Causou surpresa o sorteio do vereador de Caxias do Sul Sandro Fantinel (sem partido) para integrar a Comissão Processante que vai investigar o também vereador Lucas Caregnato (PT). Caregnato é alvo de processo de cassação, aberto nesta terça-feira (2), por quebra de decoro parlamentar após tumulto em audiência pública da Maesa (em 25 de abril). Isso porque Fantinel também responde a um processo de cassação na Câmara de Caxias, após as falas preconceituosas contra baianos no plenário (em 28 de fevereiro). Para o setor jurídico do Legislativo, a lei não proíbe que ele integre o grupo.
São duas as leis que estabelecem as regras, prevendo as investigações de servidores no setor público. A Lei federal 9.784, de 1999, regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal. Já o Decreto-Lei (DL) 201 de 1967 dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores (veja abaixo o que dizem as legislações).
No entendimento do advogado e professor de Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa, Antônio Augusto Mayer dos Santos, não há impedimento na legislação federal para a participação de Fantinel na Comissão Processante. Segundo Santos, por se tratar de agentes políticos, e não servidores públicos, aplica-se o DL 201/67, que garante a atuação plena do parlamentar mesmo enquanto responder processo.
O advogado e ex-vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris de Abreu, no entanto, tem outra leitura sobre a situação. Na interpretação de Fabris, o DL não trata de impedimento e suspeição.
— Mas esses institutos decorrem do princípio constitucional do devido processo legal. Portanto, vigem no sistema legal e são aplicáveis em qualquer processo judicial ou administrativo. Se o DL não prevê, devem ser buscados na legislação aplicável, neste caso, a lei federal que disciplina o processo administrativo — avalia.
Por meio da assessoria de imprensa, o setor jurídico da Câmara de Caxias afirmou que a Lei 9.784/99 trata do processo administrativo no âmbito federal, e que não tem relação com o processo de cassação de mandato de vereador. "A rigor, o que a gente faz é seguir o Decreto-Lei 201/67, e ele não prevê nada no sentido de impedimento", diz a nota. Ou seja, na interpretação do jurídico do Legislativo caxiense, Fantinel pode participar da Comissão Processante que investiga outro vereador, mesmo que seja alvo de outro processo de cassação concomitante.
A Câmara, entretanto, não soube explicar o que acontece se Fantinel for cassado. Ele foi escolhido como o relator do processo de Caregnato, mas pode deixar o cargo durante o processo se os vereadores decidirem pelo impedimento dele em votação no plenário, que ocorrerá este mês. No caso da cassação de Fantinel, quem assume a cadeira no Legislativo é o suplente Hiago Stock Morandi (Patriota). Sobre a relatoria na Comissão Processante, a Câmara não confirmou se o suplente também assume a função, ou se é feito novo sorteio. Segundo o advogado Antônio Augusto dos Santos, essa questão não traz uma solução expressa na legislação.
— Contudo, o suplente, em caso de cassação de mandato, é suplente deste (cargo de vereador), mas não da comissão. A questão passa por novo sorteio, até que algum integrante da Casa possa fazer parte da Comissão e assumir o encargo da relatoria — explica Santos.
O que dizem as legislações
- Lei federal 9.784 de 29 de janeiro de 1999
No texto da legislação de 1999, o artigo 18 diz que os servidores ou autoridades são impedidos de atuar em processo administrativo se tiverem interesse direto ou indireto na matéria. Além disso, não podem participar da ação se estiverem "litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro". A lei também estabelece que a autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato e abster-se de atuar, e a omissão do dever de comunicar o impedimento "constitui falta grave, para efeitos disciplinares". - Decreto-Lei 201 de 27 de fevereiro de 1967
O Decreto-Lei traz, no artigo 7º, que a Câmara poderá cassar o mandato de vereador quando "proceder de modo incompatível com a dignidade da Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública". No artigo 5º, que define os ritos do processo de cassação para prefeitos e vereadores, fica estabelecido que a denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Além disso, o texto diz que "se o denunciante for vereador, (este) ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão Processante", e que "será convocado o suplente do vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão Processante".
Como os textos são interpretados
- Setor jurídico da Câmara de Vereadores de Caxias
"A Lei 9.784/99 trata do processo administrativo no âmbito federal. Não tem nada a ver com o processo de cassação de mandato de vereador. É claro que o Judiciário pode intervir e até anular o sorteio sob algum fundamento extralegal, mas isso pode acontecer em qualquer caso e com qualquer decisão tomada pela Câmara. A rigor, o que a gente faz é seguir o Decreto-Lei 201/67 e ele não prevê nada no sentido de impedimento." - Ricardo Fabris de Abreu, ex-vice-prefeito de Caxias do Sul
"A Câmara pautar-se somente no DL 201/67 é equivocado. Esse decreto não trata de impedimento e suspeição, mas esses institutos decorrem do princípio constitucional do devido processo legal. Portanto, vigem no sistema legal e são aplicáveis em qualquer processo judicial ou administrativo. Se o DL não prevê, devem ser buscados na legislação aplicável, neste caso, a lei federal que disciplina o processo administrativo. Cassação, recordemos, é processo político-administrativo. Fosse processo judicial, usaríamos o DL 201/67 e o CPC (Código de Processo Civil). Fosse processo penal, como o que Fantinel responde por denúncia do MP (Ministério Público), utiliza-se o DL 201 e o Código de Processo Penal. Nenhum mistério. Impressiona a assessoria jurídica da Câmara insistir no erro." - Antônio Augusto Mayer dos Santos, advogado e professor de Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa
"Na legislação federal de regência, não há impedimento (de Fantinel participar da Comissão Processante). Aquele que responde processo segue no exercício do mandato, apto para todos os demais atos da vereança. Ninguém aí é servidor público, eles são agentes políticos, vereadores. (Aplica-se o) DL 201/67. Já atuei em uma dezena de processos desta natureza e jamais se utilizou esta lei, inaplicável à espécie."