O Rio Grande do Sul registrou nove casos de feminicídio em 53 dias. Em uma média, isso significa que uma mulher morreu no Estado a cada 5,8 dias. Os crimes foram contabilizados pela reportagem de Zero Hora e consideram o período de 1º de julho até a manhã desta quinta-feira (22).
Em julho, seis casos de feminicídio foram computados, enquanto três foram registrados neste mês de agosto.
Ainda assim, se comparado com julho do ano passado, o último mês apresentou queda de 33% neste tipo de ocorrência. Em 2023 nove mulheres perderam a vida por crimes deste tipo. Em todo o mês de agosto de 2023 foram cinco feminicídios.
Em sete dos nove casos registrados desde julho, os suspeitos eram companheiros ou homens que já haviam se relacionado com as vítimas.
Detecção por meio da denúncia
Os feminicídios são frequentemente resultado de uma combinação de fatores, na avalição de Rodrigo Azevedo, sociólogo, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ele destaca o machismo estrutural, a desigualdade de gênero e a naturalização da violência contra a mulher.
— Esses crimes geralmente ocorrem em contextos de relacionamentos abusivos, nos quais a mulher é vista como propriedade do homem, levando a uma escalada de violência quando ela tenta romper com essa dinâmica — explica o pesquisador.
Para o sociólogo, para que a prevenção de crimes de gênero seja efetiva é necessário que os órgãos de segurança se aprimorem no acolhimento e atendimento das vítimas.
— Políticas de segurança pública focadas no problema podem trazer resultados positivos na redução dos casos, mas isso inclui uma melhor estrutura de atendimento às vítimas pela polícia, especialmente em delegacias especializadas, e a decretação e o acompanhamento rigoroso de medidas protetivas de urgência. Quando necessário, a implementação de monitoramento eletrônico e a prisão preventiva do agressor são medidas essenciais para garantir a segurança das mulheres — avalia o professor, citando ainda a criação de grupos para recuperações de homens agressores, assim como a conscientização contra o machismo estrutural.
A detecção da violência contra a mulher é possível por meio de denúncias, realizadas pela vítima ou pessoas próximas. Isso porque muitos dos casos deste tipo de crime ocorrem no ambiente familiar. O aviso às autoridades pode prevenir a ocorrência de feminicídios.
— O Estado vem investindo, com a inauguração recente da 2ª Delegacia da Mulher em Porto Alegre e o lançamento pela Polícia Civil da Delegacia Online da Mulher. Também temos o monitoramento eletrônico do agressor que é uma ferramenta de ponta no mundo — destacou o secretário da Segurança Pública, Sandro Caron.
Ele ressaltou inda que o combate aos crimes contra as mulheres envolve, além das forças de segurança, o Judiciário, o Ministério Público e outras áreas sociais do Estado e dos municípios.
Em nota, a SSP destacou a expectativa do Estado é habilitar todas as regiões do RS para receber o projeto de monitoramento de agressores até novembro (veja a íntegra abaixo).
Veja quando aconteceram os crimes e quem são as vítimas:
Caxias do Sul — 4 de julho
Crislaine Subtil Elisio, 32 anos, foi morta a facadas na madrugada do dia 4 de julho, em Caxias do Sul. Ela foi encontrada perto da entrada da residência. Mãe de dois filhos, um menino de 14 anos e uma menina de quatro, ela é lembrada por amigos como uma pessoa sorridente e que buscava ver o melhor do mundo.
O assassinato é investigado como feminicídio, de acordo com a última atualização obtida junto à Delegacia de Atendimento à Mulher da Polícia Civil da cidade, ainda em julho. O principal suspeito do crime é o companheiro de Crislaine, Leonardo Berch dos Santos, 33 anos.
O homem foi encontrado morto em 5 de julho, após ficar desaparecido desde o crime.
Porto Alegre — 6 de julho
O corpo da jovem Brenda dos Santos Baptista, 20 anos, que estava desaparecida desde 29 de junho, foi encontrado por volta de 17h do dia 6 de julho, na Estrada João de Oliveira Remião, na parada 23 da Lomba do Pinheiro, zona leste da Capital. A Brigada Militar foi acionada por uma ligação anônima e foi até o local.
