Se existe um paraíso para patos, gansos e marrecos em Porto Alegre, esse lugar é a Praça Lucy da Silva Bottini, situada no bairro Aberta dos Morros. Enquanto em outros parques essas aves têm sido desalojadas e realocadas para habitats cada vez mais distantes do público, no lago existente nessa região, dentro do Loteamento Lagos de Nova Ipanema, os animais são tratados como verdadeiros reis.
— Temos um grupo de gestão, e a contribuição de moradores e associados nos permite manter a organização da praça, da fauna e da flora do lago — explica Claudio Scherer, 56 anos, presidente da Associação Lagos de Nova Ipanema (Alni).
Espraiada por uma área verde de mais de 17 mil metros quadrados, a praça é bastante arborizada, inclusive possuindo uma vistosa pitangueira e seis pés de butiás. No meio fica o lago, onde as aves passeiam em bandos por sua água bem cuidada. No centro, há um refúgio para os animais se abrigarem.
Na contagem mais recente, eram 56 indivíduos, entre patos, gansos, marrecos e até uma eventual garça. Há ainda outros inquilinos no lago, como tartarugas e uma família de ratões-do-banhado, formada pela mãe e seis filhotes, com hábitos mais noturnos.
A comunidade da associação cuida da praça desde 2011 e, por meio de contribuições mensais no valor de R$ 250 por moradia, alimenta as aves. A estimativa do presidente é de que entre 50% e 60% dos moradores do Loteamento Lagos de Nova Ipanema contribuam para que tudo funcione no espaço de lazer. E, ainda segundo o mandatário, até 1,8 mil pessoas vivam nas 650 unidades residenciais existentes na área. O dinheiro também é usado para a manutenção da praça, como corte de grama, e para pagamento da segurança. Há guaritas nos dois acessos ao loteamento, o que obriga os frequentadores a se identificarem quando chegam.
— São em torno de cem quilos por mês de grãos de milho que damos para os animais. Pedimos para as pessoas não darem outros alimentos porque não é aconselhável — diz Scherer, informando que a ração é distribuída no lago no período da manhã.
A organização parece ser um dos segredos da Praça Lucy da Silva Bottini. Quem visita o espaço, que, apesar de ficar dentro de um loteamento formado por casas e condomínios, é aberto ao público, percebe rapidamente os cuidados com o lugar. A zeladoria é feita de forma voluntária pelos integrantes da própria associação, ficando a cargo de um prestador de serviço o recolhimento do lixo da praça. A grama está aparada, há lixeiras espalhadas por alguns pontos, quadras esportivas, bancos e calçadas em bom estado de conservação. Há placas pedindo para que as pessoas cuidem da praça, retirem o cocô do cachorro do chão e não deem pão para as aves do lago.
— O pão, a longo prazo, prejudica a saúde dos animais — comenta Elisangela Nacente, 49, que possui casa bem em frente à praça, que, aliás, não possui cerca e está aberta para visitação diariamente das 8h às 20h.
Segundo a moradora salienta, às vezes, o número de aves no lago, que ocupa uma área de cerca de seis a oito hectares, aumenta ou diminui. Depende das estações do ano:
— Algumas aves são migratórias e chegam para passar um tempo aqui. Depois vão embora para outros lugares.
Na manhã desta terça-feira (10), havia pessoas passeando, caminhando e conversando no entorno do lago. O silêncio predominava antes de a chuva dar o ar da graça.
— O que a gente observa é a preocupação dos moradores em cuidar do patrimônio. Às vezes, uma pessoa de fora vem e joga bolacha para os patos. Os moradores abordam e pedem para não dar — conta a veterinária Tatiane Scholze, 40, que estava acompanhada pelo marido, o enfermeiro Wagner Barros Martha, 42, e pela filha Sofia, de nove meses de idade.
O técnico em informática Lucas Couto, 28, caminhava perto do lago escutando música. Ele vive há três anos no loteamento.
— Aqui tem a consciência dos moradores. E a equipe de segurança realiza um trabalho importante chamando a atenção sobre os cuidados com os animais do lago. Todo mundo contribui — atesta.
Além disso, os moradores possuem grupos no WhatsApp para trocar informações sobre os mais variados assuntos. Se alguma criança se perde dentro do loteamento, todos se mobilizam para achá-la. A velha máxima de que a união faz a força é uma realidade nessa região da capital. Os patos, gansos e marrecos sabem bem disso.