Disputando sua 12ª eleição consecutiva, o professor Julio Flores (PSTU) quer governar o Estado para liderar uma rebelião popular. Inspirado no "comunismo primitivo", Julio pretende formar um governo socialista dos trabalhadores, no qual conselhos populares ocupam o lugar de Executivo, Legislativo e Judiciário. Seu programa é a estatização total da saúde, da educação e dos transportes, a expropriação das grandes empresas, a coletivização da terra e o desarmamento da polícia.
Para o candidato do PSTU, a democracia brasileira faliu e o capitalismo é o responsável pelas mazelas da sociedade. A solução viria de um levante popular e do estabelecimento de um novo regime.
– É preciso outro tipo de política, totalmente oposto àquilo que vem sendo feito hoje, que é revolucionar, virar o país de ponta cabeça, reunir os de baixo para tirar os de cima do poder – prega o candidato.
Julio Flores é o sétimo e último entrevistado da série de GaúchaZH sobre o que propõem e como pensam os postulantes ao governo do Estado. A publicação seguiu a ordem das entrevistas agendadas com as assessorias dos candidatos. Apenas Paulo de Oliveira Medeiros (PCO) não atendeu ao pedido de entrevista.
O senhor prega a rebelião. Por que quer ser candidato se defende a implosão do sistema político atual?
A rebelião do povo é uma necessidade. O sistema político está apodrecido, carcomido pela corrupção e negociatas entre os grandes grupos econômicos. São quadrilhas do capital que governam o Estado, o país. Precisamos de uma rebelião contra a exploração.
O senhor quer ser governador para liderar essa rebelião?
Com certeza. Esse é o debate que a gente faz, um governo socialista, constituído de conselhos populares, no qual a gente elegeria os conselheiros que governariam o Estado.
Como funcionaria? Seriam uma espécie de sovietes?
É justamente a tradução do russo, mas a gente usa em português. O conselho é que vai governar. Vocês mesmo, funcionários aqui da RBS, seriam convidados a fazer uma assembleia e eleger seus representantes.
Essa seria sua primeira medida como governador?
Com certeza. É indispensável para constituir o próprio governo. Eleger os conselheiros nas fábricas, nos bancos, nos assentamentos, na periferia.
Mas submetidos à atual ordem jurídica? O governo enviaria projetos à Assembleia para aprovação?
Num primeiro momento, sim. Mas essa convivência seria conflituosa. Os conselhos têm de substituir, ao longo do tempo, as funções exercidas por Executivo, Legislativo e Judiciário. Estariam todas num só poder dos conselhos populares.
A República está assentada sobre a separação dos poderes. Se abolir, não abre caminho para o surgimento de uma ditadura, de um déspota?
Pelo contrário. Amplia-se a democracia. Não se esperaria quatro anos para se trocar um conselheiro. A verdadeira democracia é quando os trabalhadores elegem seus representantes e na semana seguinte, no mês seguinte, podem destituí-los, se não tiverem a atuação exigida.
Mal ou bem, há um equilíbrio, um poder fiscaliza o outro, impede excessos. Quando o senhor propõe esse modelo, não se cria uma elite, um establishment, com todo mundo submetido a esse conselho?
Não. Elite é o que tem hoje. Eles mandam e desmandam, aprovam leis contra o povo. Os riscos de degeneração existem em qualquer sociedade. O que quero dizer é que Judiciário, Legislativo e Executivo teriam uma separação de tarefas, mas estariam fundidos em um só.
Onde uma experiência dessas deu certo no mundo?
Os primeiros anos (da Revolução Russa), de 1917 a 1921, funcionaram assim. Os conselhos reuniam, definiam, tomavam decisões e faziam as mudanças necessárias. O capitalismo já deu o que tinha de dar.
Vocês estatizariam as empresas, propriedades privadas?
Exatamente. Queremos expropriar as grandes empresas.
Isso não geraria uma convulsão social?
