As reviravoltas jurídicas em torno do processo de impeachment do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, atrapalharam o cronograma de seus adversários políticos. Nos bastidores da Câmara de Vereadores da Capital, corria à boca pequena a intenção de levar a cabo a cassação do prefeito nas sessões do dia 21 ou 23 de setembro. O objetivo era tornar Marchezan inelegível antes da data-limite para registro de candidaturas na Justiça Eleitoral, em 26 de setembro.
O plano, organizado em encontros de parlamentares e dirigentes partidários de PTB, DEM, PP e MDB, visa a sobretudo afastá-lo do PSL. Com dois minutos e 38 segundos de rádio e TV, o PSL garantiu ao tucano um latifúndio na propaganda eleitoral. Somados os tempos do PL (1min42s) e do próprio PSDB (1min30s), a tríplice aliança encabeçada por Marchezan terá o equivalente a 23% do tempo destinado à mídia eletrônica.
Na ânsia de obter esse espólio, os adversários acabaram atropelando os ritos do processo de afastamento na sessão do dia 28 de agosto. Sem permitir a manifestação do advogado de defesa do prefeito, a comissão processante do impeachment deu margem à concessão da decisão liminar da Justiça que paralisou o processo. A presidência da Câmara ingressou com recurso e suspendeu os efeitos da liminar, mas ainda não há definição de quando o processo será retomado.
Desde então, o grupo trabalha tendo em vista outra data do calendário eleitoral. O objetivo agora é correr para convencer o PSL a desistir do apoio a Marchezan antes de 16 de setembro, último dia para realização das convenções partidária. A aliança PSL-PSDB foi uma decisão da cúpula nacional dos dois partidos e no Rio Grande do Sul se estende aos principais colégios eleitorais. Além de Porto Alegre, as legendas estão juntas em Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria e Passo Fundo.
Contudo, as dúvidas sobre a viabilidade da candidatura de Marchezan fizeram os demais partidos reforçarem a pressão sobre o presidente local do PSL, o deputado federal Nereu Crispim. O lobby mais intenso parte do MDB, cujo pré-candidato Sebastião Melo já tem o apoio informal de parlamentares bolsonaristas. Nos últimos dias, um dos principais candidatos do PSL a vereador recebeu um recado de um colega do partido:
— Fica longe do Nereu e não tira foto com Marchezan.
A operação para desossar a candidatura do prefeito começou no início do ano e foi intensificada após ele surgir em primeiro lugar em pesquisas encomendadas por partidos. Quando o impeachment virou palavra corrente dentro da Câmara, o destino do tucano já estava selado. Dos 19 votos exigidos para abertura do processo, a oposição tinha ao menos 22. Dos grandes partidos, apenas dois relutavam em chancelar o movimento: MDB e PTB. Foi quando uma confluência de interesses seduziu os petebistas.
Respeitando sua tradição conciliatória, o PTB não iria fechar questão sobre o impeachment. A ideia era liberar a bancada, para que cada parlamentar votasse de acordo com sua consciência e conveniência eleitoral. O partido tampouco queria dinamitar as pontes com Marchezan, cuja performance em pesquisas demonstrava vigor na disputa pela reeleição. Nesse cálculo político, pesou sobretudo os 90 cargos que a legenda detinha na burocracia da prefeitura, um ativo considerável e que não poderia ser desprezado às vésperas de uma campanha eleitoral.
Meses antes, quando anunciaram o lançamento de uma candidatura própria, vereadores do PTB correram ao Paço Municipal para tranquilizar o tucano. O objetivo não era ameaçar Marchezan, alegaram, mas sim vitaminar os votos na legenda. Como dois dos seis vereadores não iriam concorrer — Cássio Trogildo e Dr. Goulart —, os petebistas precisavam de uma candidatura majoritária para tentar manter as seis cadeiras e o status de maior bancada na Câmara. Eles também sustentaram a Marchezan que a presença do recém-filiado José Fortunati (PTB) na corrida municipal tiraria votos de Melo, este sim um forte adversário.
Foi se equilibrando nessa retórica que o PTB chegou ao dia da análise do pedido de abertura do processo de impeachment, em 5 de agosto. Mesmo com as sessões presenciais ainda vetadas pela pandemia, o ambiente político estava muito pesado na Câmara. Diante do receio de que algum fato novo pudesse tumultuar a votação, os vereadores concordaram em se reunir para acompanhar os trabalhos e discutir em conjunto qualquer tomada de decisão. O local escolhido foi a sede metropolitana do partido, na Rua General Caldwell, no Menino Deus, onde eles fizeram um churrasco na hora do almoço.
