A Serra lidera o ranking de regiões no Rio Grande do Sul com mais resgates de pessoas em situação análoga a de escravos neste ano. Dos 107 resgatados, 94 foram na área serrana do Estado, apenas em abril. Os dados são do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) até 22 de maio.
Segundo o gerente do MTP em Caxias do Sul, Vanius Corte, em todo o 2021, 76 pessoas foram resgatadas no RS, ou seja, os casos registrados no período entre 1º de janeiro e 22 de maio de 2022 já representam um aumento de quase 41% em relação ao ano passado.
Há um mês, o município de Bom Jesus teve um resgate de 80 pessoas, o maior na história do Estado, quando o Ministério do Trabalho, o MPT e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) receberam a denúncia de que trabalhadores estavam em situação análoga à escravidão, na localidade de Morro Chato. Eles também foram vítimas de tráfico de pessoas e de promessa enganosa de emprego. Todos vieram da região Nordeste do Brasil.
— Na área rural é mais comum porque vem muito trabalhador por conta de safra. Tem muita produção agrícola, porque tem a produção da maçã, tem batata, tem alho, e onde são necessários trabalhadores temporários. Como eles (contratantes) têm necessidade de trazer trabalhadores para essas atividades temporárias, eles acabam recrutando isso de alguma maneira, porque quem tem o trabalho diário não vai fazer isso, quem tem emprego fixo não vai querer, quem vem para esse tipo de atividade às vezes são trabalhadores que fazem isso o ano inteiro, circulando de safra em safra para conseguir serviço — explica Corte.
Um outro resgate na região em abril, no dia 6, foi em São Francisco de Paula, quando 14 indígenas foram resgatados após trabalharem na colheita do alho, sem receber pela atividade e morando em condições precárias. Os outros casos no Estado ocorreram em São Borja (sete pessoas), Putinga (quatro), Campo Bom e Quaraí (uma pessoa resgatada em cada).
— No caso da condição análoga a de escravos, o menor dos problemas é essa multa administrativa. Além das infrações, essas pessoas têm que parar de trabalhar no local, o empregador tem que fazer o pagamento de tudo que ele deixou de pagar. Ele vai ter que reconhecer o vínculo de emprego com essas pessoas, pagar o salário que ele não pagou ou que não tenha comprovante e pagar a rescisão do contrato — informa o gerente do MTP sobre as penalidades ao empregador.
De acordo com Corte, encerrada essa parte inicial do afastamento do trabalhador, começa um outro processo porque a situação também é crime. Então, é feita uma representação fiscal para a Polícia Federal (PF), para apuração:
— Esse empregador vai responder um processo crime por conta disso, com inquérito feito pela PF, julgado pela Justiça Federal. Além disso, isso vai para o MPT (Ministério Público do Trabalho) também, e vai chamar esse empregador ou para fazer os ajustes de conduta ou ingressar com uma ação civil pública contra esse empregador por conta da ação dele, normalmente cobrando indenizações por dano moral coletivo, por conta dessa situação.
Existe uma lista que consta o nome de todos os empregadores que mantiveram empregados nesta condição. Ela é atualizada a cada ano, é pública e consultada por outros municípios, estados e países. Uma vez que o empregador para a lista, ele permanece por cinco anos. Depois, sai do rol se não for reincidente.
— Quando o nome do empregador entra nessa lista, ele, por exemplo, não consegue empréstimo em instituições oficiais, não consegue mais benefícios fiscais que são dados para os empregadores, e em alguns casos esse empregador não comercializam para fora por questões de responsabilidade social — destaca.
Corte reconhece que as equipes não conseguem identificar todas as situações irregulares, visto que dependem de denúncias da população.
— Temos visto que tem acontecido com mais frequência esse tipo de situação, só os números deste mês são autoexplicativos. A situação está bem difícil e talvez a gente esteja pegando menos situações do que realmente acontece, porque a gente fica sabendo muito por denúncia — lamenta o gerente.
Qualquer pessoa pode denunciar, se preferir, anonimamente, através do Disque 100.
"Tem que dar graças a Deus que tem trabalho"
Para o procurador do MPT, Rodrigo Maffei, ao invés de haver uma evolução sobre o tema, parece haver um retrocesso com o aumento dos números.
— As justificativas, embora não consigam se justificar, são sempre as mesmas. Eles (contratantes) acham que, muitas vezes, esse pessoal que vem de fora vive situação pior lá (nas cidades de origem) do que aqui, então tem que "dar graças a Deus que tem trabalho". Tem esse tipo de argumento mais para o lado social e acho que eles contam também com a impunidade. No fundo, acho que o principal motivo é a ganância, é a exploração da mão de obra a qualquer custo, sem observar a lei em benefício do lucro — analisa Maffei.
Assim como o Ministério do Trabalho, o Ministério Público também solicita o maior engajamento da população nas denúncias dos casos suspeitos, para que haja uma investigação.
— Embora o MTP tenha fiscalizações de rotina no âmbito rural e, nós, do MPT, tenhamos um trabalho preventivo e setorizado, como é o caso da colheita da maçã, ainda assim é de extrema importância que a sociedade como um todo se engaje nessa temática e denuncie, porque como temos uma limitação de atuação por questões materiais, é muito importante que seja feita a denúncia. Temos um site super acessível e que a população pode fazer denúncia inclusive anônima e, claro, quanto mais detalhes em relações aos fatos, mais fácil fica para a gente direcionar essa investigação — comenta o promotor.
As denúncias para o MPT podem ser feitas no site.