Tomado por lixo e com cheiro forte, o Dilúvio é símbolo dos problemas de saneamento de Porto Alegre. Ele é maltratado ao longo de 17,6 quilômetros, desde a nascente no Parque Saint-Hilaire, no limite com Viamão. Por fim, deságua toda a sua sujeira no Guaíba, espalhando uma mancha escura entre o trecho 3 da orla do Guaíba, em fase final de obras, e o trecho 2, cuja licitação deve sair neste ano.
Uma palinha do que poderia ser o Dilúvio despoluído está sendo arquitetada pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e o Núcleo de Tecnologia Urbana (NTU) da UFRGS. Desde o ano passado, equipes trabalham em um projeto de limpeza e revitalização de um trecho de aproximadamente dois quilômetros, que proporcionaria aos moradores o que os especialistas chamam de contato secundário.
– Seria possível chegar perto do Dilúvio, molhar o pé, até andar de pedalinho – exemplifica o engenheiro civil Fernando Dornelles, professor associado do IPH.
A área cogitada para a intervenção fica no cruzamento entre as avenidas Ipiranga e Cristiano Fischer. Os pesquisadores estão avaliando a construção de uma galeria nas laterais para desviar parte do fluxo d'água, que não seria possível tratar. E no curso do Dilúvio, seriam instaladas ferramentas para despoluir a água.
A primeira é uma ecobarreira como a que já existe perto da foz do Dilúvio, para reter o lixo. Então haveria uma calha paisagística com tanques de aeração para aumentar a quantidade de oxigênio na água. Por último, o Dilúvio entraria na chamada "wetland", um banhado com plantas macrófitas, que reduzem as concentrações de nitrogênio e fósforo.
Como as águas do Dilúvio sobem em períodos de chuva, na hora de elaborar o projeto urbanístico, a NTU atentou para a possibilidade de inundação da área, portanto abusou de elementos em concreto e evitou equipamentos elétricos fixos. O projeto inclui passeios em um nível inferior à pista da Avenida Ipiranga, com calçada, gramados e muitos canteiros de plantas.
Dornelles vislumbra ainda exposições de arte e espaços para apresentações, além de estruturas flutuantes para abrigar cafeterias, bicicletário, aluguel de caiaque, entre outros. O próximo passo será apresentar o projeto ao governo municipal.
– Nós, como universidade, não devemos ser os protagonizadores, nós queremos ser os apoiadores dentro da nossa capacidade de instituição de ensino, pesquisa e extensão. Estamos abertos para colaborar com iniciativas, sejam elas de organizações não governamentais ou confecção de edital de concurso público ou licitação lançado pela prefeitura – diz ele.
Esse, destaca Fernando, é um projeto piloto, que poderia limpar um pequeno trecho do Guaíba. Um plano de ação listando 171 ações necessárias para recuperar a bacia e despoluir toda a água do arroio chegou a ser lançado em dezembro de 2012 por professores da UFRGS e da PUCRS e das prefeituras de Porto Alegre e Viamão. A relação incluía intervenções em saneamento básico, regularização fundiária, trânsito, drenagem, coleta de lixo e educação ambiental. O volume total de recursos estimados ficava em torno de R$ 500 milhões – mais de R$ 800 milhões em valores atualizados.
Mas uma crise institucional que culminou na saída do então secretário de Meio Ambiente Luiz Fernando Záchia soterrou as discussões sobre o tema. Desde então, faltou empenho na busca de recursos externos para viabilizar o projeto.
A ideia tinha nascido em 2011, quando uma comitiva liderada pelo governador Tarso Genro, com reitores e representantes de entidades gaúchas, conheceu o Cheonggyecheon, no Centro de Seul. Na capital sul-coreana, os 5,8 quilômetros de extensão do arroio tem arquibancadas, pequenas cachoeiras, bares, tecnologia de iluminação e sonorização, tendo virado atração turística e palco disputado para piqueniques dos moradores.
Regressiva POA 250 anos
O Grupo RBS preparou uma série de matérias para fazer a contagem regressiva para os 250 anos de Porto Alegre, que serão completados dia 26 de março de 2022. Mensalmente, até o aniversário de quarto de milênio da Capital, publicaremos em Zero Hora e GZH conteúdos que abordarão aspectos fundamentais na tentativa de entender a formação de uma identidade porto-alegrense. As reportagens vão tratar a Porto Alegre das ruas, das pessoas, do futuro, da cultura, do empreendedorismo e das paixões. Esses conteúdos vão lançar um olhar para trás, como forma de compreender o que nos trouxe até aqui, retratar o presente e projetar o amanhã da Capital, sempre com foco voltado a aproximar nosso público da cidade que escolheu viver.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.