A chegada da sexta-feira oferece a muita gente a promessa de tempo livre para retomar o hábito de ver filmes e séries.
Também é o dia em que eu costumo fazer colunas temáticas, tipo Os 10 melhores anti-heróis das séries ou 13 mulheres para aterrorizar sua sexta-feira 13.
Desta vez, o foco está em filmes e seriados lançados há pouco tempo no cinema ou no streaming. Clique nos links se quiser saber mais.
A Cidade É Nossa (2022)
Não chega a ser uma continuação de The Wire (2002-2008), ou A Escuta, recentemente eleita a melhor série do século 21 segundo 206 críticos, acadêmicos e profissionais de TV ouvidos pela BBC. Mas esta minissérie em seis episódios (o quinto vai ao ar no dia 23) também foi criada pelo ex-repórter policial David Simon (aqui, na companhia do escritor George Pelecanos); também se passa em Baltimore, cidade no Estado de Maryland que é, estatisticamente, uma das mais violentas no mundo; e também retrata a atuação da polícia local. Enquanto alguns tentam fazer alguma coisa contra o narcotráfico e o crime organizado, mesmo sabendo que suas chances estão entre mínimas e nenhuma, outros apostam na truculência e/ou enveredam para a corrupção.
Dirigida por Reinaldo Marcus Green, do filme King Richard (2021), A Cidade É Nossa (We Own this City) tem uma estrutura narrativa que requer atenção, com vários núcleos de personagens e alternâncias não muito claras entre o passado e o presente. Mas a recompensa é alta para quem curte histórias sobre os meandros policiais. O elenco é uma atração à parte: Jon Bernthal interpreta o sujo sargento Wayne Jenkins, figura central no força-tarefa do combate às armas. Wunmi Mosaku é Nicole Steele, uma advogada designada pela Justiça federal para apurar casos de desrespeito aos direitos civis. Jamie Hector faz Sean Suiter, um detetive de Homicídios que acaba se envolvendo com Jenkins. Josh Charles encarna Daniel Hersl, sobre o qual pesam várias denúncias de maus-tratos. E Dagmara Dominczyk está no papel de Erika Jensen, uma agente do FBI que investiga as ações de Jenkins e companhia. (HBO Max)
Dog: A Aventura de uma Vida (2022)
Em cartaz nos cinemas desde quinta-feira (19), o filme que fecha uma tetralogia animal informal — os outros são First Cow (2020), Pig (2021) e Lamb (2021) — marca a estreia do ator Channing Tatum e do roteirista e produtor Reid Carolin como diretores. Os dois já tinham trabalhado juntos em Magic Mike (2012) e Magic Mike XXL (2015). O protagonista é Jackson Briggs, dispensado do Exército por estresse pós-traumático. Empregado em uma lanchonete, ele tenta se candidatar a um rodízio militar no Paquistão, mas isso depende de uma recomendação de seu ex-comandante. Para tentar comovê-lo, Briggs aceita a missão que surge após a morte de outro traumatizado veterano de guerra, Riley Rodríguez: levar ao funeral dele Lulu, sua companheira canina no combate ao Estado Islâmico.
O problema é que, após sete anos no front, a própria Lulu também carrega traumas. Ao longo do caminho de 2,4 mil quilômetros, homem e animal terão de aprender a conviver um com o outro e com suas próprias dores, além de enfrentarem desafios no contato com os demais personagens. E mais não conto para não estragar surpresas emocionantes ou engraçadas. (Cineflix Total, Cinemark Wallig, Espaço Bourbon Country, GNC Iguatemi e GNC Praia de Belas)
A Escada (2022)
Dirigida pelo nova-iorquino Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e realizador do filme O Diabo de Cada Dia (2020), esta minissérie em oito episódios — o quinto foi ao ar nesta quinta-feira (19) — é a versão ficcional de um rumoroso caso policial dos Estados Unidos. No dia 9 de dezembro de 2001, o escritor Michael Peterson (interpretado por Colin Firth) liga para a emergência. Sua esposa, Kathleen (papel de Toni Collette), está morrendo, deitada sobre uma poça de sangue aos pés da escada da mansão do casal na Carolina do Norte. Foi um acidente, segundo o marido, que terá de contratar um advogado caríssimo, David Rudolf (Michael Stuhlbarg), já que os promotores Jim Hardin (Cullen Moss) e Freda Black (Parker Posey) estão dispostos a provar que foi um assassinato. A família se divide: os filhos de Michael acreditam (ou fingem para si mesmos que acreditam) na inocência do pai, a filha de Kathleen se junta às tias no lado da acusação.
A trama de A Escada (The Staircase no original) — narrada com idas e vindas no tempo —, as chocantes revelações sobre o passado e a vida dupla de Peterson e as discussões sobre os bastidores de um julgamento nos EUA (em que, por exemplo, a tese de defesa é como um produto comercial, sujeito a modificações conforme o gosto do mercado) podem não ser novidades para quem já assistiu à série documental The Staircase (também conhecida no Brasil como Morte na Escadaria e disponível na Netflix), do diretor francês Jean-Xavier de Lestrade, ele próprio um personagem na adaptação comandada por Campos. Mesmo assim, A Escada é uma das atrações mais fascinantes no momento, graças às atuações de Firth, Collette, Stuhlbarg, Posey e Odessa Young, que se destaca interpretando Martha, uma das filhas de Michael. (HBO Max)
Heartstopper (2022)
A minissérie em oito episódios de 30 minutos combina três características comuns na produção atual: é baseada em uma história em quadrinhos (a homônima Heartstopper, escrita e desenhada por Alice Oseman); tem adolescentes como personagens principais e a escola como um cenário importante; e lida com a temática LGBT+.
O diretor Euros Lyn acompanha a aproximação entre Charlie (o estreante Joe Locke), que já se assumiu como homossexual — o que o torna vítima eventual da angústia e do bullying —, e um colega de aula um ano mais velho, Nick (Kit Connor), que parece ser o mais hétero dos heterossexuais (para começo de conversa, é o craque do time de rúgbi). Por conta da sua doçura, de seu cuidado para instruir sobre a diversidade sexual sem perder a fluidez dramatúrgica e de seu otimismo contagiante, este é um romance gay capaz de desarmar os preconceituosos. (Netflix)
O Homem do Norte (2022)
É o terceiro filme do diretor Robert Eggers, o mesmo de A Bruxa (2015) e O Farol (2019). Em O Homem do Norte, ele conta a história de uma vingança viking.
O protagonista vivido pelo bombadíssimo Alexander Skarsgård se chama Amleth e é baseado na lenda escandinava que inspirou a peça Hamlet, de Shakespeare. Depois de testemunhar a morte do pai, o rei Aurvandil (Ethan Hawke), traído pelo irmão bastardo do monarca, Fjolnir (Claes Bang), Amleth jura vingar o pai e salvar a mãe (Nicole Kidman). Vale levar um lencinho para o cinema, não para secar lágrimas, mas para limpar o sangue que pode escorrer da tela. (Cine Grand Café, Cineflix Total, Cinemark Barra, Espaço Bourbon Country, GNC Iguatemi, GNC Moinhos e GNC Praia de Belas)
Landscapers (2022)
Esta eu já indiquei, mas repito porque achei fabulosa. Estrelada por Olivia Colman e David Thewlis, a minissérie policial em quatro episódios tem início com dois avisos ao espectador. O primeiro é textual: "Em 2014, Susan e Christopher Edwards foram condenados por homicídio e sentenciados a um mínimo de 25 anos de prisão. Até hoje, eles mantêm sua inocência. Esta é uma história verídica". Entrementes, enquanto a música composta por Arthur Sharpe vai criando um clima tão idílico quanto lúgubre, a câmera desce até o nível de uma praça, onde pessoas que estavam paradas começam a se movimentar. Alguém grita "Rodando!" e, na sequência, "Ação! Chuva!". Sob a chuva artificial, um homem (que mais adiante se apresentará ao telefone como um advogado da defensoria pública) aguarda a instrução para fazer o seu deslocamento, que ocorre concomitantemente à passagem de um ônibus do tipo minhocão em primeiro plano — quando a cena, até então em preto e branco, ganha cor. Esse segundo aviso, o audiovisual, se complementa com uma pequena, mas significativa alteração na última frase — em inglês, "This is a true story" — sobreposta às imagens: a palavra true (verdadeira) desparece. Fica apenas: "Esta é uma história".
O recado duplo é fundamental para entendermos que, a seguir, um célebre e chocante caso policial da Inglaterra — o assassinato, em 1998, dos pais de Susan, William e Patricia Wycherley, desvendado a partir do descobrimento dos corpos no jardim de uma casa no subúrbio de Mansfield — será livremente recriado. Se os fatos dramatizados são chocantes, do ponto de vista narrativo Landscapers é absolutamente fascinante. Como a abertura aponta, o roteirista Ed Sinclair e o diretor Will Sharpe vão enfatizar os aspectos fantasiosos — ou seriam delirantes? Ou seriam mentirosos? — da vida do casal Susan e Edward, duas pessoas atrapalhadas e machucadas que compartilham o gosto por filmes antigos de Hollywood e astros do cinema como Gary Cooper e Gérard Depardieu, e que procuram construir um mundo no qual possam sobreviver. (HBO Max)
Lua de Mel com a Minha Mãe (2022)
A comédia espanhola dirigida por Paco Caballero não deixa de falar sobre coisas sérias, nem de passar sermão em maridos desatentos e filhos ingratos, mas investe mais alto na chave do humor. Tudo começa quando o jovem José Luís (Quim Gutiérrez) é abandonado no altar pela noiva. Para minimizar o prejuízo financeiro e para realizar um sonho materno, ele acaba aceitando viajar às Ilhas Maurício, na costa leste da África, tendo como "esposa" a própria mãe: Mari Carmen, divertida personagem vivida por Carmen Machi.
