Uma operação que combate suposto caso de trabalho análogo à escravidão foi deflagrada na noite desta quarta-feira (22) em Bento Gonçalves. Agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) executam uma ação de fiscalização na regularidade de contratação de pessoas que atuavam na colheita da uva e abate de frangos no município.
Os policiais e funcionários do MTE saíram de Caxias do Sul por volta das 19h15min e chegaram a Bento Gonçalves pouco depois das 20h. Eles foram até uma pousada, na Rua Fortunato João Rizzardo, bairro Borgo, onde os trabalhadores estariam hospedados. Sem previsão de término do trabalho, os fiscais do MTE trabalhavam no final da noite desta quarta-feira na entrevista dos homens, que seriam cerca de 150. No refeitório da pousada, cada um é escutado individualmente para coleta do relato. Segundo esses fiscais, ainda não é possível confirmar se haverá resgate dos trabalhadores.
O caso foi denunciado por um grupo que conseguiu fugir do suposto esquema e procurar a PRF em Porto Alegre. Eles relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a serra gaúcha para atuarem para uma empresa que presta serviços a uma vinícola. Que trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas aos sábados. Ainda denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada. Contaram que supostamente só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário, então, os trabalhadores acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração. Disseram ainda que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os empregadores ameaçariam os familiares, que vivem no Estado nordestino.
A reportagem entrou na pousada onde os trabalhadores estavam desde o dia 2 de fevereiro. O local possui quatro andares de alojamento, com quantidade de camas que varia conforme o tamanho do quarto. Alguns possuíam um beliche, outros três e quatro acomodações. Era possível observar colchões e chão sujos, além de forte mau cheiro. Conforme relato dos trabalhadores, os lençóis também não eram trocados.
De acordo com o MTE, já foram feitas operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas e superlotação e questões de higiene. No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro. As origens deles são, principalmente, baianos, argentinos e indígenas, alguns, inclusive, com menos de 18 anos de idade.
Segundo o gerente regional do MTE, Vanius Corte, o enfoque das ações fiscais, num primeiro momento, é a formalização dos contratos de trabalho e verificação das condições dos alojamentos.
— Em relação a outras culturas, a uva está muito atrasada nas questões das formalizações dos vínculos empregatícios — disse.
Posteriormente, será realizada uma audiência pública para buscar uma adequação do setor. Nesta audiência, serão chamados os representantes dos produtores, os sindicatos, as vinícolas e as secretarias municipais de Agricultura. Não há data marcada.
Na próxima safra haverá um incremento nas fiscalizações.
Os responsáveis pelo mercado e pousada não foram localizados pela reportagem de Pioneiro até a publicação desta reportagem.
Colheita da uva
Na quinta-feira (23), a reportagem apurou que os trabalhadores eram ligados à empresa terceirizada Oliveira & Santana, que fornecia a mão de obra para produtores para a colheita da uva e também para três vinícolas, para atuar no descarregamento de uva pós-colheita. As vinícolas seriam Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.
Por meio de assessorias de imprensa, as três empresas citadas na operação se manifestaram.
O que diz a Aurora:
"NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos."
O que diz a Salton:
"A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo."
O que diz a Cooperativa Garibaldi:
"Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos."