O Rio Grande do Sul é o segundo Estado com mais registros de desastres naturais nas últimas três décadas, conforme levantamento que considera situações como estiagem, seca, enxurrada, chuva intensa, vendaval, granizo, inundação e alagamento. Junto com os gaúchos estão Minas Gerais e Santa Catarina, primeira e terceira posições no número de registros, respectivamente, conforme o Atlas Digital de Desastres no Brasil, que é a base de dados oficial do país para esse tipo de informação.
Os dados mostram que, entre os anos de 1991 e 2022, o Estado teve 7.565 desastres registrados. Isso representa 12,15% de todas ocorrências no Brasil durante o período. Os números consideram registros da Defesa Civil Nacional, que reconhece 65 tipos de eventos segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade).
Eles são divididos em duas grandes classificações: naturais e tecnológicos. Porém, os classificados como naturais são a imensa maioria. De todos os registros no período, apenas 13 são listados como tecnológicos. A primeira categoria inclui desastres do grupo geológico, hidrológico, meteorológico, climatológico e biológico. Já a segunda engloba questões relacionados a substâncias radioativas, produtos perigosos, incêndios urbanos, obras civis e transporte de passageiros e cargas não perigosas.
Juntos, os três Estados com mais ocorrências representam 36,8%, ou seja: mais de um terço de todos os desastres registrados no Brasil nas últimas três décadas aconteceram nestes locais.
Confira ranking dos 10 Estados com mais registros de desastres:
- Minas Gerais: 7.995 registros (12,84%)
- Rio Grande do Sul: 7.565 registros (12,15%)
- Santa Catarina: 7.351 registros (11,80%)
- Bahia: 5.712 registros (9,17%)
- Paraíba: 3.705 registros (5,95%)
- Piauí: 3.210 registros (5,15%)
- Pernambuco: 3.081 registros (4,95%)
- Ceará: 2.868 registros (4,61%)
- Rio Grande do Norte: 2.796 registros (4,49%)
- Paraná: 2.713 registros (4,36%)
O coordenador técnico do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (Cedep) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rafael Schadeck, complementa que existem lacunas de informações em alguns Estados, onde registros foram perdidos. Segundo ele, que foi o coordenador técnico do Atlas Digital até 2022, isso se deve à cultura e preparação de cada Estado frente a desastres.
Ele também informa que existem outros fatores que fazem um Estado ter mais ocorrências do que outros. Schadeck relembra que os registros são feitos pelos municípios, sendo assim, Estados mais recortados, com mais municípios, terão mais registros em situações de desastre que atingem toda uma região.
Apesar dessas ponderações, o coordenador elenca outro motivo na alta de registros em alguns Estados: o perfil de risco. Conforme ele, a região Sul possui uma grande diversidade de tipos de desastres. Isso porque a localização dos Estados em relação a sistemas meteorológicos os torna mais suscetíveis a desastres.
Foram registradas 3.356 estiagens no RS
Desde 2013, a Defesa Civil Nacional registra as ocorrências com base na Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade). O documento traz 65 subtipos de desastres que são reconhecidos pelo órgão. Durante o período analisado pelo Atlas, os tipos de ocorrências mais registrados no Brasil são: estiagem, enxurrada e seca.
Entre os dois tipos de desastres mais recorrentes - estiagem e enxurradas -, o Rio Grande do Sul é o segundo com mais registros em cada. Ao longo do período, foram registradas 3.356 estiagens e 1.508 enxurradas no RS. Os Estados com mais ocorrências dos tipos são Bahia, com 3.761 estiagens, e SC, com 2.007 enxurradas.
É importante levar em consideração que os registros são feitos pelos municípios com o intuito de solicitar recursos financeiros e respaldo jurídico para tomada de ações de resposta e reconstrução. Ou seja, no geral, nem toda passagem de eventos meteorológicos é registrada; somente as que causam mais danos.
Quando se tem El Niño, são intensificados todos esses fenômenos. E quando se tem La Niña geralmente tem mais geadas, mais incursões frias, até pode ter tempestade, mas numericamente a frequência é bem menor.
MARCELO SCHNEIDER
Coordenador do 6º distrito do Inmet
Conforme o meteorologista coordenador do 6º distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Marcelo Schneider, a predominância de estiagens e enxurradas se deve à posição geográfica do Estado e à influência que fenômenos naturais, como La Niña e El Niño, têm na região.
— O RS está em uma constante troca de massa de ar, o que favorece o acontecimento de eventos meteorológicos. Quando se tem El Niño, são intensificados todos esses fenômenos. E quando se tem La Niña geralmente tem mais geadas, mais incursões frias, até pode ter tempestade, mas numericamente a frequência é bem menor, e aí aumenta bastante o período prolongado de seca e estiagem no Estado — disse Schneider.
