A Câmara de Vereadores de Caxias do Sul rejeitou a cassação do mandato de Sandro Fantinel (sem partido) por 9 votos a 13. Eram necessários dois terços favoráveis — 16 dos 23 parlamentares — para aprovar a perda do mandato. A decisão foi tomada em sessão extraordinária que começou às 9h30min desta terça-feira (16). No entendimento de nove dos parlamentares, ele não feriu o decoro parlamentar após falas preconceituosas contra os baianos no plenário da Casa em 28 de fevereiro.
Na ocasião, Fantinel se referia aos trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves em situação análoga à escravidão, quando sugeriu aos produtores da Serra que "não contratem mais aquela gente lá de cima" e disse dos baianos que "a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor". Agora, Fantinel segue o seu mandato na Câmara pelo restante da Legislatura, que se encerra no final de 2024. Mesmo com a rejeição dos vereadores, o caso será notificado à Justiça Eleitoral.
Ao todo eram quatro denúncias. Em relação à denúncia que se referia às falas de Fantinel contra um ministro do STF em novembro de 2022, 22 vereadores optaram pelo arquivamento. Sandro Fantinel se absteve. A decisão seguiu parecer da Comissão Processante para essa denúncia.
Na segunda votação da tarde, quanto à primeira denúncia que pede a cassação de Fantinel pelas manifestações contra os baianos em 28 de fevereiro, nove vereadores decidiram pelo arquivamento (Fantinel precisava de oito votos), e 13 pela cassação. Fantinel se absteve.
A terceira denúncia votada se referia ao arquivamento do documento externo que pedia que o caso das manifestações contra os baianos fosse encaminhado à Comissão de Ética da Câmara. A decisão foi pelo arquivamento com 22 votos. Fantinel se absteve.
A quarta e última denúncia pedia a cassação do vereador Sandro Fantinel, também em função das manifestações contra os baianos. Na votação, os vereadores decidiram pelo arquivamento, por 9 votos a 13. Mais uma vez, Fantinel se absteve.
Relembre o caso
Declarações preconceituosas na Câmara
- No dia 28 de fevereiro, na tribuna da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, Sandro Fantinel fez discurso se referindo aos trabalhadores baianos resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. Na ocasião, ele sugeriu aos produtores locais que "não contratem mais aquela gente lá de cima", e disse que a "única cultura que (os baianos) têm é viver na praia tocando tambor".
Repercussão e abertura de processo de cassação
- As falas repercutiram nacionalmente, e geraram notas de repúdio inclusive dos governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Além disso, o parlamentar caxiense foi expulso do partido Patriota.
- Por causa das declarações, um processo de cassação contra Fantinel foi aberto na Câmara de Caxias dois dias depois do episódio, em 2 de março. Desde então, a Comissão Processante investigou as denúncias apresentadas contra Fantinel, e apresentou, em 11 de maio, o relatório com o parecer final favorável à cassação de Fantinel. Segundo o documento, as falas de Fantinel evidenciam "de forma clara e ampla a manifestação de preconceito em relação ao povo nordestino".
Caso foi parar na Justiça
- Em 13 de março, Fantinel foi indiciado pela Polícia Civil pelo crime de racismo. O delegado Rafael Keller, responsável pela investigação, afirmou que a decisão ocorreu por uma análise objetiva das imagens, e que "o fato se caracteriza como crime de racismo pelas falas que acabam discriminando pessoas em razão da procedência nacional".
- O Ministério Público acatou o indiciamento e denunciou Fantinel à Justiça pelo crime de racismo. Segundo a promotora Vanessa da Silva, em coletiva no dia 28 de março, a conduta do vereador se enquadra em racismo "por ter praticado e incitado discriminação e preconceito em nível nacional, causando repulsa e constrangimento a um número indeterminado de pessoas".
- Sandro Fantinel se tornou réu na Justiça do Estado por racismo. O juiz Rudolf Carlos Reitz, da 3ª Vara Criminal de Caxias do Sul, agendou o interrogatório de Fantinel e das testemunhas do caso para 28 de agosto.
Três pedidos de indenização
- Há três ações contra Fantinel que pedem indenização do vereador por danos morais coletivos. Um dos processos foi aberto pelo próprio MP, que pede uma reparação no valor de R$ 300 mil, que seria destinado ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados.
- O Ministério Público Federal (MPF) protocolou um pedido de indenização contra Fantinel no valor de R$ 250 mil. Sobre as declarações, o MPF classificou o discurso do vereador como "preconceituoso, odioso, de caráter xenofóbico e discriminatório". Na ação civil pública, o procurador Fabiano de Moraes entendeu que o vereador colocou as vítimas como culpadas da situação em que se encontravam.
- O terceiro pedido de compensação financeira foi feito por quatro ONGs ligadas a movimentos sociais de combate ao racismo e dos direitos humanos. As entidades pedem uma indenização no valor de R$ 1 milhão do parlamentar, com objetivo de obter "reparação de danos morais coletivos e dano social infligidos à população pobre e à população negra do Brasil".
Investigações no MPT e PF
- O Ministério Público do Trabalho (MPT) também oficiou uma investigação contra o parlamentar, porque, na avaliação do órgão, nas falas ele foi xenofóbico e culpou os trabalhadores pela situação análoga à escravidão.
- À Polícia Federal, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, encaminhou para investigação do órgão um discurso de 17 de novembro de 2022 do vereador Fantinel no Legislativo caxiense, no qual ele afirma que "um ministro do Supremo Tribunal participou de uma orgia com crianças fora do Brasil". Para Dino, a fala configura crime contra autoridade federal.
Retorno de Fantinel à Câmara
- Após o episódio, o vereador apresentou atestado e ficou afastado da Câmara durante 21 dias. Ele retornou ao plenário, cabisbaixo, no dia 21 de março, e não se pronunciou na sessão. No dia seguinte, dia 22, Fantinel se inscreveu para participar do Grande Expediente, e teve o espaço de 10 minutos para se pronunciar. Na ocasião, o parlamentar pediu perdão aos baianos pelas declarações, afirmou que "errou porque é humano" e garantiu que vai "aceitar a condenação desde que ela seja feita por quem nunca errou".
- Mesmo com as investigações nas esferas política e criminal, Fantinel seguiu exercendo normalmente a função de vereador. Ele participou das sessões, apresentou projetos e votou. O vereador, inclusive, mesmo investigado na Câmara, foi sorteado para compor a comissão processante de outro parlamentar, Lucas Caregnato (PT), que também é investigado por quebra de decoro.