A Câmara de Vereadores de Caxias do Sul rejeitou a cassação do mandato de Sandro Fantinel (sem partido) por nove votos a 13. A decisão sobre o caso que ganhou repercussão nacional nos últimos dois meses foi tomada em sessão extraordinária que começou às 9h30min desta terça-feira (16). No entendimento de nove dos 23 parlamentares, ele não feriu o decoro parlamentar após falas preconceituosas contra os baianos no plenário da Casa em 28 de fevereiro. Na ocasião, Fantinel se referia aos trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves em situação análoga à escravidão, quando sugeriu aos produtores da Serra que "não contratem mais aquela gente lá de cima" e disse dos baianos que "a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor". O processo de cassação contra Fantinel foi aberto em 2 de março, e a partir de agora o vereador segue o mandato na Câmara. Mesmo com a rejeição dos vereadores, o caso é notificado à Justiça Eleitoral.
No início da manhã, antes das 8h, havia fila na entrada principal do Legislativo para acessar o plenário, onde o público exibiu cartazes contrários à perda do mandato do parlamentar, ligando o nome de Fantinel aos agricultores e ao interior do município. Em conversa com a reportagem antes da sessão, Fantinel afirmou que estava com "o coração na mão", o que ficou evidente durante o restante da manhã, já que o vereador demonstrava nervosismo e levava as mãos ao rosto a todo momento.
Logo no início da sessão extraordinária, a defesa de Fantinel abriu mão da leitura de todas as peças dos pedidos de cassação do mandato, e optou apenas pela leitura do relatório com o parecer final da Comissão Processante. O relatório, favorável à cassação, tem 22 páginas. A leitura foi conduzida pelo relator da comissão, o vereador Edi Carlos (PSB). Enquanto ele lia o documento, a plateia se manifestava com gritos de ordem, contra ou a favor do vereador. A leitura foi encerrada por volta das 11h20min.
Após a leitura do relatório, os vereadores começaram a se manifestar. Cada um tinha direito a 15 minutos para fazer a manifestação oral. Dos 23 parlamentares, 11 falaram durante a sessão. O primeiro a falar foi Elizando Fiuza (Republicanos), que sinalizou ser contrário a perda de mandato de Fantinel, seguido por Clóvis de Oliveira "Xuxa" (PTB), que também se mostrou contrário à cassação. Mais tarde, Adriano Bressan (PTB) e Olmir Cadore (PSDB) também usaram o espaço para se manifestar contrários à denúncia. Na avaliação dos parlamentares, Fantinel pediu desculpas pelo erro e não poderia ser punido com a cassação, que foi considerada por eles como uma pena "exagerada".
Maurício Scalco (Novo) se manifestou, mas disse que iria aguardar a defesa se pronunciar para decidir seu voto – que, no final, foi contrário à cassação. Os outros seis vereadores que falaram antes da defesa explicaram os motivos de votarem a favor da perda do mandato. Estela Balardin (PT) e Rose Frigeri (PT) repudiaram o preconceito, afirmando que "não podemos aceitar", nas palavras de Estela. Marisol Santos (PSDB) fez um discurso incisivo, e lembrou aos vereadores que "julgar é, sim, uma das funções do legislador" e que "essa situação não é agradável". Rafael Bueno (PDT) e Felipe Gremelmaier (MDB) também falaram, e anteciparam o voto pela cassação.
— Fantinel é um cara que aprendi a admirar. Repudio 90% das falas dele, mas é um cara que defende seu ponto de vista — destaca Bueno, que acrescentou que não gostaria de ter que fazer isso.
Pedido de desculpas e emoção durante a defesa
A manifestação oral da defesa, que poderia se estender por até duas horas, começou com ao pronunciamento do próprio Sandro Fantinel, que lembrou a retirada do discurso dos anais da Casa, após acatar solicitação do vereador Lucas Caregnato (PT) na sessão em 28 de fevereiro. Fantinel também admitiu ter se excedido no episódio.
— A pergunta que mais me foi feita também foi pedida pelo vereador Edi Carlos: "Você se arrependeu por causa da repercussão ou pelo que disse?". A gente precisa levar um baque muito grande para mudar. A ideologia radical não faz mais parte da minha vida nesta casa. Não matei ninguém, não estuprei ninguém, não desviei e não maltratei ninguém. Tem gente que fez isso e hoje está perdoada — disse.