Ele também comenta sobre o cenário de desastres registrados no território nacional:
— O clima funciona mais ou menos como uma gangorra. Em situações, por exemplo, de El Niño, costuma ter mais chuva no Sul e ter seca e estiagem no Norte e Nordeste do Brasil e em situação de La Niña o oposto, onde estava chuvoso fica seco.
Estiagem é considerada desastre gradual
Schadeck explica que diferente dos demais, os registros de estiagem não têm uma data específica, e são considerados como desastre gradual.
— É uma situação que vai se agravando, até que chega em um ponto em que o município ou o Estado precisa de auxílio complementar, para compra de caminhões-pipa, por exemplo. Como ela não tem uma data certa e dura muito tempo, a gente começa a contar a partir do decreto do município. Não tem uma data de evento.
Além disso, ele conta que a estiagem é um tipo de desastre que, normalmente, atinge várias cidades de uma região, diferente de uma enxurrada ou inundação, por exemplo. Então, como é feito um registro para cada município, a soma desse tipo de ocorrência acaba sendo mais alta.
Danos e prejuízos
O Rio Grande do Sul é o Estado com a maior soma de prejuízos – públicos e privados – causados por desastres durante o período entre 1994, quando iniciou o Plano Real, a 2022, conforme os dados do Atlas Digital. Ao longo das últimas três décadas foram mais de R$ 64,6 bilhões, sendo que R$ 63,12 bilhões são privados e R$ 1,48 bilhão é dinheiro público.
O setor privado com mais prejuízos registrados é a agricultura, que soma R$ 52,38 bilhões, seguido da pecuária, com R$ 8,67 bilhões, e depois o setor de serviços, que contabiliza R$ 232,56 milhões. O tipo de desastre que mais trouxe perdas para o setor privado foi a estiagem, que soma R$ 52,86 bilhões, sendo que R$ 43,85 foram somente na agricultura.
Além dos prejuízos, o Atlas também traz informações sobre o valor de danos públicos causados pelos desastres. O RS tem uma soma de R$ 3,54 bilhões em danos e é o oitavo Estado com os maiores registros. O primeiro é Alagoas, com uma soma de R$ 11,1 bilhões.
Conforme a descrição do Atlas, a diferença entre dano e prejuízo é que o primeiro é o valor do investimento necessário para, por exemplo, recuperar uma escola. O segundo é o valor estimado do prejuízo econômico público relacionado com serviços essenciais prejudicados, como abastecimento de água potável.
Base de políticas públicas
Desde o surgimento do Atlas de Desastres no Brasil, em 2011 (quando ainda não era digital), os seus dados são utilizados para tomada de decisões do poder público. Conforme Schadeck, a base de dados fornecida pelo projeto auxilia no desenvolvimento dos mapas de risco do país.
Além disso, os dados, como quantidade de danos humanos (número de mortes, desaparecidos, desalojados, entre outros), são utilizados pelos governos como indicadores do perfil de risco e sua gravidade dos municípios - questão que influencia na seleção e priorização de investimentos e convênios federais.
Essa influência fez com que o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) recebesse mais atenção por parte dos municípios.
— Quando o sistema começou lá em 2012 para 2013, basicamente quem registrava os danos no sistema eram as defesas civis municipais e estaduais, para fazer o reconhecimento federal e poder acessar recursos ou ter a segurança jurídica para ações emergenciais, mas hoje mais da metade dos registros no sistema é feito simplesmente para registrar. Não são nem declaradas como situações de emergência. Ou seja, cada vez mais os municípios estão entendendo a importância de você ter uma base de dados consistente para os governos federais e estaduais entenderem perfil de riscos e as recorrências de desastres.
Entenda a base de dados utilizada
A base de dados fornecida pelo Atlas Digital passa por um tratamento e, por isso, possui algumas diferenças quando comparada à base do S2ID, instituído a partir de 2013 e que é a sua fonte principal. Conforme a justificativa disponível no site do Atlas, erros de preenchimento podem ocorrer devido a diversos fatores e, por isso, é necessário o tratamento dos dados.
"Como os registros são realizados manualmente e os municípios que preenchem os dados normalmente se encontram sob pressão dos desastres que ocorrem em seu município, equívocos de preenchimento podem acontecer", diz o trecho.
Além disso, a segunda fonte de dados do Atlas Digital foi a digitalização de protocolos registrados entre 1991 e 2012, o que se mostrou um desafio. Para o levantamento desses dados, foi necessário fazer uma busca ativa, ou seja, ir até os Estados atrás dos documentos, que iniciou em 2009 e foi finalizada em 2011. Outro desafio eram os diferentes métodos de registros de desastres que existiam, antes da formalização do S2ID.
Apesar dos altos registros no Rio Grande do Sul, o ex-coordenador técnico do Atlas Digital ressalta que as ocorrências sobre os prejuízos privados dependem do repasse de informações por parte de entidades e organizações destes setores para o poder público. Isso significa que os valores podem ser subnotificados em alguns Estados, o que não diminui a soma já registrada no RS.