O operário, ele é que produz. O proprietário da fábrica sequer pisa lá, só aufere lucros, acumula capital. Quem faz, põe a mão na massa, é o operário. Nada mais justo que o controle dessa produção esteja na mão do trabalhador.
Todos teriam os mesmos salários? Não haveria diretor?
Seria eleito pelos próprios trabalhadores no conselho operário da fábrica. Talvez houvesse rodízio.
E se houver greve?
Seria greve gerida pelos próprios trabalhadores contra alguma sobrevivência do sistema capitalista.
O Estado vive crise nas finanças. Qual seria sua prioridade?
Acabar com a farra do dinheiro público. Defendo o fim das isenções às grandes empresas.
São R$ 15 bilhões que deixam de entrar nos cofres do Estado. Dá para fazer muita coisa. A sonegação deve dar uns R$ 7 bilhões, R$ 8 bilhões. Trabalharemos inclusive com o confisco dos bens dos sonegadores e, no limite, a cadeia, porque estão mentindo para o povo. Produzem e dizem que não. Só isso dá uns R$ 22 bilhões. Mais a dívida com a União.
O senhor deixaria de pagar a dívida com o governo federal?
Com certeza. Já foi paga inúmeras vezes. Sob o governo Britto (1995-1998), a dívida era R$ 9 bilhões, hoje são R$ 67 bilhões e já se repassou mais de R$ 30 bilhões. Essa dívida já foi quitada.
Uma moratória gera consequências: bloqueio das contas, repasses deixam de ser feitos.
Não se cria outro problema?
Sim, mas esses caras lidam com a vida das pessoas, como se fossem proprietários. Eles têm de entender que esse dinheiro é nosso, não é deles. Os bancos são parasitas. Nós, educadores, sou professor de matemática da rede estadual, penamos com salário parcelado.
Vocês pagariam os salários em dia?
Com certeza.
E o que deixariam de pagar?
A dívida.
Defendo o fim das isenções às grandes empresas. São R$ 15 bilhões que deixam de entrar nos cofres do Estado. Dá para fazer muita coisa.
Mas o governo já não paga a dívida hoje.
As isenções fiscais, etc e tal. Tudo isso. Fiz a conta: deve dar uns R$ 30 bilhões pelo menos.
Teríamos essa grana para investir no pagamento dos salários, garantir o piso para os educadores.
Sem mexer no plano de carreira dos professores?
Sem mexer. Pelo contrário, discutiríamos aquilo que tem de melhorar no plano.
O senhor chamou os bancos de parasitas. O que faria com o Banrisul?
Colocaria sob controle dos trabalhadores. A direção seria eleita pelos próprios funcionários, com um conselho.
Uma de suas propostas é reestatizar empresas que foram privatizadas, como a CRT. Por que fazer isso e como?
Hoje é a Oi. Vamos expropriar.
Mas não tem mais sede no Rio Grande do Sul, não tem como.
Tem maneiras. Essa é a nossa proposta e vamos implementá-la.
Como?
Mobilizando o povo, organizando a população para resolver.
Fazendo uma revolta?
Isso, isso.
Indo a São Paulo, entrando na sede da empresa?
Não. Vamos nos unir com os trabalhadores de São Paulo, do Rio de Janeiro, de todos os Estados do país e fazer uma rebelião nacional.
Não é utópico?
Não, utópico é acreditar que sob o capitalismo vamos resolver os nossos problemas.
Não é mais fácil gerar emprego nas empresas, na indústria, no comércio? Ativar a economia e distribuir riqueza?
Essa é a solução que todos os governos têm aplicado no Brasil e sempre leva ao fracasso.
O PSTU defende as massas trabalhadoras, quer botar o povo no poder. Por que tanta dificuldade para eleger candidatos?
As pessoas estão compreendendo. As primeiras pesquisas registraram isso, nos deram 4%.
É preciso outro tipo de política, totalmente oposto àquilo que vem sendo feito hoje, que é revolucionar, virar o país de ponta cabeça, reunir os de baixo para tirar os de cima do poder.
O senhor cogita pegar em armas para fazer isso?
