Brasília volta a viver dias intensos a partir de segunda-feira (31). A retomada dos trabalhos no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) movimenta a agenda política com temas polêmicos, como as reformas tributária e administrativa, a mudança de ministros no governo federal e o julgamento da descriminalização do aborto e do porte de drogas.
O foco do Planalto, porém, é na pauta econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer aproveitar os bons resultados obtidos no primeiro semestre, como as notas de crédito concedidas pelas agências internacionais e a queda da inflação, do desemprego e do dólar, para avançar em medidas de equilíbrio fiscal.
Com objetivo de zerar o déficit primário em 2024, Haddad planeja aumentar a arrecadação taxando fundos de investimentos dos super-ricos e cobrando imposto de renda sobre lucros e dividendos - montante que alcançou a cifra recorde de R$ 556 bilhões em 2021. Um conjunto com oito iniciativas está sendo estudado pela equipe econômica e deve chegar ao Congresso em agosto, na esteira da nova proposta orçamentária.
— O ministro Haddad tem algumas cartas na manga. Não vai necessariamente mandar as oito, pode mandar quatro ou cinco, que podem fechar essa conta — disse na sexta-feira a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Na prática, o governo conta com diversas ações legislativas para melhorar o cenário das contas públicas. A conclusão da votação do arcabouço fiscal, na Câmara, e da reforma tributária, no Senado, estão entre as prioridades nessa retomada do Congresso. Em paralelo, Haddad espera que a aprovação do marco das garantias, permitindo o uso de um mesmo bem em múltiplos empréstimos, fortaleça o mercado de crédito, abrindo espaço para queda nos juros.
Em outra frente, o governo quer avançar também na reforma administrativa. Citada como prioridade para o segundo semestre pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a matéria estaria pronta para ser votada. Apesar do interesse na reforma, o Planalto não tem pressa. Antes, quer concluir a reforma tributária para que uma discussão não atrapalhe a outra.
Como as mudanças nas regras do funcionalismo também terão medidas de alívio fiscal, como um freio nos reajustes dos servidores, o Planalto só quer colocar o tema em pauta após arregimentar uma base parlamentar mais sólida. Nos próximos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende acelerar a reforma ministerial, ampliando o espaço no governo de partidos identificados com o bolsonarismo, como PP e Republicanos.
As mudanças devem dar mais fôlego ao governo na Câmara, onde as fragilidades na articulação são maiores. Indicados pelos partidos, os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) já são chamados de ministros nos corredores do Congresso, mas ainda não foram chamados ao Planalto.
Lula resiste em entregar as pastas cobiçadas pelas legendas – Desenvolvimento Social e Esporte –, ao mesmo tempo em que enfrenta dificuldades em abrir outros espaços na Esplanada. Essa costura política deve se estender durante as primeiras semanas de agosto, antes de as principais votações ocorrerem no Congresso.
— A reforma deve dar maior espaço ao centrão, mas a melhoria da governabilidade é relativa. Aqueles períodos de maioria estável do presidencialismo de coalizão já não existem mais. Agora o Congresso exige que os projetos sejam negociados um a um — alerta o cientista político Carlos Eduardo Borenstein, consultor da Arko Advice.
Outra nomeação que irá exigir habilidade política de Lula será a sucessão da ministra Rosa Weber no STF. A atual presidente da Corte se aposenta em outubro, quando completa 75 anos de idade. Lula vem sendo pressionado a indicar uma mulher para o cargo e já começou a prospectar nomes no universo jurídico.
Com menos de três meses de toga pela frente, Rosa quer imprimir uma marca pessoal ao restante da gestão, julgando temas de impacto. Para tanto, ela incluiu na pauta do STF já na terça-feira (1º) a ação que pede que seja declarada inconstitucional a alegação de legítima defesa da honra em casos de feminicídio.
Na quarta-feira, o plenário retoma a análise da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Para a semana seguinte, Rosa pautou o julgamento de quatro ações que questionam a figura do juiz de garantias. A atuação de um juiz no inquérito policial distinto do magistrado que irá julgar o processo penal foi considerada inconstitucional pelo relator, Luiz Fux.
Os demais ministros ainda não votaram. O caso deve ser o primeiro julgado com a presença do novo membro da Corte, Cristiano Zanin, cuja posse está marcada para quinta-feira (3). O juiz de garantias foi criado pelo Congresso após a polêmica atuação do ex-juiz Sergio Moro nos processos da Lava-Jato, considerada parcial pelo próprio STF.
No radar do poder
Confira o que estará na ordem do dia de executivo, legislativo e judiciário até o fim de 2023
Congresso Nacional
- Conclusão da reforma tributária: aprovado na Câmara, o novo desenho do sistema tributário está sob apreciação do Senado.
- Reforma administrativa: pronta para ser votada, as mudanças nas carreiras e benefícios do funcionalismo são prioridade na Câmara.
- Arcabouço fiscal: modificado no Senado, o novo conjunto de regras fiscais do governo precisa voltar ao crivo dos deputados.
- Decreto das armas: deputados e senadores de oposição pretendem derrubar decreto do governo que enrijeceu compra e posse de armas.
- Medidas provisórias: 14 MPs precisam passar pelo Congresso, entre elas as que reajustam salário mínimo e tabela do Imposto de Renda.
Governo Federal
- Reforma ministerial: após a troca no Ministério do Turismo, o presidente Lula articula ampliar o espaço do centrão no governo.
- Novo PAC: previsto para julho, o pacote de obras públicas será lançado em agosto, com ênfase em obras paradas e parcerias público-privadas.
- Novo Imposto de Renda: mesmo sem a conclusão da reforma tributária, o governo quer mudar a tributação sobre a renda.
- Orçamento 2024: toda a equipe econômica está envolvida na peça orçamentária, a primeira elaborada pelo novo governo.
- Vaga no STF: após nomear Cristiano Zanin, Lula se debruça agora sobre o substituto de Rosa Weber, que se aposenta em outubro.
Supremo Tribunal Federal
- Juiz de garantias: o julgamento que prevê a ação de um juiz diferente na instrução do processo penal será retomado em 9 de agosto.
- Legítima defesa da honra: retomada de análise de constitucionalidade da tese em julgamentos de feminicídios.
- Marco temporal: retomada do julgamento da fixação de uma data-limite para indígenas reivindicarem posse de terras.
- Descriminalização do aborto: antes de deixar a Corte, em outubro, Rosa Weber quer julgar legalidade do aborto no início da gestação.
- Descriminalização das drogas para uso pessoal: está na pauta da próxima quarta-feira.