC não é um modelo que está sendo difundido hoje em São Paulo, por conta das críticas. Da parte dos arquitetos, porque que as operações não têm um projeto urbano, viraram um conjunto de obras que são retiradas do rol das obras públicas para serem financiadas com o desenvolvimento do mercado imobiliário. Mas quando o mercado imobiliário não está ativo ou não é suficiente, entra o poder público financiando obras que, em geral, são lugares muito valorizados. Outra crítica é em relação à forma de democratização da definição das prioridades. As operações urbanas em São Paulo têm conselho gestor, mas, às vezes, não têm representante da sociedade civil. Às vezes, o representante só vai ser informado sobre decisões já tomadas.
Não tem representante da sociedade civil por falta de mobilização da população ou por conta das regras de composição desses conselhos?
Tem que ficar atento à lei da operação urbana, que determina como vai ser a gestão e qual vai ser a relação com a sociedade civil nessa gestão. Se as operações urbanas têm um conselho gestor, há uma agenda para ter a sociedade participando da tomada de decisões, principalmente sobre as prioridades. A lei da operação urbana, em tese, já traz as obras que serão feitas. Então, qual seria o nosso papel? Definir o que vai ser feito primeiro, e como vai ser feito.
Como é o conselho de gestão da operação urbana Água Branca?
Tem nove representantes do poder público e nove da sociedade civil. Só que, no caso da sociedade civil, uma vaga é para representantes do mercado imobiliário. Então, a gente nasceu perdendo todas as disputas, porque o mercado imobiliário, em geral, está muito alinhado com o poder público. Mas a operação é tida como um modelo no sentido de que ela foi uma operação urbana que tomou o cuidado de não prever somente obras viárias. A eleição dos membros que compõe o grupo de gestão é democrática. A gente já teve eleições que foram 2 mil pessoas votar nos representantes.
Sobre uma possível valorização excessiva da área em detrimento de outras regiões da cidade e a expulsão de moradores, existe o risco de convertermos um espaço da cidade em imóveis comerciais ou apenas em imóveis de aluguel de curta duração?
O aluguel virou uma agenda importante de investimentos para todas as pessoas. Na pandemia, por exemplo, teve um crescimento muito grande de uma classe média que virou investidora, que compra uma unidade pequena e cara para colocar no aluguel temporário e ganhar dinheiro com isso, muitas vezes colocando seu imóvel em uma carteira. Essa ideia da operação urbana ser eternamente um tecido que tem que ser revalorizado continuamente é uma transformação do urbano que pressupõe gentrificação, pressupõe valorização, pressupõe que vai ser um território cada vez mais exclusivo e não vai caber a pobreza, não vai caber gente de renda média.