Eleito em 2020, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, edificou a vitória nas urnas sobre alicerces como a promessa de qualificar a zeladoria da cidade. Entre os compromissos assumidos, afirmou que iria enfrentar o processo de degradação do Centro Histórico, por onde passam mais de 400 mil pessoas por dia — entre moradores, trabalhadores e visitantes.
Passados pouco mais de dois anos de gestão, GZH elencou 10 pontos relacionados ao reordenamento da área central para atualizar como está o andamento dos projetos e das intervenções urbanísticas previstas (veja abaixo).
Melo admite que parte das propostas sofreu atrasos e sustenta que pretende entregar a maior parte das melhorias até o final do governo. No entanto, diz preferir não fixar mais as prováveis datas, sob a pretensão de não frustrar expectativas.
— Obra pública, quando é na rua, é assim. Tem gente que precisa passar, a gente precisa interromper (a circulação). No caso do Centro, optamos pelas intervenções à noite. Penso que há duas maneiras de encarar: ou não fazer, ou fazer e enfrentar as críticas — assinala o prefeito.
Para o arquiteto e urbanista Rafael Passos, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio Grande do Sul, o Centro Histórico se mantém como um espaço de vitalidade na Capital. Ele diz acreditar que a administração da cidade pode aprimorar a percepção sobre o conjunto de intervenções urbanísticas visando a requalificação da região central.
— O eixo que envolve o Cais Mauá, o entorno da Igreja das Dores e a Praça da Alfândega é tombado pelo patrimônio nacional e requer uma atenção especial por sua relevância enquanto paisagem cultural da cidade — exemplifica.
Confira como estão 10 intervenções previstas para o Centro:
1) Quadrilátero Central
O chamado Quadrilátero Central é a área formada pelas ruas Doutor Flores, ao norte, e Uruguai, ao sul; General Vitorino, a leste, e Voluntários da Pátria, a oeste, incluindo trechos da Rua da Praia e da Avenida Borges de Medeiros. O início das obras ocorreu em 5 de junho do ano passado.
O projeto está subdividido em 18 intervenções e foi inicialmente orçado em cerca de R$ 16 milhões. Porém, em 10 de setembro de 2022, houve anúncio do primeiro adiamento. A prefeitura avisou que as obras realizadas pelas empresas RGS, AGR e Elmo ficariam R$ 389 mil mais caras e que o prazo para conclusão seria ampliado de 18 para 21 meses.
A revitalização envolve alargamento de calçadas, recuperação do pavimento, instalação de bancos, espaços para bancas comerciais e equipamentos de iluminação, além de câmeras de vigilância. As primeiras entregas, previstas para dezembro do ano passado, foram transferidas para março e, posteriormente, para abril de 2023.
— As primeiras ruas serão entregues agora em maio — prevê o prefeito.
Segundo Melo, o projeto enfrentou erros em cálculos técnicos e revisão nos materiais a serem utilizados. Citou, como exemplo, um equívoco na medição do espaço previsto para as novas bancas de floristas na Otávio Rocha.
A previsão de investimento total, após as revisões feitas no projeto, passou para cerca de R$ 18 milhões. Atualmente, as intervenções ocorrem em cinco vias: Voluntários da Pátria, General Vitorino, Marechal Floriano Peixoto e Vigário José Inácio, além da Otávio Rocha.
Esboços do novo desenho já podem ser observados e exibem traços de um visual mais moderno e padronizado. Contudo, para os comerciantes locais, o sonho da revitalização ainda se assemelha a um pesadelo.
— Paramos de planejar o retorno ao fluxo de clientes que a gente tinha. A demora se prolonga e a informação de quando vai acabar não chega pra gente. Em um ano aqui, são mais de seis meses nesta condição que faz as pessoas deixarem de passar em frente à loja — reclama o empresário Ricardo Quirinos, 33 anos, proprietário de uma ótica diante da calçada da Vigário.
2) Comércio de ambulantes
A retirada dos vendedores ambulantes das ruas do Centro é uma demanda antiga e apresentada permanentemente ao prefeito por lojistas e outros empresários da região. Em entrevista a GZH, Melo reafirmou promessa feita em dezembro do ano passado: quando o Quadrilátero Central estiver pronto, não vai ter mais comércio informal na área central.
— Agora estamos aproveitando a obra para dizer o seguinte: os camelôs não ficam mais na calçada, e os comerciantes também não podem mais colocar seus produtos na rua — pondera.
Melo diz que prefere usar a palavra "acolhimento" por achar "remoção uma palavra muito forte". Afirma ainda que a prefeitura abriu cadastramento no Sine e está oferecendo acesso a microcrédito, além da possibilidade de aluguel em espaço no Centro Popular de Compras.
