O vereador caxiense Sandro Fantinel (Patriota), ao abordar na sessão desta terça-feira (28) da Câmara de Caxias do Sul o caso dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão, em Bento Gonçalves, fez referência à contratação de trabalhadores baianos para atuar na vindima.
— Com os baianos, que a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema.
Ele sugeriu a agricultores, produtores e empresas agrícolas da região dar a preferência a "trabalhadores argentinos", que seriam "limpos, trabalhadores, corretos". A fala foi dita na sessão ordinária, no plenário da Câmara. Após a manifestação, a situação causou revolta e críticas por parte de outros parlamentares, como Lucas Caregnato (PT) e Rafael Bueno (PDT), além de um boletim de ocorrência registrado pelo deputado estadual Leonel Radde (PT).
Fantinel criticou a falta de mão de obra para o trabalho do campo, que se agrava no período de safra. Ele, então, abordou o caso de Bento Gonçalves, que chamou de "exagerado e midiático", e prestou sua solidariedade aos empresários e produtores rurais pelas "dificuldades de se empreender no setor". E citou, então, o relato de um ex-colaborador da empresa terceirizada, que fazia a contratação dos trabalhadores resgatados, em que afirmaria que os funcionários estariam "cansados, estressados e alguns de ressaca por uma noite de bebedeira". Na sequência, Fantinel citou um alojamento que visitou recentemente e criticou a situação encontrada.
— Sou contra qualquer tipo de maus-tratos a funcionários de qualquer área. Conheço vários produtores da Serra, conheço os alojamentos onde os funcionários ficam. São simples, humildes, mas são temporários. O importante é que sejam limpos. Por causa desse caso, visitei um alojamento aqui próximo de Caxias que o produtor me chamou para ir ver. Ele havia contratado os funcionários por 30 dias e cedeu o alojamento. Os caras trabalharam uma semana e meia e pediram as contas. Não dava para entrar no alojamento, com o fedor de urina e podre, e com a imundícia que eles deixaram em uma semana e meia. E a culpa é de quem? Agora o patrão vai ter que pagar empregada para fazer a limpeza todo dia pros "bonito" também? Temos que botar eles em hotel cinco estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho? — questionou o vereador.
Na sequência, o parlamentar caxiense pediu, como um conselho, para que os agricultores, produtores e empresas agrícolas "não contratem mais aquela gente lá de cima", e sugeriu que as empresas buscassem mão de obra argentina para trabalhar nas produções. Para Fantinel, a única cultura do povo baiano é "viver na praia tocando tambor", e por isso "era normal que se fosse ter esse tipo de problema", se referindo à situação análoga à escravidão.
Deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente
SANDRO FANTINEL
Vereador caxiense pelo Patriota
— Todos os agricultores que têm argentinos trabalhando, hoje só batem palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam. Em nenhum lugar do Estado, na agricultura, teve um problema com argentinos. Agora, com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente. Que isso sirva de lição. E vou mais longe: o problema foi tão grave, foi uma escravidão tão grave, que além dos caras voltarem bêbados para o trabalho, teve vários desse mesmo grupo que não quiseram ir embora, e quiseram permanecer na empresa e continuar trabalhando. Se estava tão ruim a escravidão, como que alguns do próprio grupo não quiseram ir embora? — declarou Fantinel.
Repercussões na Câmara
O vereador Lucas Caregnato (PT) se posicionou logo na sequência da fala de Fantinel, em questão de ordem, e pediu ao vereador do Patriota a retirada dos trechos "agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema" e "deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente" dos anais da Câmara.
— A gente acabou de se deparar com uma situação de xenofobia e preconceito ao povo baiano nas palavras do vereador Fantinel, então solicito que o vereador suprima sua fala, não desresponsabilizando ele do ato que acabou de acontecer neste parlamento — afirmou Caregnato, que teve seu pedido acatado por Fantinel.
Já Rafael Bueno (PDT) pediu que o Legislativo emita uma nota se desculpando pelas falas do vereador, pois, segundo ele, "vai ficar ruim para a Câmara". Zé Dambrós (PSB), presidente da Casa, afirmou que não será feita nota, pois "cada vereador tem livre arbítrio para suas falas e deve responder pelo que fala e pelos seus atos". Mais tarde, na sessão, após ser criticado pelo vereador Caregnato, Fantinel se explicou e afirmou não ter se referido a todo o povo da Bahia, de quem "não tem absolutamente nada contra".
— Minha fala era relacionada ao processo em andamento que aconteceu em Bento Gonçalves, que era relacionado a funcionários da Bahia. Quando eu falei da questão da imundícia, não quero ser atrelado à fala de outros parlamentares, era de uma questão aqui do interior, de trabalhadores que não eram nem nordestinos. Retirei partes da minha fala dos anais, porque muitas vezes aqui, no calor da emoção, dizemos uma palavra ou outra que não deveríamos, somos humanos e cometemos erros. Conheço situações parecidas no interior, e sei que muitas são forjadas e a culpa muitas vezes não é nem sequer dos trabalhadores, mas daqueles que forjam para ganhar nas costas deles. Temos sindicatos que não trabalham, fiscais que não trabalham.
O deputado estadual Leonel Radde (PT) afirmou, em publicação nas suas redes sociais, que registrou um boletim de ocorrência na policial contra a fala do vereador Sandro Fantinel, e disse que "o Rio Grande do Sul e o Brasil não são lugares para racistas, escravocratas".