Vereador em primeiro mandato em Porto Alegre, Roberto Robaina (PSOL) quer se eleger governador para fazer do Estado o principal agente de desenvolvimento econômico. A estratégia passa por fim dos pedágios privados, substituição da agricultura de exportação pela produção familiar, criação de estatais e revisão dos incentivos fiscais concedidos às grandes empresas.
Aos 50 anos, Robaina concorre pela terceira vez ao Piratini. Ciente da grave situação das finanças públicas, propõe a moratória na dívida com a União e o combate feroz à sonegação de impostos como formas de colocar em dia os salários do funcionalismo. Enquanto isso não for possível, espera contar com a paciência dos servidores, numa espécie de pacto com a categoria.
— Não é um pedido de trégua, é um chamado para que a gente faça uma revolução no funcionamento da máquina pública — afirma.
Robaina é o segundo entrevistado da série de GaúchaZH sobre o que propõem e como pensam os postulantes ao governo do Estado. A publicação segue a ordem das entrevistas agendadas com as assessorias dos candidatos.
É 1º de janeiro e o senhor acabou de assumir como governador. Qual a primeira medida que pretende tomar para tentar solucionar, a curto ou longo prazo, o que considera o mais grave problema do Estado?
Chamar entidades de servidores para colocar em pauta dois temas. O primeiro é o pagamento em dia dos salários. Ao mesmo tempo, fazer uma discussão com auditores e técnicos da Receita para estabelecer um plano de aumento da arrecadação e combate à sonegação. É um pacto com os servidores. Pagar em dia e valorizar servidores é necessário para tirar o Estado da recessão.
Seria um pedido de trégua?
Não. É restabelecer a normalidade constitucional. Isso significa pagar em dia.
Já em fevereiro?
Não, assim que tiver recursos. O primeiro compromisso é o pagamento dos salários. O déficit no primeiro semestre é de R$ 1,5 bilhão. A sonegação é de R$ 8 bilhões. Necessitamos um esforço enorme dos servidores. Não é trégua, é um chamado para uma revolução no funcionamento da máquina pública.
O senhor fala muito em cortar isenções. Mexeria nas isenções da cesta básica?
Não, isso não é dominante nas isenções fiscais.
A maioria delas está prevista na Constituição. No que dá para mexer?
Tudo bem, mas e os R$ 10 bilhões de isenção para a indústria de cigarro? No mundo inteiro tem cobrança, aqui tem isenção. Indústria automobilística, aqui tem isenção e se discute no mundo todo uma política nova. Fora o exemplo que dou sempre, da Videolar, do Lírio Parisotto, que recebeu isenção fiscal de R$ 380 milhões e a contrapartida é gerar cinco empregos. Isso foi votado pela Assembleia, com exceção do PSOL. É uma indecência, quase três vezes o valor da cultura.
O PSOL tem apenas um deputado e, pela atual composição das forças políticas, a oposição ao senhor seria maioria. Como aprovar as medidas?
Isso não inviabiliza um governo.
Mas isso pode inviabilizar suas medidas.
Uma eleição do PSOL significa tomada de consciência. Não ficamos enrolando em campanha. Temos propostas claras e que indicam de onde vão sair os recursos. Ou pelo menos como vamos enfrentar a crise. Temos medidas que afetam os interesses dos poderosos. Quando falamos em cortar isenção de Videolar, John Deere, Philip Morris e Gerdau, estamos falando de grandes empresas que têm poder enorme. Essa mudança na consciência vai significar intensificação na pressão popular.
Não é utópico acreditar que a pressão popular é suficiente?
Maio de 1968, a rebelião que mudou muita coisa no mundo, tinha como slogan: sejamos realistas, exijamos o impossível.
O senhor propõe auditar a dívida e parar de pagá-la, mas a União pode bloquear as contas. Faz sentido essa medida?
Depende da União. Estamos em uma eleição nacional. O Brasil está discutindo que rumo vai tomar.
Mas qualquer um que se eleger dificilmente permitirá a moratória, só se Guilherme Boulos (PSOL) for eleito.