— Tem muita gente que não quer (aluguel no Camelódromo). Mas precisamos recuperar o Centro com atividades econômicas. Ninguém vai querer abrir loja enquanto houver a concorrência desleal de ambulantes. Quando terminarmos as obras do Quadrilátero, nossa decisão é não ter mais ambulante — reforça.
O prefeito também apontou que a Guarda Municipal tem realizado abordagens sobre o comércio informal para orientar sobre as futuras mudanças. O desafio, contudo, é enorme. Basta uma caminhada rápida pelas ruas centrais para enxergar, em cada uma delas, pessoas vendendo os mais diversos produtos, desde alimentos até vestuário e eletroeletrônicos.
— Não tenho como pagar aluguel. Só trabalha na rua quem precisa. Duvido que tenha alguém que não gostaria de ter a própria loja — sinaliza um dos ambulantes, que prefere não se identificar.
3) Mercado Público
A reabertura integral do Mercado Público era esperada desde que um grande incêndio atingiu o prédio, patrimônio da cidade, em 2013. Após investimento de R$ 9,4 milhões, a área do segundo piso foi recuperada e reativada no ano passado.
Apesar disso, GZH listou uma série de problemas persistentes no local. A relação é extensa: funcionamento parcial e má conservação de painéis de eletricidade e controle de refrigeração; instabilidade na rede elétrica; insuficiência na refrigeração da sala para descarte de resíduos perecíveis; mau cheiro decorrente de falta de manutenção na rede de esgotos; desnivelamento no pavimento; entre outros pontos.
— Ter o Mercado fechado em sua parte superior de 2013 a 2020 era uma tristeza. A gente superou isso. Agora nós estamos arrumando as goteiras no lado do (Largo) Glênio Peres. Já determinei uma licitação para trocar toda a rede de esgoto. Terá mais lojas em seguida e queremos negociar a instalação de mais deques no lado da (Avenida) Borges Medeiros. Temos ainda o desejo de convencer os comerciantes a revezar a abertura aos domingos — destaca o prefeito.
Um passeio pelo local mostra que a integralidade das ações é desafiadora. Uma das melhorias mais notáveis é a renovada pintura da fachada, o que devolveu muito da beleza original da edificação histórica. No interior, todavia, o aspecto ainda traz a impressão de estagnação — desnivelamento do piso, iluminação insuficiente, falta de sinalização e precariedade nos sanitários são alguns dos problemas evidentes ao olhar de frequentadores e visitantes.
— Só tem um banheiro funcionando. Isso é um problema, pois houve um esgotamento dos sanitários públicos no Centro. Banheiro é tão importante quanto os demais serviços. Faz falta — diz o fotógrafo Hamilton Jardim, 63, que afirma fazer compras ao menos três vezes por semana no Mercado Público.
4) Viaduto Otávio Rocha
Em maio do ano passado, a prefeitura definiu a empresa responsável pela reforma do Viaduto Otávio Rocha, ao custo de R$ 13,7 milhões. O contrato foi assinado em julho, mas em outubro o projeto ainda esbarrava em um impasse com os lojistas ocupantes dos espaços sob os arcos do monumento histórico.
Resolvida essa etapa, a obra teve início em novembro de 2022 e seus efeitos começaram a ser percebidos a partir do começo deste ano.
— É uma obra de arte fantástica. Está em andamento. O desafio é recuperar e dar vida para aquele espaço. Tem um grupo de trabalho dedicado a isso na prefeitura. Senão, vira de novo um problema para a cidade — analisa Melo.
O viaduto terá pavimento, acessos e escadarias reformados. O revestimento dos arcos e das balaustradas será restaurado. Equipamentos de iluminação e sinalizações serão renovados. O prazo estimado para conclusão é de 18 meses.
5) Projeto Caixa Cultural
A reforma do antigo prédio do Cine Teatro Imperial, localizado na Praça da Alfândega, para sua adaptação em um centro cultural é esperada pelos porto-alegrenses desde 2004, quando uma parceria foi firmada pela prefeitura com a Caixa Econômica Federal (CEF). Foram várias as retomadas e paralisações na obra ao longo dos últimos anos. A iniciativa chegou a ser retomada antes da pandemia, mas teve nova interrupção.
Melo afirma que, no final do ano passado, a tratativa precisou ser "endurecida" e a prefeitura passou a exigir o cumprimento do contrato, sob risco de judicializar a discussão.
A CEF, enfim, anunciou no mês passado que assumirá o projeto com expectativa de prazo para execução em 15 meses a partir de abril deste ano. Entretanto, neste mês, o banco informou à prefeitura que a licitação que contrataria a empresa executora do projeto foi cancelada.
Um novo processo de licitação precisará ser realizado. O prazo para finalização do projeto prossegue indefinido.
6) Usina do Gasômetro
Cartão-postal de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro está interditada desde 2017. A reforma do espaço, prevista para ser concluída em 2021, passou por diversos adiamentos, incluindo interrupção das atividades com a demissão de operários pela empresa executora do projeto.