Os parlamentares foram chegando no final da manhã e escolheram locais distintos para instalar os computadores, disfarçando o fato de estarem juntos. Wambert Di Lorenzo, por exemplo, preferiu o refeitório. A carne já estava no fogo quando bateu à porta o presidente do DEM e da Câmara, Reginaldo Pujol. Já estavam lá dois outros vereadores do partido, Ricardo Gomes e Pablo Mendes Ribeiro.
Pujol levava uma proposta sedutora aos petebistas: o apoio formal do DEM à candidatura de Fortunati, em troca dos votos do PTB a favor do impeachment de Marchezan. Os dois partidos flertavam havia meses e na noite anterior já haviam discutido o assunto até as 2h da madrugada no escritório de Pujol.
Reunidos no segundo andar do prédio, o momento era de selar o acordo. Pujol argumentou que o destino do prefeito estava selado e o movimento conjunto atrairia também o MDB, impondo uma derrota gigantesca a Marchezan. Com dois vereadores, a sigla ainda não havia fechado questão e Melo pressionava nos bastidores para que o partido votasse contra o impeachment. Pujol admite ter cabalado votos pela abertura do processo, mas nega ter estado na sede do PTB nesse dia. Contudo, quatro fontes distintas relataram a GZH sua passagem pelo local.
— Nós ficamos aqui nesse escritório até 2h30min, 3h da manhã, com o pessoal do PTB discutindo. Nosso levantamento era de que o processo seria aceito de qualquer forma — afirmou Pujol em entrevista a GZH, reconhecendo apenas o encontro do dia anterior.
Durante a sessão, ocorreu tudo como previsto. PTB e DEM fizeram uma declaração conjunta de voto pela abertura do processo e os dois vereadores do MDB seguiram o mesmo caminho. Ao final, até Cláudio Janta (SD), que discursou contra o impeachment, acabou votando a favor. O placar de 31 a quatro sedimentou o isolamento de Marchezan. Considerando o prefeito praticamente fora da sucessão municipal, no bunker petebista tinha início uma nova operação.
Enquanto na cozinha se preparava um carreteiro com as sobras do churrasco, os vereadores confabulavam para transformar a chapa PTB-DEM na gênese de uma coalizão para derrotar a esquerda representada por Manuela D’Avila (PCdoB). A ideia de uma frente de centro-direita já havia sido discutida antes, inclusive naquele mesmo local. Em julho, um jantar havia atraído Melo e representantes do PP e do DEM. Como quase ninguém abria mão da cabeça de chapa, a aliança não foi adiante.
Todavia, o sucesso da investida contra Marchezan fez os petebistas sonharem com a retomada da ideia inicial, desta vez com eles liderando a coalização. Naquele momento, Melo tinha apenas o apoio do SD, e Gustavo Paim (PP) negociava para ter Mário Ikeda (PRTB) de vice. Se conseguissem atrair o MDB, o PP viria por força da gravidade, concluíram. Havia muitas dúvidas sobre a viabilidade da manobra, mas uma certeza: se a operação tivesse êxito, não poderia ser Fortunati o representante do projeto.
Filiado há cinco meses e com passagens por partidos de esquerda como PT, PDT e PSB, Fortunati, na visão de alguns, era um candidato para ajudar a eleger vereadores, mas não para administrar a cidade na primeira vitória do PTB. Para tanto, o ideal seria o deputado federal Maurício Dziedricki, petebista nato, alinhado à guinada à direita que o partido vem fazendo e quarto colocado na disputa de 2016. A conversa na sede da General Caldwell varou a madrugada, com os petebistas fazendo mil conjecturas. Um mês depois, nenhuma deu certo. O processo de impeachment dificilmente será finalizado antes de 26 de setembro, e Paim e Melo vitaminaram suas candidaturas com o apoio de outros partidos — incluindo o DEM, agora aliado ao MDB. Ainda assim, o PTB conseguiu atrair o Patriota e o Podemos, mantendo cerca de 80 segundos na propaganda eleitoral de TV.
O que diz o presidente da Câmara Municipal, Reinaldo Pujol
"A reportagem de GZH se funda em cima de informações, no mínimo equivocadas, confusas, para não dizer mentirosas. No que me concerne registro que a confusão é total, ao ponto de me colocarem, no mesmo dia e horário em horários diferentes, o que é humanamente impossível. Como Presidente da Câmara não pretendo discutir pela imprensa os atos e os fatos registrados neste 'episódio'. Assim e resguardando a confidencialidade da fonte, repto a todas elas, sem distinção nenhuma a publicamente renovarem estas informações, que reafirmo, não correspondem a verdade no que me diz respeito".