Concebida por Oscar Niemeyer para simbolizar a harmonia e independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário, a Praça dos Três Poderes abriga uma guerra não declarada em Brasília. Ao investigar o presidente Michel Temer e afastar do mandato dois parlamentares no exercício do cargo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) se tornaram alvos do Planalto e do Congresso.
Receando pela própria sobrevivência política, os aliados de Temer não se constrangem em descumprir decisão judicial e fustigar o procurador-geral, Rodrigo Janot, e o relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin. Antes restrita a insinuações maldosas em conversas à boca pequena, a discórdia ficou explícita, principalmente após a denúncia de que o Planalto teria acionado o serviço secreto para investigar Fachin e o Senado relutar em cumprir a decisão do STF de afastar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato.
– Temos um governo catastrófico, cujo único programa é a defesa criminal do presidente, um Congresso submisso ao Planalto e um Supremo sem controle, onde todos os ministros falam, mas não há coesão alguma. Todos os poderes extrapolam e se enfraquecem diante dos outros – diagnostica o jurista Gilson Dipp, ex-ministro de tribunais superiores.
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Os ânimos serenaram com um recuo estratégico de ambos os lados, mas as manobras de bastidores persistiram. Consciente de que Janot está prestes a pedir abertura de ação penal contra Temer, na qual irá classificá-lo como chefe de uma organização criminosa, o Planalto trama com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma forma de arquivar o mais rápido possível a denúncia.
– O Congresso está tentando cobrir o ralo. É um embate para salvar a alma do governo. Montesquieu está rodopiando no túmulo – comenta o cientista político David Fleischer, em alusão ao filósofo francês que criou a teoria de separação entre os poderes.
Rodrigo Maia cogita até mesmo suspender o recesso da Câmara, previsto para começar em 18 de julho. O Planalto, porém, gostaria de votar a denúncia antes, já que a base aliada tem cerca de 220 deputados – número superior ao mínimo de 172 votos exigido para barrar o procedimento. Neste caso, o plano do governo é votar logo e esperar que o recesso do Congresso e do Judiciário sirva para baixar a temperatura da crise.
– Enterra e depois vem o recesso pra aliviar – admite um assessor palaciano.
A pressa do governo levou Janot a revisar a estratégia. Para manter o Planalto acuado, o procurador pretende esperar até o fim do mês e já cogita fatiar a denúncia original, ampliando o leque de crimes atribuídos a Temer, incluindo também lavagem de dinheiro. Por enquanto, o presidente é investigado por organização criminosa, obstrução da Justiça e corrupção passiva. Uma nova acusação permitiria o pedido de pelo menos duas ações penais contra o mandatário.
Como a apreciação da denúncia pela Câmara precisa ser feita em votação nominal, com os deputados declarando sua posição de viva voz no microfone do plenário, o objetivo é constranger os parlamentares diante de uma sucessão de investidas judiciais contra Temer. No Supremo, Janot age em dobradinha com Fachin. O ministro pretende cumprir todos os prazos processuais, o que retardaria a chegada da denúncia à Câmara em pelo menos 20 dias, implodindo o plano do governo de votar antes do recesso.
A proximidade entre juiz e acusador causa incômodo no STF. Reservadamente, alguns ministros reclamam da postura de Fachin e da suposta proteção que ele recebe da presidente da Corte, Cármen Lúcia. São corriqueiros os comentários de que foi ela quem arquitetou a ida de Fachin para a segunda turma do STF, que julga a Lava-Jato, em substituição a Teori Zavascki, morto em janeiro. Fachin também é criticado por tomar decisões com graves consequências políticas sem avisar com antecedência os colegas de toga, como fazia Teori. Um dos críticos contumazes de Fachin é Gilmar Mendes, amigo e conselheiro de Temer, autor do voto que manteve o mandato do presidente em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
– Há uma imaturidade institucional absurda. Discussões deploráveis, atitudes rasteiras. As autoridades não percebem que não são donas dos cargos. Todo esse confronto mostra que não há mais harmonia e independência entre os três poderes, apenas agressividade e conveniências – avalia Dipp.