A incerteza vai continuar, mas ao longo do dia a Polícia Federal liberou detalhes da operação Tempus Veritatis (Hora da Verdade em latim) que provam a existência de um golpe de Estado em curso no Brasil (veja detalhes no final deste texto).
Em trocas de mensagens, vídeos de reuniões e outros documentos, é possível acompanhar a evolução da discussão concreta começou ainda em meados de 2022, quando havia dúvidas a respeito da capacidade de o então presidente Jair Bolsonaro vencer a disputa eleitoral.
Em dezembro de 2022, com o então presidente recolhido ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro "enxugou o decreto" que romperia o que ele chamava de "as quatro linhas da Constituição", conforme relato de seu então ajudante de ordens, coronel Mauro Cid. Os detalhes do enxugamento não estão 100% claros, mas foi possível entender que uma versão propunha a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, enquanto a mais recente só mantinha a de Moraes.
Ainda há partes sigilosas, então permanece certa incerteza, assim como o desconforto sobre as coincidências em torno da data da operação Tempus Veritatis: um ano e um mês depois do 8 de Janeiro, uma quinta-feira pré-carnavalesca e com o atual presidente em agenda com aliado do ex. Mas a PF já liberou um abundante conjunto de provas.
Não falta quem pense que, ante a iminente posse de Luiz Inácio Lula da Silva, qualquer medida seria admissível. Se quebrar regras constitucionais passa a ser admissível, porque os fins justificam os meios, termina qualquer fronteira entre civilização e barbárie, entre uma sociedade organizada e mera aglomeração de foras-da-lei.
O fato de que uma eventual vítima do golpe de Estado ensaiado, Alexandre de Moraes, seja o mesmo magistrado que vai tomar decisões sobre o caso é mais um motivo para que as consequências aos que tramaram o golpe sejam medidas com toda a cautela: nem excessivas nem insuficientes. E o melhor para o atual presidente, que se julga vítima de injustiça, é dar todas as garantias de que a investigação seja blindada a interesses políticos.
Pontos da materialidade da preparação do golpe
O vídeo da "dinâmica golpista"
Um vídeo arquivado em um computador de Mauro Cid mostra uma uma reunião realizada em 5 de julho de 2022 - poucos dias antes do encontro com embaixadores em que o ex-presidente colocou em dúvida a lisura das urnas eletrônicas. Nesse encontro que, segundo a PF, mostra a "dinâmica golpista", um dos mais exaltados era o então ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno, que disse ter conversado com o diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) "para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais". Conforme a descrição da PF, foi calado por Bolsonaro, que pediu para o tema ser tratado apenas com ele. Heleno queria "virar a mesa" antes das eleições:
"Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições".
O general que mobilizaria a tropa
Com base em diálogos encontrados no celular do coronel Mauro Cid, a PF afirma que o general Theophilo Gaspar de Oliveira se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada e "consentido com a adesão ao golpe de Estado desde o que presidente assinasse a medida". Conforme a investigação, Theophilo seria "responsável operacional pelo emprego da tropa caso a medida de intervenção se concretizasse" e "caberia às Forças Especiais do Exército (os chamados kids pretos) a missão de efetuar a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes assim que o decreto presidencial fosse assinado".
Bolsonaro "enxugou o decreto"
Em mensagem de áudio via WhatsApp, de 9 de dezembro de 2022, Mauro Cid faz um relato do que se passava no Palácio da Alvorada ao general Freire Gomes:
"O presidente tem recebido várias pressões para tomar medidas mais, mais pesadas, onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né?, mas ele sabe, ele ainda continua com aquela ideia que ele saiu da ultima reunião, mas a pressão que ele recebe é de todo mundo. (...) E hoje o que que ele fez de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais resumido,né? (...) por que se não for, se a força nao tocar pra frente. (...) Mas ele ainda tá naquela linha do que foi conversado com os comandantes, né? e com o ministro da Defesa. Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje ele mexeu naquele decreto, né. ele reduziu bastante. Fez algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado, né."
Constrangimento dos legalistas
O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Jair Bolsonaro em 2022, pediu, em mensagens pelo celular, ao coronel reformado do Exército, Ailton Barros, que atacasse militares que se colocavam ao lado da Constituição e resistiam às teses golpistas.
"Senta o pau no Batista Júnior (tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que foi comandante da Aeronáutica). Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feita (sic) e ele fechado nas mordomias. negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família."
Braga Netto também recomendou elogios ao ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, um dos alvos de busca e apreensão da operação Tempus Veritatis:
"Elogia o Garnier e f*** o BJ.".