O aquecimento global afetará também a vida das cidades com ondas de calor intenso, temporais, deslizamentos e vendavais mais frequentes. Verões urbanos castigarão gaúchos com altas temperaturas e com “ilhas de calor” – quando os termômetros sobem em áreas com poucas árvores.
Geógrafo e gerente de desenvolvimento urbano no WRI Brasil, um instituto de pesquisa que presta consultoria para empresas e cidades se tornarem mais verdes, Henrique Evers observa que ciclones, temporais e calorões castigam os que vivem em área com menor infraestrutura.
De fato, estudo da Universidade de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) publicado em 2017 mostrou que o calor poderá inclusive prejudicar nosso sono, com maior risco para pobres, sem dinheiro para comprar ar-condicionado, e idosos, que regulam menos a temperatura corporal.
— Há um potencial gigantesco de agravamento de desigualdades sociais com deslizamentos e enchentes por excesso de chuva, mas também com as ondas de calor extremo. O calor tem relação com a arborização e a cobertura do solo. Bairros mais vulneráveis são aqueles com menos árvores, o que aumenta o efeito das ilhas de calor. Além disso, secas afetarão o acesso à água e a questão energética. E há ainda os ciclones, que geram impacto capaz de afetar casas com estruturas mais precárias. Quem morre e é desalojado são majoritariamente os mais pobres — reflete Evers.
De olho nesse risco, a cidade de Montreal, a segunda maior do Canadá, tem um plano de “esverdeamento” para reduzir a temperatura e elevar a qualidade de vida da população. Em 2022, a cidade tinha 100 mil árvores a mais do que uma década antes. A ideia é plantar mais 500 mil até 2032. Porto Alegre plantou 2.725 em vias públicas no ano passado, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade.
Na China, diversas cidades, incluindo Pequim, instalaram parques à beira de rios que atravessam bairros para instalar locais de “respiro” na cidade – como se o Arroio Dilúvio, em Porto Alegre, fosse todo margeado por gramado e árvores, onde a população pudesse descansar.
No Brasil, o WRI ajudou a prefeitura de Estrela, no Vale do Taquari, com um projeto criado para mitigar problemas ligados às enchentes, problema histórico do município, e às ilhas de calor. Em 20 anos, a cidade teve R$ 186 milhões em prejuízos com inundações – a área central de Estrela fica próximo ao Rio Taquari.
Entre as intervenções que a prefeitura fará, estão implementar jardins de chuva (locais projetados para absorver água da chuva), biovaletas (pequenos canais projetados para escolar água da chuva) e plantio de árvores na zona central.
O projeto custará R$ 1,4 milhão, e a prefeitura inscreveu a proposta em edital do Ministério das Cidades lançado em maio para pensando nas mudanças climáticas.
— Sofremos com enchentes e alagamentos, incluindo áreas vulneráveis. Há também o aquecimento da área central, então queremos implementar jardins na área urbana para não ter só asfalto. Queremos uma cidade boa para as pessoas — diz a diretora de Meio Ambiente de Estrela, Tanara Schmidt.
Veja desastres ambientais que afetaram o RS neste ano:
Os 446 decretos de emergência reconhecidos pelo governo federal após desastres naturais são oriundos de fenômenos ligados às mudanças climáticas, mas também à falta de políticas públicas para mitigar as consequências.
O evento mais letal de todos foi o ciclone extratropical de 15 e 16 junho, que causou 16 mortes em Caraá, Maquiné, São Sebastião do Caí, Gravataí, Esteio, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Bom Princípio. Em muitas cidades, choveu o volume de um mês em apenas dois dias.
Em 12 de julho, o Rio Grande do Sul foi afetado por outro ciclone extratropical, que desta vez causou 2 mortos e 23 feridos – as vítimas eram de Rio Grande e Lajeado. Indiretamente, houve outra morte, de um homem que morreu soterrado pelo muro quando tentava retirar uma árvore.
A estiagem no verão também afetou o Estado, sobretudo a região Noroeste. A Emater apontou quebra de 31% na soja e de 41% no milho por causa da falta de chuva. Em Hulha Negra, onde açudes secaram e o pasto que alimenta o gado ficou mais escasso, algumas propriedades chegaram a registrar 90% de perdas, mostrou a colunista Gisele Loeblein. O cenário deixou produtores resignados, com o gado se aproximando de caminhões-pipa à espera de água.