Deputados e senadores receberam com prudência o anúncio do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que vai propor desvincular receitas e despesas da União. Parlamentares aguardam detalhes, em especial, sobre saúde e educação, que hoje contam com reserva de percentual mínimo de recursos públicos.
Aliados do Palácio do Planalto ainda temem que a discussão do tema possa dispersar o foco em torno da reforma da Previdência. Para economistas, a medida poderá ter impacto limitado, já que os gastos federais corroem mais de 90% do valor disponível para projetos e custeio da máquina pública.
Atualmente, grande parte do que é arrecadado pela União é consumido com juros e dívidas, repasses para Estados e municípios e investimentos em estatais. Pagamentos obrigatórios, como aposentadorias e pensões, salários do funcionalismo, repasses para saúde e educação e programas previstos em lei, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, ficam com o restante. Após esses pagamentos, sobram cerca de 9% para investimentos prioritários do governo federal.
– Poderá desvincular e permitir que o governo direcione como bem entender as verbas, mas, com isso, desabastecer setores muito importantes como educação e saúde – diz o senador Lasier Martins (Pode-RS).
O texto deverá ser protocolado até o início de abril por um senador aliado ao Planalto. O mais cotado para a função é o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Segundo ele, a proposta vai ao encontro dos apelos de governadores e prefeitos que enfrentam dificuldades financeiras e estão pressionando a União por saída. Caso seja aprovada, a mudança também irá incluir Estados e municípios.
– O controle total do orçamento pelo Congresso é interessante, afeiçoada ao parlamentarismo. Mas a desvinculação é o sonho de todo ministro da Economia, então aí não tem novidade – pontua o senador Esperidião Amin (PP-SC).
Apesar do temor de aliados com a perda de foco, a estratégia do Planalto é manter duas discussões paralelas: a Previdência na Câmara e a desvinculação no Senado. Ao mesmo tempo, há estudos para socorrer financeiramente Estados que estejam fazendo ajustes em suas contas, em uma iniciativa semelhante ao plano de recuperação idealizado pelo ex-presidente Michel Temer. O governo conta com os governadores para a aprovação das mudanças nas aposentadorias.
A burocratização dos gastos da União é criticada por Gustavo Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas. Mas ele destaca que há diferenças entre vinculação e engessamento. Por isso, defende a manutenção da garantia de recursos para educação e saúde, mas com liberdade para o gestor decidir para onde irá canalizar o dinheiro nas áreas.
– Há setores cuja a natureza das políticas públicas é a médio e longo prazos, pode demorar 20 anos. O gestor vê o ciclo eleitoral e quer resultados a curto prazo, o que pode reduzir recursos para saúde e educação.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a medida, necessariamente, não significa menos dinheiro para a área.
Impacto para Estado e municípios é dúvida
Os planos do ministro da Economia, Paulo Guedes, de acabar com as despesas obrigatórias para tornar os orçamentos públicos menos engessados tendem a ter impacto reduzido na crise financeira do Estado, pelo menos no curto prazo. Apesar disso, o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, classifica a mudança como positiva e diz que é preciso aguardar o detalhamento para avaliação mais precisa.
Hoje, a Constituição federal exige que os governos estaduais apliquem, no mínimo, 25% da receita líquida de impostos e transferências em educação e 12% em saúde. No caso do ensino, o Rio Grande do Sul repassou, em média, 29,6% por ano para a área, entre 2003 e 2018, segundo levantamento de ZH com base em dados da Fazenda.
Uma das razões para esse percentual é o custo da folha de pagamento – o magistério é uma das categorias mais numerosas, e 90% do orçamento da pasta é usado para pagar salários. Mesmo que a proposta de Guedes seja aprovada, os contracheques dos professores continuarão sendo depositados.
Quanto à saúde, o Estado vem cumprindo a regra constitucional de forma rigorosa desde 2012, mas a falta de recursos é notória. Ao assumir o mandato, o governador Eduardo Leite herdou passivo próximo de R$ 1 bilhão com hospitais e municípios – e o seu antecessor, José Ivo Sartori, nunca destinou menos de 12% ao setor.
– Essas desvinculações não terão efeito imediato nenhum para as finanças do Estado. Teoricamente, podem desengessar o orçamento, mas, na prática, é muito difícil que isso aconteça. Com a reforma da Previdência, o custo da folha pode cair e, aí assim, pode ser que a situação mude, mas vai demorar – projeta o especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos.
Embora concorde, Cardoso faz algumas ressalvas:
– Poucas medidas teriam impacto brusco nas contas do Estado. A análise do impacto reduzido não está incorreta, mas ainda não tivemos acesso ao que o governo federal vai, de fato, propor. A desvinculação é positiva porque, hoje, não se pensa na qualidade do gasto. Pensa-se apenas na quantidade.
O orçamento anual do Estado, segundo Cardoso, é de cerca de R$ 73 bilhões. Tirando as despesas obrigatórias com pessoal e dívida e as vinculações constitucionais, sobram de 3% a 5%, no máximo. O secretário lembra que, além das grandes vinculações, há subdivisões e há, também, receitas específicas que só podem ser usadas para determinados fins. Dependendo do que estiver contemplado no texto, Cardoso avalia que pode haver impactos importantes, ainda que limitados em relação ao todo.
Prefeituras cobram divisão tributária
Como exemplo, cita o caso recente da mudança nas licenças-prêmio pagas aos servidores (transformadas em licença-capacitação). O custo médio mensal desses benefícios é de R$ 15 milhões – pouco, diante do tamanho do rombo. Mas, em 2017, 2018 e janeiro de 2019, tais indenizações consumiram R$ 407,8 milhões dos cofres estaduais, o suficiente para concluir a duplicação da RS-118.
— Imagina se a alteração nas licenças tivesse acontecido há 10 anos. Hoje o impacto seria muito maior. Também devemos olhar a questão das desvinculações no longo prazo — compara Cardoso.
Nas prefeituras, a principal dúvida a respeito das intenções de Guedes — e da chamada "PEC do pacto federativo" — vai além da possível desvinculação de despesas do orçamento. Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi diz que a grande questão, para os prefeitos, é saber se haverá a redistribuição dos tributos:
— Antes de discutir o que será desvinculado e como isso vai acontecer, precisamos saber quais serão as responsabilidades dos municípios, dos Estados e da União e qual será a participação de cada um no bolo tributário.
Para Aroldi, é difícil avaliar o impacto do fim dos percentuais obrigatórios de aplicação em áreas como saúde e educação sem conhecer o texto em detalhes.
Ele diz esperar a presença do presidente Jair Bolsonaro e de Guedes na 22º Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, em abril.
— Guedes tem usado os seguintes termos: desvinculação, desindexação, desobrigação e descentralização, o que, aliás, é muito importante. Agora, precisamos entender de que forma isso tudo vai acontecer e se isso efetivamente vai beneficiar a população — conclui Aroldi.