Queremos a mobilização consciente dos trabalhadores. Não é isso que estamos propondo. Quem tem armas são os capitalistas. Inclusive, há um debate importante sobre o papel da segurança pública. Queremos a rebelião dos soldados contra os comandantes.
Se eleito, como seria seu modelo de polícia?
Uma polícia única, desmilitarizada, em que os próprios servidores da segurança possam eleger seu comandante, delegado, tenha o nome que tiver. E que tenha controle social, a partir dos conselhos populares. Nossa solução não é mais violência.
A polícia atuaria armada ou desarmada?
Desarmada.
E como resolver o déficit de vagas no sistema prisional?
É uma questão social e de longo prazo. Se a gente tem uma política de acabar com o desemprego, educação de melhor qualidade, vamos esvaziar as cadeias.
Como?
Não é de uma hora para outra. As medidas fundamentais são o plano de obras públicas que empregaria milhares de pessoas, uma reforma agrária profunda e radical que exproprie o latifúndio e o agronegócio, estimulando as fazendas coletivas.
Produção agrícola em escala se dá pela mecanização e as grandes experiências mundiais de coletivização da terra resultaram em milhares de pessoas morrendo de fome, na Rússia stalinista e na China comunista. Como evitar?
O problema foi a coletivização forçada da terra. Queremos uma reforma agrária que não precise forçar, democrática, estimulando as pessoas a se associarem. Aliás, o nosso socialismo não tem nada ver com o que tem na China, também não tem nada a ver com o que se diz que é socialismo na Venezuela de Nicolás Maduro.
Qual, então, é o seu modelo de socialismo?
Dos conselhos democráticos populares.
É o comunismo?
Na verdade, é o povo governando, expropriando o capital.
O senhor foi eleito, tomou posse e enviou os primeiros projetos à Assembleia. Vai governar como?
Com os conselhos populares.
Mas isso não substitui a Assembleia, com os deputados estaduais eleitos.
Mobilizaríamos os trabalhadores. Haveria conflitos, claro. Governar é contrariar interesses.
O senhor quer mudar a ordem estabelecida, exterminar os outros poderes, tirar o equilíbrio que permite os contrapesos da democracia. Não há risco de isso virar autoritarismo?
Não, não, autoritarismo é o que temos hoje. Aliás, vamos falar sério, essa gente que fala de democracia faz parte de quadrilhas que roubam dinheiro público e dominam a política. Esses senhores seriam convidados a se retirar.
Quais senhores?
Os senhores que dominam a política. Nosso propósito é substituir essas instituições por conselhos populares, colocar todo o poder na mão do povo. Inverter a lógica.
Mas esses senhores têm legitimidade, foram eleitos pelo voto popular, a forma mais clássica de democracia.
Sim, mas em um regime antidemocrático, que serve à meia dúzia. Queremos um regime para todos, para os explorados e oprimidos, os que não têm nada, aqueles que foram deserdados, surrupiados, que são explorados.
Vamos falar em saúde. Qual sua proposta para reduzir as filas para exames, cirurgias?
Estatizar as clínicas, os laboratórios, os hospitais. No plano de obras públicas, construir centros especializados no Interior. O atendimento é mais rápido e eficiente. As empresas privadas não estão nem aí para a saúde das pessoas, querem é lucro.
O senhor é professor e a educação passa por uma crise. Como melhorar o ensino?
Educação de tempo integral. A escola tem de ser unitária, oferecendo todos os conhecimentos acumulados pela humanidade até os dias de hoje.
Estatizaria também as escolas privadas?
Com certeza. Educação não é mercadoria. Conhecimento é de todos, não é para enriquecer meia dúzia. A nossa proposta é a estatização.
O senhor não vai viver em litígio no governo?
Tudo é litígio na nossa vida. E a vida não é fácil para ninguém. Se queremos mudar alguma coisa e houver algum conflito, vamos encarar. Queremos mudar e é isso que as pessoas precisam entender.
Não dá para mudar por dentro do sistema?
Impossível. O PT já tentou e foi uma tragédia.