A PF utilizou dados de registros de celulares e de entrada e saída do Palácio da Alvorada para confirmar o relato do tenente-coronel Mauro Cid, que revelou a existência de uma minuta golpista em sua delação premiada. Conforme a investigação, no dia 19 de novembro de 2022, 20 dias após o segundo turno da eleição que resultou na vitória de Lula, Bolsonaro recebeu na residência oficial da Presidência da República o assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva para uma reunião. As informações são do portal g1.
Os registros de movimentação no Palácio do Alvorada e os dados das Estações Rádio Base (ERB) possibilitaram à corporação reforçar o relato de Cid e adquirir mais informações sobre os envolvidos nas discussões acerca da minuta do decreto, bem como os métodos de comunicação utilizados por eles.
Com base nessas informações, incluindo dados encontrados no celular de Mauro Cid, a Polícia Federal alega que Bolsonaro tinha conhecimento da existência da minuta, solicitou ajustes em seu conteúdo e a apresentou a militares também sob investigação por tentativa de golpe de Estado, visando manter-se ilegalmente no poder.
O decreto não foi publicado. Atualmente, a Polícia Federal considera prioritário ouvir Freire Gomes para confirmar a cronologia da minuta com caráter golpista.
Os registros de controle e saída do Palácio da Alvorada mencionam os nomes de Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, e os dados de seus celulares foram encontrados nos registros históricos das ERBs na área do imóvel. Martins e o padre Silva entraram pelo portão principal às 14h59min, enquanto Mauro Cid já estava no Alvorada desde as 8h34min da manhã.
Durante essa reunião, foi apresentada ao ex-presidente a minuta de decreto que, de acordo com a investigação da PF, detalhava vários "fundamentos dos atos a serem implementados" em resposta ao que os apoiadores do presidente consideravam interferência do Judiciário no Poder Executivo.
A minuta solicitava a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, bem como do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Além disso, o documento previa a realização de novas eleições.
Cid afirmou em sua delação à PF que, durante esse encontro, Bolsonaro teria instruído Martins a fazer alguns ajustes na minuta do decreto, mantendo apenas a prisão de Moraes e a realização de novas eleições.
Minuta com ajustes é apresentada a militares em 7 de dezembro
Em 7 de dezembro, Filipe Martins voltou ao Palácio da Alvorada com a minuta ajustada conforme solicitado por Bolsonaro. Nessa reunião, de acordo com a PF, o ex-presidente aprovou as alterações. A nova versão excluía as prisões de Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, mas mantinha a de Alexandre de Moraes, além de manter a ordem de realização de novas eleições.
No mesmo dia, Bolsonaro solicitou uma reunião para apresentar a minuta do decreto ao general Freire Gomes, comandante do Exército, ao almirante Garnier Santos, comandante da Marinha, e ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. No encontro, Martins detalhou ponto a ponto as informações contidas no documento, de acordo com a investigação da PF.
Há registros nos controles de entrada e saída do Alvorada que confirmam a presença de Freire Gomes, Garnier e Nogueira em 7 de dezembro. O então ministro da Defesa chegou às 8h25min, enquanto o general e o almirante chegaram às 8h34min. Martins também chegou no mesmo horário.
O nome de Saad não está registrado neste dia, porém, a Polícia Federal afirma ter identificado que o celular do advogado esteve conectado à ERB que cobre o Palácio daAlvorada no mesmo período em que Martins, Garnier, Freire Gomes e Nogueira estiveram na residência oficial. De acordo com a PF, essa evidência sugere que o advogado possa ter entrado no Palácio da Alvorada sem ter sido formalmente registrado.
No dia 7 de dezembro, os registros de entrada e saída também indicam as seguintes visitas:
- Tércio Arnaud: ex-assessor de Bolsonaro, considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio". Ele entrou às 7h26min e saiu às 20h49min, estando presente durante o período em que se discutiu sobre a minuta.
- Sergio Rocha Cordeiro: ex-assessor de Bolsonaro que cedia seu imóvel funcional em Brasília para o ex-presidente fazer lives. Ele chegou às 7h20min. Não há registro de saída para este dia.
Bolsonaro ajustou pontos do decreto em 9 de dezembro
Em 9 de dezembro, a investigação indica que Bolsonaro realizou alguns ajustes na minuta do decreto para simplificar partes do texto. Neste mesmo dia, Bolsonaro se encontrou no Palácio da Alvorada com o general Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres, que, segundo a PF, estava pronto para seguir as ordens relacionadas ao golpe de Estado se Bolsonaro assinasse o decreto.
Dados fornecidos pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) confirmam a presença do general no Palácio da Alvorada, chegando às 18h25min e saindo às 19h18min. Cid permaneceu no Alvorada entre 9h45min e 20h23min naquele dia. Durante esse período, ele enviou uma mensagem ao comandante do Exército, Freire Gomes, pelo aplicativo de comunicação UNA, utilizado pelo Exército.
"O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né? E hoje o que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles "considerandos" que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais resumido" afirmou o ex-ajudante de ordens da Presidência.
Cid relatou no áudio examinado pela PF que Bolsonaro, após simplificar a minuta do golpe de Estado, planejava discutir com o general Theophilo, insinuando que a participação do comandante era um dos componentes cruciais para o sucesso do plano em andamento.
O comandante supervisionava o maior contingente de tropas do Exército, além das unidades de Forças Especiais e Operacionais que, conforme o plano delineado, seriam empregadas para realizar operações delicadas, como a prisão do ministro Moraes.
— Ele comentou de falar com o general Theophilo. Na verdade, ele quer conversar — diz Cid em um dos áudios.
Por último, o ex-ajudante de ordens alerta Freire Gomes de que se a "força não for acionada, o status quo permanecerá como está, seguindo o que estava previsto, o que estava sendo planejado".
No mesmo dia, Bolsonaro dirigiu-se aos seus apoiadores em frente ao Alvorada após semanas de silêncio desde sua derrota nas eleições presidenciais. Ele mencionou a importância do apoio de seus seguidores para "determinar a direção que as Forças Armadas seguirão".
— E hoje estão vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês — disse o ex-presidente na ocasião.
A investigação da PF alega que o discurso nesse dia foi realizado com o propósito de "manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente da República, em conjunto com as Forças Armadas, tomaria medidas para reverter o resultado das eleições presidenciais, atendendo ao 'apelo popular', uma situação que de fato estava em andamento naquele momento".
Contraponto
Após a operação da Polícia Federal realizada em 8 de fevereiro, que teve como alvo militares e ex-ministros de seu governo, a defesa do ex-presidente afirmou que Bolsonaro "nunca concordou com qualquer iniciativa que visasse minar o Estado Democrático de Direito ou as instituições que o sustentam".
Os advogados também abordaram outro documento de natureza golpista encontrado no gabinete do ex-presidente, no PL, que difere do decreto discutido no Alvorada. Segundo a defesa, este outro documento foi impresso para permitir que ele "tivesse conhecimento" dos materiais mencionados na investigação da Polícia Federal.
"O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos. A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão havida na data de hoje, que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão porque lá foi apreendido", acrescentaram, em nota.
Ainda em comunicado, a defesa também questionou a medida, ordenada por Moraes, que resultou na apreensão do passaporte do ex-presidente. Segundo eles, a determinação foi "totalmente desnecessária".