Nascida e criada no Partenon, a jovem dizia que estava grávida e, segundo a investigação da polícia, o suspeito de assassiná-la seria o pai do bebê. A Polícia Civil prendeu em 17 de julho um homem de 20 anos apontado como suspeito do feminicídio de Brenda.
A motivação para o crime ainda é investigada, mas a principal hipótese apurada pela polícia tem relação com o fato de que a jovem havia dito que estava grávida do suspeito, o que teria lhe deixado insatisfeito.
O tio materno de Brenda, o alpinista Gerson Dos Santos Leite Júnior, 33, conta que ela e a mãe eram melhores amigas. Uma das atividades preferidas da sobrinha, inclusive, era passear com a mãe no shopping. Estudante de ciências mortuárias, ela sonhava em trabalhar como perita.
Sertão — 11 de julho
Sirlei Sieleski Canabarro, 45 anos, foi encontrada morta por volta das 18h do dia 11 de julho, em Sertão, no norte gaúcho. A Brigada Militar foi acionada por vizinhos, que escutaram disparos de arma de fogo.
O principal suspeito é Fernando Santos Canabarro, marido da vítima. Ele foi localizado na manhã seguinte ao crime, dia 12 de julho, sem vida e dentro de um carro. O corpo estava ao lado de uma espingarda.
Segundo a Polícia Civil, as evidências apontam para a possibilidade de Canabarro ter cometido suicídio depois de assassinar Sirlei a tiros.
A vítima era considerada uma mulher batalhadora que valorizava os momentos junto da família. Natural de Estação, ela morava em Sertão havia 17 anos, onde trabalhava como empregada doméstica. Familiares relataram que ela também costumava frequentar a igreja. Ela deixou três filhos.
Fortaleza dos Valos — 16 de julho
Na manhã de 16 de julho, a morte de Jordana Prass Hagemann, 33 anos, comoveu a comunidade de Fortaleza dos Valos, município de 4,4 mil habitantes no noroeste gaúcho.
Segundo a polícia, Evandro Henrique de Campos, 52 anos, entrou na casa de Jordana por volta das 9h e a atingiu com disparos de arma de fogo. Na sequência, o homem tirou a própria vida.
Jordana tinha medida protetiva vigente contra Evandro desde março. Em junho, Campos descumpriu a medida ao ameaçar a ex-companheira de morte pelo celular. Por isso, a Polícia Civil pediu pela prisão preventiva, mas a decisão judicial ainda não havia saído quando o crime aconteceu.
As investigações apontam que Jordana foi morta com um tiro na cozinha de casa. A arma usada no crime foi encontrada carregada. O ex-casal tinha dois filhos, que não estavam no momento da ação.
Jordana era considerada pelos parentes como uma mulher trabalhadora, destemida e envolvida com as causas dos trabalhadores rurais e das mulheres.
Passo Fundo — 23 de julho
O Corpo de Bombeiros de Passo Fundo encontrou, na noite de 23 de julho, o corpo de uma mulher carbonizado dentro de uma casa que pegou fogo no bairro Vera Cruz, no município do norte do RS.
O corpo estava no quarto. A vítima não foi identificada, mas conforme a Polícia Civil, tinha histórico de morar na rua e, havia três meses, dividia a residência com um homem.
O homem foi preso em flagrante por suspeita de feminicídio após ser localizado há poucos quarteirões da casa. Aos policiais, negou ter incendiado a residência. Ele teve 18% do corpo queimado, nas costas e nos braços.
Porto Alegre — 27 de julho
A reportagem de Zero Hora buscou informações sobre o caso acontecido em Porto Alegre no dia 27 de julho, mas não obteve retorno da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher da Capital.
O argumento é de que profissionais da Polícia Civil adotaram medidas contrárias aos reajustes salariais propostos pelo governador Eduardo Leite, o que inclui não passar informações à imprensa.
