Símbolo dos problemas de saneamento de Porto Alegre, o Arroio Dilúvio volta ao centro dos debates com um anúncio feito pelo prefeito Sebastião Melo durante visita à Escandinávia. O mandatário da capital gaúcha quer fazer uma licitação de contratação de projetos para a operação urbana consorciada da Avenida Ipiranga, que, a longo prazo, financiaria a limpeza do Dilúvio e a transformação das suas margens em um parque público linear.
A ideia é permitir a construção de prédios mais altos ao longo da Avenida Ipiranga e utilizar os recursos da venda de índices construtivos para a despoluição e o desassoreamento do arroio, além do trabalho de contenção e paisagismo das margens. A transformação do Dilúvio seria bancada pelo chamado solo criado, o ato de comprar da prefeitura a permissão para construir mais do que o preestabelecido para um terreno. É a mesma aposta da gestão de Melo para o desenvolvimento do Centro Histórico e do 4º Distrito.
Um dos objetivos da comitiva de Porto Alegre na viagem à Escandinávia é conhecer experiências exitosas na recuperação de arroios. Depois de décadas recebendo esgoto e dejetos da indústria, os canais de Copenhague, na Dinamarca, foram transformados: as redes de água e esgoto foram refeitas, e o lixo passou a ser reciclado e incinerado. Lá, moradores e turistas podem nadar, hoje, em piscinas públicas artificiais.
Segundo o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, que integra a comitiva, a possibilidade de apresentar a proposta no congresso mundial do Iclei (organização sem fins lucrativos que dá suporte a governos locais em questões ligadas à sustentabilidade) traz uma expectativa de encontrar parceiros que subsidiem o seu desenvolvimento. Mas esse apoio não é crucial: a prefeitura pretende avançar na ideia com ou sem parceiros internacionais.
Para o plano sair do papel, porém, o processo é longo. O primeiro passo é a elaboração de um termo de referência para lançar uma licitação. Esse edital terá por objetivo escolher uma empresa ou consórcio para modelar, jurídica, econômica e paisagisticamente, a operação urbana consorciada (ferramenta em que se faz um "recorte urbanístico" de determinada região, dando regulamentação específica à área).
É essa modelagem que vai dar origem a um projeto de lei: a proposta terá que passar pela Câmara Municipal.
— Se a Câmara aprovar esse projeto, entra-se na fase de implementação da operação urbana, de vender potencial construtivo. E, a partir da entrada de recursos desse potencial construtivo, começa a se implementar as obras, nos projetos executivos de recuperação do Dilúvio e da criação do parque linear, que vai valorizar os empreendimentos que vierem a se instalar ali — explica o secretário.
Germano vê um grande potencial de transformação na região da Avenida Ipiranga. Ele destaca que há várias edificações baixas, como borracharias, postos de gasolina, ou mesmo terrenos ociosos, que poderiam dar lugar a grandes edifícios. A prefeitura aposta que haveria um grande interesse de construtoras pela região, que fica no meio da cidade e já é urbanizada, e, consequentemente, que se juntaria uma quantia significativa em solo criado.
— A gente conversou com empresas que já trabalharam com operação urbana consorciada, que têm acesso a dados do mercado imobiliário, e elas estimaram para nós uma potencialidade de cerca de R$ 1,5 bilhão que seria possível arrecadar ao longo de 30 anos — afirma Germano.
A prefeitura não descarta realizar obras no começo da operação, a partir da orla do Guaíba, para “chamar o desenvolvimento”. Mas isso também é algo que deve ser projetado na modelagem, bem como as fases de desenvolvimento da via, que tem 11 quilômetros de extensão.
Despoluição do arroio balizou vários projetos
Ao longo das últimas décadas, já foram pensados vários projetos para despoluir o Dilúvio e tornar a Avenida Ipiranga uma via mais aprazível. Um plano listando 171 ações necessárias para recuperar a bacia e despoluir toda a água do arroio chegou a ser lançado em dezembro de 2012 por professores da Universidade Federal do RS (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e das prefeituras de Porto Alegre e Viamão. A relação incluía intervenções em saneamento básico, regularização fundiária, trânsito, drenagem, coleta de lixo e educação ambiental. O volume total de recursos estimados ficava em torno de R$ 500 milhões – mais de R$ 800 milhões em valores atualizados – , mas faltou empenho na busca de recursos externos para viabilizar o projeto.
Germano Bremm acredita que a nova proposta terá um destino diferente por focar na viabilidade econômica:
— Os demais projetos vão nos auxiliar para essa modelagem. Mas eles costumavam ser muito conceituais, do que se imaginava para os locais. Não se pensava numa estruturação econômica, jurídica e urbanística para viabilizar.
O que pensam IAB e Sinduscon
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Estado (IAB-RS), Rafael Passos, questiona se o mercado tem condições de absorver tanta oferta de solo criado.
— Não me parece viável oferta de solo criado para financiar tanta coisa ao mesmo tempo, o Centro, o 4º Distrito e ainda a Ipiranga. Parece ser uma banalização do instrumento, à custa de uma desregulamentação geral do uso do solo — opina.
Já o presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, acredita que a proposta “é perfeitamente viável”. Ele acredita que a região se tornaria um ponto turístico e de interesse urbanístico, que atrairia muitas construtoras e incorporadoras:
— O solo criado se torna perfeito para isso, uma vez que tem projeto urbanístico e tem uma forma para destinar esse recurso.
O prefeito Melo e o secretário Germano retornam no sábado (14) da viagem à Europa.