A lua de mel de mentirinha será marcada por confusões e concessões, rendendo alguns momentos impagáveis _ a cena do banho de sol à beira da piscina é hilária — e outros nem tanto. Entre um riso e outro, pode ser que, a exemplo do que ocorre com José Luís, muitos espectadores aprendam a ser filhos, deixando de ver a mãe apenas como a figura materna, a eterna cuidadora — antes disso, mais do que isso, elas também são pessoas, também são mulheres, com seus sonhos, suas alegrias e suas frustrações. (Netflix)
Roma, Cidade Aberta (1945) / Paisà (1946)
Como as datas de lançamento evidenciam, os dois filmes dirigidos pelo italiano Roberto Rossellini não são novos, mas acabaram de desembarcar em uma plataforma de streaming. Ambos são expoentes do neorrealismo italiano. O primeiro, estrelado por Aldo Fabrizi, Anna Magnani e Marcello Pagliero, é ambientado em 1944, durante a ocupação nazista de Roma, na Segunda Guerra Mundial. Comunistas e católicos unem-se na resistência. O filme recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e concorreu ao Oscar de melhor roteiro.
Paisà, por sua vez, trata, em seis episódios, das relações entre os italianos recém-libertados e seus libertadores, os militares dos Estados Unidos. O elenco reúne atores amadores. (Belas Artes à La Carte)
Slow Horses (2022)
Na primeira vez que vemos Gary Oldman na série baseada nos livros do escritor Mick Herron, seu personagem, o agente secreto britânico Jackson Lamb, está deitado em um sofá. Suas duas meias estão furadas, e em uma mesinha de centro repousam uma garrafa de uísque quase vazia e restos de comida em embalagens de alumínio. Ele está dormindo em seu escritório, um pardieiro acarpetado de cores tristes e com pastas e arquivos espalhados por todos os cantos. De repente, Lamb acorda: foi despertado pelo barulho do próprio peido.
A flatulência do protagonista é recorrente em Slow Horses, cuja primeira temporada, com seis episódios, já foi encerrada (e a segunda já está gravada). Mas antes de conhecermos Lamb, seremos apresentados a um outro agente secreto britânico, River Cartwright (Jack Lowden, ator do ótimo filme Calibre), neto de um aposentado astro da mesma profissão. Nos 10 eletrizantes minutos da sequência de abertura, River está envolvido na identificação e na caça de um suposto terrorista no Aeroporto de Stansted, em Londres. Não é spoiler dizer que esse espião vai entrar numa fria. Mais precisamente, numa geladeira: Slough House, um departamento para onde são escanteados os funcionários do serviço de inteligência que cometem uma, ora, cagada. (Apple TV+)
Vamos Consertar o Mundo (2022)
O filme dirigido pelo argentino Ariel Winograd, o mesmo de O Roubo do Século (2020), guarda algumas semelhanças com outra comédia recente do país vizinho — Granizo (2022). Aliás, por coincidência os dois filmes começam com uma tempestade. Novamente, temos como protagonista uma figura proeminente da televisão que vai sofrer um revés profissional e que tem assuntos ligados à paternidade a resolver. É o produtor David, encarnado pelo ótimo ator Leonardo Sbaraglia. Esse personagem comanda um programa de boa audiência, em que atores fingem ser pessoas comuns convidadas a solucionar conflitos domésticos ou de trabalho.
Como Granizo, Vamos Consertar o Mundo acrescenta toques de tragédia e de melodrama. Sem avançar muito na sinopse, basta dizer que David terá de aprender a ser pai de Benito (Benjamín Otero, um talento mirim), um menino de nove anos _ sendo que o filho pode nem ser seu. Uma vantagem em relação a Granizo é que Vamos Consertar o Mundo equilibra melhor os momentos de humor e de drama. Se serve como indicativo, ri mais com as desventuras de David do que com as do meteorologista Miguel e chorei quase convulsivamente na cena do abraço. (Netflix)