Se Boulos for eleito, está garantido. Ciro Gomes (PDT) fez um questionamento até da dívida das famílias no SPC. O país está se perguntando para onde vai. Os candidatos têm de dizer. Estamos disputando o governo de um Estado importante e temos de apontar o caminho para o país.
O governo Sartori atrasou o pagamento e os repasses da União foram bloqueados. Não teve efeito prático.
Teve. Sartori não pagou e o Supremo Tribunal Federal deu liminar para suspensão do pagamento. Numa crise grave temos de ter governantes que apostem numa mudança nos rumos e não no restabelecimento das condições que levaram à crise. O acordo de 1998 era péssimo, não mudou as condições.
O senhor concorda com o Regime de Recuperação Fiscal?
Isso não é um acordo. É um tratado de rendição. O governo do Rio Grande do Sul é rendido, subserviente à quadrilha que comanda o Palácio do Planalto.
Que termos teria um novo acordo com a União?
Não pagar a dívida e colocar na pauta a Lei Kandir. Se tem uma dívida da União com o Estado reconhecida de R$ 50 bilhões e tem formas de debater.
Em todas as eleições se fala em Lei Kandir, mas nunca se avançou na compensação.
É que o PSOL nunca governou o Estado.
Se o PSOL governar, vai reverter a Lei Kandir?
Haverá uma mudança revolucionária. Vamos repautar assuntos e fazer mudanças. Não coloco a dívida e a Lei Kandir como receita imediata. É uma luta política. Não depende só do Estado, mas da linha política. O Rio Grande tem força para pautar o país. E questiono a própria lei.
Quer acabar com a Lei Kandir? Não seria prejudicial, já que dá competitividade ao Estado nas exportações?
Sei, é uma contradição. Temos escolhas para fazer, mas são a longo prazo. Se quisermos fazer do Rio Grande um exportador de soja, mantemos a política. Não acho que seja bom ter como eixo da economia a exportação de soja. Vai nos desindustrializar.
E qual seria o eixo?
O Rio Grande do Sul teria de se apoiar nas universidades.
O eixo da economia deve ser as universidades?
Sim, apoiado nas universidades. Temos um investimento em São Leopoldo de uma empresa alemã de tecnologia. Vão aumentar a planta, contratar mais gente. Por que estão ampliando em São Leopoldo? Porque tem a Unisinos, porque está perto do Uruguai e da Argentina. Eles têm uma aposta em tecnologia e temos de apostar nisso também.
É deixar a vocação agrícola?
Abandonar o centro da vocação à exportação. Boa parte da produção é do pequeno agricultor. Como todo o incentivo é à exportação, sobretudo de soja, o pequeno está cada vez mais dependente porque ela é fácil de vender.
Se tirarmos a produção do campo que responde pela maior fatia...
Não vamos tirar. É, de forma progressiva, incentivar a pequena agricultura, responsável por 70% da produção de alimentos. Também apostamos na industrialização, se não vamos ficar para trás.
Então o senhor defende isenção fiscal para atrair indústrias?
Não sou contra isenção fiscal. Sou contra isenção que não se justifique. Por isso dou o exemplo da Videolar. Poderia dar o da Philip Morris, que recebeu incentivo fiscal de R$ 133 milhões para gerar 26 empregos. Não se justifica.
O senhor é favorável a alguma privatização?
Não. Sartori liquidou a Fundação de Economia e Estatística (FEE). Se tu vais fazer um plano de desenvolvimento para o Estado, não podes prescindir de técnicos, economistas, mestres e doutores. O Estado hoje não tem o cálculo do PIB. Sartori fecha a FEE e contrata a Fipe, uma empresa de São Paulo que não tem associação com o IBGE e não tem acesso aos dados. O Estado está sem diagnóstico de PIB. É um escândalo.
O seu plano fala na criação de uma empresa pública de transportes. Como seria?
Isso tem a ver com a política para a Região Metropolitana. É transporte coletivo. Toda a locomoção entre Porto Alegre e a Grande Porto Alegre é precarizada. São empresas com muito pouco controle público, com péssimo serviço, tarifas caras.