São Leopoldo — 18 de agosto
Alegre e cheia de sonhos. É desta forma que amigos de Fernanda Nunes da Silva, 34 anos, a descrevem. A pedagoga, que também era dona de uma padaria em São Leopoldo, foi morta dentro de casa, na cidade do Vale do Sinos, na madrugada de domingo (18). Ela deixa duas filhas.
O crime foi informado a autoridades pelo próprio marido de Fernanda, que se dirigiu até o posto da Polícia Rodoviária Federal, em Porto Alegre, e confessou o crime. Aos policiais, disse que havia esganado a mulher e indicou o endereço da casa. O casal se relacionou por cerca de duas décadas.
A Brigada Militar foi acionada pela PRF e, no local, encontrou Fernanda sem vida. O homem foi preso em flagrante e encaminhado à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de São Leopoldo.
A Polícia Civil informou que Fernanda não tinha nenhuma ocorrência registrada na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de São Leopoldo, tampouco medidas protetivas.
Encruzilhada do Sul — 21 de agosto
Uma jovem de 23 anos foi morta a tiros pelo ex-companheiro na manhã desta quarta-feira (21) em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo. Segundo a Polícia Civil, a funcionária administrativa da Secretaria da Saúde do município Paola Dornelles da Silveira estava indo para o trabalho quando foi abordada por Tulio Alves Silveira, 28 anos.
De acordo com a polícia, ele disparou duas vezes contra Paola na Rua Marechal Rondon, bairro Vila Xavier. A vítima morreu na hora. O homem tirou a própria vida no mesmo local.
As autoridades informam que o casal se separou recentemente, após relacionamento de 12 anos, sendo nove morando juntos. O homem teria passado a perseguir a ex-companheira e chegou a ser preso. No entanto, foi solto após audiência de custódia. O Tribunal de Justiça do RS enviou nota, na qual afirma que "o delegado e o Ministério Público não formularam qualquer pedido para a manutenção da prisão".
Após o fato, a Justiça concedeu medida protetiva contra ele.
São Leopoldo — 21 de agosto
Uma mulher foi morta a tiros na noite de quarta-feira (21) em São Leopoldo, no Vale do Sinos. A reportagem apurou que se trata de Cleonice de Fátima Pacheco dos Santos, 48 anos.
O caso foi registrado por volta das 23h, no bairro Feitoria. Segundo a Brigada Militar, os tiros atingiram o rosto da mulher, que chegou a ser socorrida pelo Samu e encaminhada ao Hospital Centenário, mas não sobreviveu.
De acordo com a Polícia Civil, o suspeito é o companheiro da vítima, que não aceitaria o fim do relacionamento. Ele fugiu do local e não foi localizado até publicação desta reportagem. O nome do suspeito não foi divulgado.
*Outros casos de assassinatos de mulheres foram registrados no Estado neste período, mas em contextos diversos do feminicídio.
O que diz a SSP
A Segurança Pública busca estratégias para reduzir esse indicador, que é um desafio pela natureza do crime. Além do acompanhamento contínuo dos indicadores, o Estado conta com o Projeto de Monitoramento do Agressor, a estratégia mais recente para que a mulher que foi vítima de um crime envolvendo a Lei Maria da Penha denuncie o agressor. Até novembro, a expectativa do Estado é habilitar todas as regiões do RS para receber o projeto. Para ajudar as forças de segurança, qualquer cidadão pode buscar o disque denúncia, no 181, para denunciar casos criminais, e o 190 para qualquer situação emergencial.
De parte da Segurança Pública, buscamos sempre sensibilizar o Poder Judiciário dentro das medidas de proteção das mulheres para que os agressores que representem risco às vítimas sejam mantidos presos, fazendo com que a agressão não evolua para um feminicídio.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, há duas Delegacias da Mulher. Uma fica na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- A outra foi inaugurada na segunda-feira (19) e passou a receber ocorrências na terça (20). O espaço fica entre as zonas Leste e Norte, na Rua Tenente Ary Tarrago, 685, no Morro Santana. A repartição conta com uma equipe de sete policiais e funciona de segunda a sexta, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h.
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.