Em entrevista coletiva de imprensa, a Polícia Civil anunciou nesta segunda-feira (13) que decidiu indiciar o vereador de Caxias do Sul Sandro Fantinel (sem partido) pelo crime de racismo pelas declarações feitas no plenário da Câmara Municipal, em 28 de fevereiro. Na ocasião, Fantinel fez discurso mencionando os trabalhadores baianos resgatados em Bento Gonçalves em situação análoga à escravidão.
— É uma análise objetiva dos fatos. Analisamos as imagens, o que foi dito, e o fato se caracteriza como crime de racismo pelas falas que acabam discriminando pessoas em razão da procedência nacional, ou seja, do local em que são originárias — explicou o delegado Rafael Keller, responsável pela investigação, durante a coletiva no Palácio da Polícia, em Porto Alegre.
A conclusão do inquérito será enviada ainda nesta segunda-feira ao Ministério Público, que vai decidir sobre denunciar ou não o vereador. Segundo o chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Fernando Sodré, o crime de racismo prevê pena de dois a cinco anos de prisão.
— Nós não temos dúvidas (de que houve crime de racismo). Primeiro, pela questão de procedência nacional, quando ele fala "não vamos mais contratar essa gente da Bahia". Depois nós vemos mensagens subliminares de racismo referente à origem e a cor quando ele fala que esse povo só sabe "tocar tambor". Isso remete à raça negra não só pela questão do samba, pela cultura, mas também pelas religiões de matriz africana e aí também vemos racismo no que tange à religião — afirma Sodré.
Discurso
O inquérito contra Fantinel foi instaurado pela polícia em 28 de fevereiro, mesmo dia em que o vereador usou a tribuna da Câmara de Caxias do Sul para afirmar que "com os baianos, que a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema." A declaração era referente às denúncias de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves.
No mesmo discurso, Fantinel sugeriu a agricultores, produtores e empresas agrícolas da região para dar a preferência a "trabalhadores argentinos", que seriam "limpos, trabalhadores, corretos". O discurso gerou reações imediatas de repúdio dos governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Também a Câmara Municipal de Caxias, onde o vereador é alvo de processo de cassação, emitiu nota de repúdio.
Apesar de o discurso ter sido proferido no plenário da Câmara Municipal, a polícia afirma que as falas de Fantinel não estão protegidas pela imunidade parlamentar.
— Temos três elementos que excluem a imunidade. Primeiro, isso não tem nenhuma vinculação com o mandato dele. Segundo, refere-se a um fato fora da jurisdição de Caxias do Sul, ou seja, essa imunidade material do vereador com falas que tenham a ver com o mandato dele se refere ao local onde ele exerce a vereança e não todos os municípios do Brasil. E o terceiro é que não há liberdade de expressão nem liberdade política para fazer uso de falas discriminatórias — destaca Sodré.
O delegado explicou que não havia elementos para solicitar a prisão do vereador e, por isso, ele responderá em liberdade.
— É um crime inafiançável e imprescritível. Ele vai responder inevitavelmente desde que o Ministério Público e o Judiciário entendam na mesma linha que a nossa (de que houve racismo) — afirma Sodré.
— Essas apurações e investigações têm um caráter pedagógico porque elas acabam sinalizando para a sociedade que as pessoas têm que mudar certas práticas, muitas vezes arraigadas, porque aquilo não tem mais espaço na sociedade. E, se praticar, será responsabilizado criminalmente. Indiretamente acaba tendo um efeito pedagógico — explica o chefe de Polícia.
Em paralelo à investigação da Polícia Civil, Fantinel é alvo de processo de cassação no legislativo do município.
A reportagem entrou em contato com o vereador, que prefere se manifestar por meio do seu advogado. Em nota, a defesa afirma que "trabalhará incessantemente na mitigação dos efeitos do indiciamento" e que buscará a aplicação de "medidas despenalizadoras".
Confira a nota da defesa de Sandro Fantinel:
"A defesa do Vereador Sandro Fantinel, composta pelos advogados Vinícius de Figueiredo e Rodrigo de Oliveira Vieira, tomou conhecimento, na tarde de hoje, do indiciamento feito pela Polícia Civil. Em seu depoimento, o Vereador demonstrou profundo arrependimento, admitindo que se excedeu na fala. O crime é considerado de médio potencial ofensivo e a defesa trabalhará incessantemente na mitigação dos efeitos do indiciamento, buscando, no caso concreto, a aplicação de medidas despenalizadoras, as quais são indicadas para essas situações."