De janeiro a julho de 2023, municípios do Rio Grande do Sul tiveram 446 decretos de emergência reconhecidos pelo governo federal após desastres naturais. O número é o maior dos últimos sete anos e mais de quatro vezes acima do registrado em 2019.
A estiagem é o motivo mais citado para decretar situação de emergência em um município. Em segundo lugar, estão os extremos ligados a ciclones, como enxurrada, inundação, chuva intensa, granizo e vendaval.
Os eventos meteorológicos causaram ao menos 18 mortes, 298 feridos, mais de 4 mil desabrigados, 57,5 mil desalojados e afetaram mais de 4,1 milhões de gaúchos com falta de luz e água. Os dados foram levantados pela Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul a pedido de GZH com base em dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional até 2017, período com números disponíveis.
Quando uma prefeitura tem reconhecida a situação de emergência, pode receber auxílio, inclusive em verba, do governo federal e do Estado. Os decretos abrangem diferentes episódios, incluindo três ciclones em julho – um dos quais provocou duas mortes –, as chuvas causadas pelo ciclone extratropical de junho, que deixou 16 vítimas, e a estiagem que motivou 390 dos 497 dos municípios do Rio Grande do Sul a decretarem situação de emergência.
Oficialmente, o Estado contabiliza 16 mortes, mas GZH leva em conta as 16 vítimas do temporal de junho e as duas mortes do tornado de julho.
Eventos extremos serão mais comuns em um Rio Grande do Sul afetado pelo aquecimento global – que cobra sua fatura com efeitos visíveis não apenas no campo, mas também na cidade.
É fato que secas, tempestades e ciclones sempre existiram. Na última década, no entanto, passaram a aparecer com mais frequência e intensidade, o que piorará daqui para frente, alerta o climatologista Francisco Aquino, professor e pesquisador há mais de 30 anos sobre Antártica e mudanças climáticas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— O clima do RS mudou e está mais quente. O inverno é uma das estações que mais aqueceram, e todos os fenômenos se acentuaram, como ondas de frio e de calor, estiagem, chuva extrema e tempestades. O aumento da temperatura da atmosfera e dos oceanos ainda concentra a chuva em eventos individuais extremos. Perde-se uma chuva regular ao longo do ano e se passa a ter chuva mais concentrada em episódios. Você passa dois meses com nada de chuva, e aí a chuva daquele período inteiro ocorre em dois dias — diz Aquino.
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta que eventos climáticos no Rio Grande do Sul forçaram quase 392 mil pessoas a deixar suas casas entre 2013 e 2022. Com a chegada do El Niño, que eleva a temperatura do Oceano Pacífico, o Estado deve se preparar para mais episódios na primavera e no verão.
— Vemos nos modelos de previsão um aumento de precipitação que será associado a tempestades severas que causarão grande volume de precipitação concentrada, inundações e desastres. O Brasil tem registrado nas últimas décadas um aumento de desastres. Nossa dificuldade de planejamento territorial e social deixa os mais pobres em áreas de risco — reflete Aquino.
O Brasil importa nesta discussão por ser um país de dimensões gigantescas, com seis biomas e por possuir grande parte da Floresta Amazônica, responsável por regular chuvas e absorção de carbono no mundo.
A administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem trazendo a pauta ambiental para as discussões de governo, uma forma também de posicionar o Brasil no xadrez internacional.
O Planalto deve lançar nas próximas semanas o Plano de Transição Ecológica, uma ambiciosa estratégia com mais de 100 ações para uma “reindustrialização verde” do país. Haverá incentivos para a indústria e o agronegócio adotarem práticas ecológicas e fomento à bioeconomia e às energias renováveis, à gestão correta de lixo e às adaptações ao aquecimento global.
Entre as medidas, estão o Programa Sol para Todos para subsidiar o uso de painéis solares; promoção do uso de veículos elétricos; e fusão do Plano Safra ao Plano de Agricultura de Baixo Carbono a fim de "esverdear" o agronegócio.
Em nota enviada a GZH, o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática diz que trabalha com três abordagens para combater a emergência climática: criar um plano nacional de adaptação à mudança do clima, coordenar o desenvolvimento de estratégias setoriais de mitigação de emissões de gases de efeito estufa e elaborar mecanismos financeiros que apoiem tais políticas.
“O governo federal retomou em 2023, após interrupção superior a quatro anos, a implementação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. A iniciativa, cujo segundo ciclo já começou a ser elaborado, estabelece períodos de quatro anos de execução, com intervalo para revisões e verificação do cumprimento das metas e ações”, diz a pasta.
O ministério reforça que o Planalto regulará o mercado de carbono. “Isso contribuirá para que o país alcance os compromissos de redução de emissões de forma mais custo-efetiva. Mercados regulados de carbono têm potencial de alavancar investimentos, facilitando a modernização e inovação e o desenvolvimento sustentável”, diz a nota.
E o RS?
Regiões nas quais o agronegócio tem protagonismo, como o Rio Grande do Sul, precisarão desenhar políticas para se adaptar ao aquecimento global. O governo Eduardo Leite (PSDB) é reconhecido no país por dar importância às mudanças climáticas e tem uma série de ações relacionadas – no ano passado, ele esteve na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de Glasgow, na Escócia (COP-26), e assumiu compromissos.
Entre eles, está a meta de que o Rio Grande do Sul neutralizará as emissões de carbono em 50% até 2030 e neutralizar as emissões até 2050, em sintonia com o Acordo de Paris, um marco internacional nas negociações para conter o aquecimento global.
Há ações para os afetados por intempéries. Neste ano, o Piratini lançou o programa Volta por Cima, que paga R$ 2,5 mil por família desabrigada após o ciclone de 15 e 16 de junho. Montenegro e Esteio chegaram a implementar um pagamento de R$ 1 mil, com caixa das prefeituras, para atingidos pelo mesmo evento.
Também neste ano, o Estado anunciou R$ 86 milhões para irrigação e distribuição de água no programa Supera Estiagem, que tem parte do montante para subsidiar agricultores a implementarem irrigação em suas propriedades, com teto de R$ 15 mil.
Também foi criado um programa estadual de recuperação da vegetação nativa e um sistema de monitoramento e aviso de eventos climáticos críticos, com investimento de R$ 4,5 milhões anuais.
Atingir as metas de redução pela metade e posterior suspensão de emissão de gases do efeito estufa no Rio Grande do Sul é possível, diz a secretária Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann.
— Temos mais extremos em intervalos de tempo menores. Fica muito claro que precisamos de ações estruturantes para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, mas também focar em adaptações às variações climáticas. Somos um Estado pioneiro em agricultura de baixo carbono. Muitos produtores executam uma produção considerada verde, mas não propagam isso. A agricultura, a pecuária e a floresta são as únicas atividades que poderão mitigar a emissão de outras atividades que, por sua vez, só conseguem reduzir. A agricultura está pronta para mitigar. Na pecuária, existem estudos da Embrapa mostrando que, dependendo da carga bovina e da altura de pasto, é possível ter emissão negativa, ou seja, captar mais carbono do que emitir. O mercado quer o que fazemos, que é um rigor ambiental — diz Kauffmann.