Mas com a empresa explorando o transporte? Vai ter ônibus, motorista, cobrador?
Explorando o transporte. Se a empresa privada explora é porque dá lucro. Não tem por que o poder público não entrar e ser elemento de regulação e controle.
E qual seria o custo disso? É viável?
Não temos estimativa detalhada. É viável num plano estratégico, não imediatamente.
Também está no seu plano acabar com os pedágios privados no Estado. Como financiar as obras?
É estratégico, uma concepção de Estado. Acho que precisa de uma política que vá qualificando e ampliando a EGR (Empresa Gaúcha de Rodovias).
A EGR assumiria os pedágios privados?
Exatamente. A experiência mais bem-sucedida foi a Concepa com a freeway. Foram quase 30 anos. Se a Concepa conseguiu funcionar por tanto tempo, por que não podemos ter uma empresa pública com capacidade de controle das rodovias?
Em cinco anos de vida, a EGR conseguiu duplicar quatro quilômetros.
É, mas o nível de sucateamento da EGR é grande. O tipo de cobrança de pedágio, por exemplo. Ela não tem uma política comercial com os padrões necessários para garantir uma expansão.
Teria de dar mais lucro? Vocês aumentariam as tarifas?
Sim, é possível.
Na segurança pública, qual será sua prioridade?
Não tem como resolver o problema sem uma mudança nacional. A política de drogas foge à alçada do Estado, mas a orientação do governador para a polícia, não. A nossa orientação será dar prioridade aos crimes contra a vida, e não aos crimes vinculados ao pequeno negócio de droga. Se quiser combater o grande traficante, não é na Restinga. Ele está nos bairros ricos, não nos pobres.
Mas é lá que tem tiroteio, bala perdida matando inocente.
Estão matando inocente em qualquer lugar. O sistema prisional tem de mudar. Hoje se prende muito e se prende mal. No sistema prisional do Rio Grande do Sul, 3% são homicidas, 30% estão ligados ao pequeno negócio de tráfico. Nos anos 2000, tínhamos 13 mil presos. Hoje são 40 mil e a situação piorou. Nossa prioridade é homicídio, latrocínio e feminicídio.
Como pagar o piso nacional do magistério?
Aumentando a receita do Estado e se comprometendo com os professores.
Em quatro anos e sem mexer no plano de carreira?
Sim. O salário é baixo. O plano de carreira dos professores é uma conquista que não tem de ser mexida.
Que proposta o senhor tem para melhorar o desempenho nos ensinos Fundamental e Médio?
As notas têm a ver, por um lado, com desvalorização dos professores. Outra questão importante é termos um plano de educação feito com os professores. Não pode ser de cima para baixo. Se construirmos um plano com o magistério, vamos melhorar.
O PSOL tem forte representação e influência nos sindicatos. Como se comportaria diante de uma greve do magistério?
As greves não podem ser tratadas como vi o prefeito Nelson Marchezan (de Porto Alegre) tratar os municipários. Isso é liquidar a relação do governo com o servidor. Acho que no nosso governo não teria greve.
Por alinhamento político?
Acho que um governo nosso significa uma mudança na tomada de consciência e um alinhamento no sentido de ter um plano de mudanças do Estado. Os servidores são os maiores interessados nisso e o povo pobre. As contradições não podem ser resolvidas desrespeitando os servidores e atribuindo a eles a responsabilidade da crise. Isso é ridículo.
No seu plano de valorização de servidores haveria metas, bônus por desempenho?
Acho que tem de ter meta, um plano conjunto com servidores. O serviço público precisa ter eficácia e combater a burocracia.
O senhor colocaria metas para os professores? Estamos falando de meritocracia?
Não, não. A ideia da meritocracia é espremer, tirar o couro do trabalhador. Não é esse o caso. Estou falando de metas construídas com a comunidade e que levem em conta a realidade local. Não precisa ter uma regra para todos. Tu podes estabelecer planos regionais, por escola. Tem de ser descentralizado e de baixo para cima.