A Polícia Federal (PF) acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve participação direta na edição da minuta golpista que circulou entre seus aliados após o segundo turno das eleições. Conversas encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, sugerem que Bolsonaro ajudou a redigir e editar o documento.
Em mensagens trocadas com o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, em dezembro de 2022, Cid afirma que Bolsonaro "enxugou" o texto.
"Fez um decreto muito mais resumido. Algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado", afirma o ajudante de ordens.
Prisões de autoridades
A versão inicial do rascunho previa, além de novas eleições, a prisão de autoridades, como os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo a Polícia Federal, por sugestão de Bolsonaro, apenas o decreto de prisão de Moraes foi mantido.
O decreto foi apresentado a Bolsonaro por dois auxiliares, Filipe Martins, preso nesta quinta-feira, e Amauri Saad. No dia 9 de dezembro de 2022, em mensagem enviada pelo UNA, ferramenta oficial de comunicação do Exército, Mauro Cid afirma: "Ele (Bolsonaro) enxugou o decreto".
“Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os Comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado”, reproduz Moraes.
As mensagens foram trocadas após uma reunião de oficiais supostamente aliados ao plano golpista em Brasília, no final de novembro de 2022.
A PF deflagrou nesta quinta-feira a Operação Tempus Veritatis (a hora da verdade, em latim) e prendeu aliados do ex-presidente suspeitos de envolvimento na empreitada golpistas. Entre os alvos, estão Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Valdemar Costa Neto, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier Santos.
O próprio Bolsonaro foi alvo de buscas na ação e deve entregar seu passaporte à PF em até 24 horas. A operação fecha o cerco decisivamente ao ex-presidente na investigação sobre tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
A decisão
Com 135 páginas, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que deflagrou a maior investida contra supostos articuladores dos atos antidemocráticos traz detalhes de como auxiliares do então presidente Jair Bolsonaro estariam articulando "tentativa de golpe de estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito".
Reproduzindo extensa investigação da Polícia Federal, o documento cita trechos de reunião com a presença de Bolsonaro, espionagem de ministros do STF e tentativa de cooptação da cúpula das Forças Armadas. A operação é baseada na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, e em provas coletadas pelos investigadores, como a extração de conversas por aplicativos de mensagens e vídeos de reuniões da cúpula do governo passado.
Na página 70 do despacho, Moraes reproduz declaração em que o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defende uma intervenção antes das eleições de 2022.
— Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições — afirma Heleno, segundo o documento.
A manifestação de Heleno teria ocorrido durante reunião realizada em 5 de julho daquele ano com a presença da alta cúpula do governo federal. Um vídeo com trechos do encontro foi apreendido na casa do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Segundo a Polícia Federal, participaram da reunião Bolsonaro, Heleno e os então ministros da Justiça, Anderson Torres, da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e Braga Neto, ex-chefe da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de situação.
Na ocasião, Heleno também sugeriu infiltrar espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas eleitorais adversárias. Bolsonaro interrompeu a fala de Heleno e disse que discutiria a ação da Abin “em particular”.
O que dizem as defesas
O ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, também advogado do ex-presidente, afirmou que ele vai entregar o passaporte, como determinado pela Justiça. As defesas de Felipe Martins e Marcelo Câmara disseram que ainda não tiveram acesso à íntegra da investigação.