Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Neste país surpreendente, a cada dia, o positivismo – doutrina que parecia repousar com Júlio de Castilhos no cemitério da Santa Casa – ressurge com destaque na mídia, junto com a interpretação que o responsabiliza pelos males econômicos e sociais do Brasil. As ideias do francês August Comte ganharam mais adeptos na América Latina do que em seu país, com auge no final do século 19. Reduzi-las a mero atraso é, no mínimo, uma leitura tosca da história.
Claro que há teses positivistas hoje superadas ou contestadas, como a neutralidade da ciência, a crítica à separação dos poderes de Montesquieu, em prol da supremacia do Executivo, e mesmo o orçamento equilibrado como dogma, em matéria de economia. Mas as ideias e seu significado não podem ser analisados fora do contexto, uma primária obviedade.
A exaltação ao progresso, inserida na bandeira nacional junto com a ordem, ao final do Império caía como uma luva no imaginário das elites civis e militares que apoiavam a república, a abolição dos escravos, a moralidade administrativa e o Estado laico, bem como o fim do senado vitalício, do voto censitário (por nível de renda) e dos títulos de nobreza. Sua influência cresceu entre a jovem oficialidade do Exército após a Guerra do Paraguai graças à influência de Benjamin Constant, professor da Escola Militar da Praia Vermelha. A vivência do interior profundo gerava a consciência de um país “atrasado”, gênese da concepção de subdesenvolvimento. Os positivistas não acreditavam que as mudanças viriam espontaneamente – pela “lei natural” ou pela mão invisível do mercado ou divina –, mas deveriam ser induzidas. Daí a crença na educação, na ciência, na tecnologia e na cultura como bases do progresso. Os servidores públicos deveriam ser selecionados por competência técnica, e não por seguir pretensos gurus.
Entender tudo isso como causa das mazelas do país é não só desconhecer o passado, mas respaldar o forte movimento que desestimula os jovens ao estudo, desdenha das universidades, prefere a astrologia à astronomia, contesta vacinas, prega que a Terra é plana e o sectarismo religioso, em um país em que católicos, protestantes, espíritas, judeus e adeptos das demais religiões convivem civilizadamente. Voltamos à agenda não do século 20, mas do 19.
Haja paciência.