Se fosse um filme, o nome poderia ser Os Trapalhões e o Golpe Fracassado. Fosse enredo de escola de samba, já que estamos às vésperas do Carnaval, seria algo como "O golpe que deu errado e seus personagens delirantes". Mas não é filme, nem samba-enredo o que um grupo de golpistas de paletó, farda ou camisa de time de futebol tentou fazer no segundo semestre de 2022 e nos primeiros dias de janeiro de 2023 para continuar no poder depois da derrota nas urnas.
O quebra-cabeça que começou a se formar durante a campanha, no dia da eleição e logo depois, ganhou novas peças e está tomando forma. Houve uma tentativa de golpe, que só não deu certo porque as instituições democráticas estão mais maduras do que em 1964, não existe a Guerra Fria e ainda há generais nos quartéis brasileiros. Ou talvez tenha fracassado porque o cabeça era um capitão cercado de delirantes generais de pijama e de um almirante com vocação golpista, mas solitário na Marinha.
A diferença para 1964 está também na imprensa, que não aderiu ao discurso do risco do comunismo e aos empresários, que não se dispuseram a financiar a aventura. Os que financiaram estão agora na mira da Polícia Federal e da Justiça.
A operação da Polícia Federal deflagrada nesta quinta-feira (8) é resultado do cruzamento de informações com outras investigações, mas tem como espinha dorsal a delação premiada do homem que foi uma espécie de sombra do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Foi ele quem forneceu o detalhado mapa da mina e as provas do golpe que se tentou engendrar no Palácio da Alvorada e que só não teve êxito porque o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, levantou a trincheira com o apoio do comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior.
A Freire Gomes, o general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro, chamou de "cagão". Ao brigadeiro Baptista Júnior, de "traidor da pátria". A PF não desencadeou a operação baseada apenas na prova testemunhal do coronel Cid, mas em documentos e vídeos encontrados em seu computador, entre os quais a minuta do decreto golpista que previa a anulação da eleição e a prisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No quebra-cabeça do golpe, que não se consumou, entram peças como o pedido de Braga Netto para que os apoiadores de Bolsonaro tivessem paciência porque alguma coisa importante iria ocorrer (nos dias posteriores à eleição). Somam-se a fracassada tentativa de explosão de um caminhão de combustíveis no Aeroporto de Brasília (para criar um clima de caos que justificasse a intervenção das Forças Armadas), as manifestações incendiárias no dia da diplomação de Lula o discurso de Bolsonaro antes de embarcar para os Estados Unidos, como se fugitivo fosse.
Bolsonaro deixou claro que esperou até a última hora pela "virada de mesa" sugerida pelo general Augusto Heleno, mas, como não encontrou apoio, embarcou para a Flórida sem passar a faixa presidencial.
Há centenas de peças complementares que formarão o desenho final, mas pelo que se tem até agora é possível afirmar que o castelo de cartas de Bolsonaro começou a cair às vésperas do Carnaval de 2024.
Aliás
O silêncio do presidente da Câmara, Arthur Lira, diante das últimas operações da Polícia Federal é eloquente e contrasta com a sua postura de valentão no embate com o governo por verbas do orçamento de 2024.
De homem de confiança a delator
Para quem sustenta que as depredações de 8 de Janeiro foram obra de infiltrados, o inquérito da Polícia Federal informa que o coronel Mauro Cid orientou os manifestantes golpistas a irem para o Congresso e para o Supremo Tribunal Federal. E ainda prometeu que as Forças Armadas garantiriam a presença deles por lá.
De acordo com o jornal O Globo, ele usava um número dos Estados Unidos para falar por telefone com os aliados golpistas.
Cid foi preso por causa da investigação sobre a inclusão de dados falsos sobre vacinação contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, mas acabou entregando segredos cabulosos sobre outras iniquidades tramadas no Palácio do Planalto.