A reabertura vem sendo postergada. Além disso, já foram quatro elevações de preço pelas obras. Originalmente, o contrato firmado em novembro de 2019 estipulava pagamento de R$ 11,44 milhões. Agora, está em R$ 19,33 milhões.
— Nós vamos terminar esta obra em 2023. Não tem chance nenhuma de ela continuar depois de 2023 — compromete-se Melo.
7) Praça da Alfândega
Revitalizada em 2019, a Praça da Alfândega é rodeada por edificações históricas, como o prédio da futura Caixa Cultural, o Memorial do Rio Grande do Sul, o Farol Santander e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Entretanto, o espaço, repleta de monumentos, é constantemente atingido por depredações e furtos.
A escultura dos escritores Mario Quintana e Carlos Drummnond de Andrade, a placa com a reprodução da Carta Testamento do ex-presidente Getúlio Vargas e a estátua equestre do General Osório são os alvos mais recorrentes dos vândalos. Além disso, o local padece com falta de conservação dos passeios e jardins.
— É uma praça linda. Venho descansar aqui quase todos os dias, no intervalo entre o trabalho e a faculdade. É um lugar seguro e agradável. Não vejo sujeira pelo chão, mas o capim está enorme, até mesmo no meio das pedrinhas do calçamento — observa a assistente de cobrança Deise Santos, 40, estudante de Psicologia.
Questionado sobre a praça, Sebastião Melo assegura que a jardinagem entrará na programação de atividades da prefeitura. Também revela que existe linha de diálogo com a administração do Banrisul para que o banco público adote o espaço.
8) Praça da Matriz
A revitalização da Praça da Matriz foi concluída no ano passado. As obras começaram em julho de 2020 e a entrega foi adiada por quatro vezes.
O investimento integral na revitalização foi de R$ 2,39 milhões. Desse total, R$ 1,1 milhão saiu de aporte federal pelo Programa Monumenta. O restante precisou ser assumido pelo município.
— Primeiro gostaria de pedir desculpas pela demora. A máquina pública é pesada. Este contrato teve que ser reequilibrado. Foi muito difícil. O dinheiro federal acabou não vindo e tivemos que aportar do Tesouro — comentou o prefeito na solenidade de entrega.
9) Esqueletão da Praça XV
A imagem do prédio há anos inacabado no coração da Capital preocupa os cidadãos e também o prefeito. No dia da posse, em 1º de janeiro de 2021, Melo citou o problema do esqueletão e mencionou a possibilidade de trazer "para o chão" a edificação iniciada na década de 1950 e, posteriormente, abandonada.
Em fevereiro do mesmo ano, a prefeitura anunciava a realização de estudo sobre a condição estrutural do edifício Galeria XV de Novembro para embasar pedidos para desocupação do local. Em agosto de 2022, solicitou ao Judiciário autorização para demolir os 19 andares do prédio. O pedido tem base em laudo elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que apontou os riscos relacionados à ocupação do local.
— É um avanço simbólico para resolver esse passivo histórico, que representa risco à população e compromete, urbanisticamente, o Centro Histórico da Capital — declarou o prefeito à época.
Ainda em agosto de 2022, a prefeitura encomendava à UFRGS uma avaliação de custo para a demolição. Agora, segundo o prefeito, a administração aguarda por uma decisão judicial permitindo que o prédio seja desconstruído. Não há prazo definido para que tal autorização seja concedida.
10) Plano Diretor
Ação que pode alterar a paisagem de toda a cidade, a revisão do Plano Diretor voltou à pauta em 2023. Em março, foram realizadas palestras e rodadas de discussão sobre a atualização do principal regramento municipal acerca de ocupação e preservação dos espaços públicos e privados.
Nos próximos meses, ocorrerão reuniões temáticas setoriais e audiências públicas. O governo anunciou que pretende protocolar projeto de lei complementar em outubro na Câmara de Vereadores.
No centro dos debates estão temas como limites para verticalização do Centro, delimitações para construir nas proximidades da Orla, definição de regras e aparelhos de mobilidade urbana, como ciclovias, calçadas e vias de tráfego, por exemplo.
Melo resiste em antecipar pontos do projeto de lei complementar em que irá propor a atualização do Plano Diretor. Apesar disso, pontua que a gestão entende ser apropriado o "adensamento" da cidade nas regiões dotadas de infraestrutura, como é o caso do Centro e do 4º Distrito.
— Adensar pode ser construir mais alto, mas isso não é uma regra. Acredito que a cidade deve crescer onde existem equipamentos públicos e não onde os empreendimentos geram a expectativa de que o poder público constitua a infraestrutura inexistente — define o prefeito.
Melo diz que contrapartidas de empreendimentos, nesta perspectiva de reordenamento da cidade, podem auxiliar no financiamento de projetos de regularização fundiária e moradia popular.