Passadas mais de três horas de sessão, por volta das 12h45min, a defesa de Fantinel começou os discursos. O advogado Rodrigo de Oliveira Vieira foi o primeiro a falar, e citou o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) para defender o mandato de Fantinel. Vieira disse que, na época, não concordou com a perda de mandato da presidente, embora não fosse eleitor dela.
Na sequência, Vinícius de Figueiredo foi o segundo advogado da defesa a falar. Figueiredo, que também defendeu o ex-prefeito Daniel Guerra no processo que culminou com a cassação dele, afirmou que Fantinel responde a 10 ações judiciais e que, em uma delas, o juiz entendeu que o vereador não deveria ser afastado do cargo.
Uma senhora de 80 anos ameaçada de morte é a falência da nossa sociedade
MOSER COPETTI DE GOIS
Advogado da defesa de Fantinel
— A morte patrimonial dele está decretada — definiu Figueiredo, acrescentando que o vereador deve mais de R$ 3 milhões somente em ações judiciais.
O defensor disse ainda que Fantinel salvou muitas vidas colocando comida na mesa delas, o que levou o vereador às lágrimas pela primeira vez durante a sessão extraordinária. Por volta das 13h10min, o último dos três advogados da defesa, Moser Copetti de Gois, foi até a tribuna e se referiu à mãe de Fantinel.
— Tem um coração que sangra e que quase parou por um princípio de infarto por causa das ameaças. Uma senhora de 80 anos ameaçada de morte é a falência da nossa sociedade — disse, antes de exibir um vídeo em que a mãe de Fantinel se manifestou, levando o parlamentar às lágrimas pela segunda vez.
— Nós estamos aqui para falar sobre meu filho, sobre as ameaças que sofremos. Passei muito mal. Sofremos muito, ele (Fantinel) sempre foi uma boa pessoa. Ele cuida de nós, faz tudo por nós — declarou Tereza Fantinel, a mãe do vereador, no vídeo exibido.
As votações derradeiras
Ao todo foram quatro denúncias avaliadas pela Comissão Processante e votadas na sessão. Duas pediam a cassação de Fantinel pelas declarações contra baianos – uma de autoria do ex-vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris, e outra das Defensorias Públicas do Rio Grande do Sul e da Bahia. Para as duas, a Comissão Processante emitiu parecer favorável à cassação, que foi rejeitado pelo plenário da Câmara na sessão desta terça por nove votos a 13 (Fantinel se absteve). Foi este resultado que determinou a rejeição da Câmara à cassação do vereador.
Uma terceira denúncia, patrocinada pelo PDT, requeria que o caso fosse encaminhado à Comissão de Ética da Câmara, e a quarta, assinada por Fabris, pedia a cassação de Fantinel pela fala contra um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em 17 de novembro de 2022, quando afirmou que "um ministro do Supremo Tribunal participou de uma orgia com crianças fora do Brasil". Para estas denúncias, a Comissão Processante pediu o arquivamento, o que foi acatado pela maioria do plenário. A exceção foi o próprio Fantinel que se absteve.
Com a decisão, Sandro Fantinel segue o mandato normalmente na Câmara a partir da sessão desta quarta-feira (17). Além das denúncias políticas, Fantinel é réu pelo crime de racismo na Justiça do Estado, após denúncia do Ministério Público. Ele tem uma audiência na Justiça marcada para 28 de agosto. Se for considerado culpado, ele perde o mandato e pode ser condenado de dois a cinco anos de prisão.
"Não posso aceitá-las", diz Dambrós sobre falas de Fantinel
Após o fim da sessão de julgamento, o presidente da Câmara, vereador Zé Dambrós (PSB), fez um pronunciamento à imprensa na Sala de Reuniões da Presidência da Casa.
— Entendo que o respeito às diferenças e às culturas precisa ser um direito garantido a todos. E as falas do vereador acabaram se transformando em ofensas à moralidade. Por isso, não posso aceitá-las. O parecer da Comissão Processante foi preciso, técnico e, na minha avaliação, coerente e justo. No entanto, a minha opinião é uma. E, aqui, como em todas as casas legislativas, a maior parte dos integrantes é quem decide — afirmou o presidente do Legislativo caxiense.