Neste mês de dezembro, o valor nominal do dólar em relação ao real atingiu o seu recorde histórico, chegando à marca de R$ 6,26. Mesmo com uma leve queda nas últimas semanas após intervenção do Banco Central, que injetou bilhões de dólares no mercado, a variação positiva do dólar em 2024 chegou a 27%, a sexta maior ao longo de um ano desde a adoção do Plano Real, em 1994.
O dólar terminou 2023 a R$ 4,84, em valores nominais. Nesta segunda-feira (30), a última sessão do mercado no ano fechou com a moeda cotada a R$ 6,173.
O crescimento em 2024 também é o maior desde 2020, primeiro ano da pandemia global de Covid-19 (veja o histórico completo de variações anuais ao final da reportagem).
Evolução histórica
No primeiro ano da série histórica, em 1995, o dólar alcançou 15% de valorização sobre o real. Quatro anos depois, em 1999, a moeda norte-americana teve o seu primeiro grande pico de crescimento em relação à moeda brasileira, fechando o ano com aumento de 48% ante o final de 1998, passando de R$ 1,20 a R$ 1,78. Naquele ano, o crescimento, até hoje o segundo maior da série histórica, foi impactado em grande parte pela transição do regime de câmbio fixo para o flutuante no Brasil.
Três anos depois, em 2002, ocorreu a maior valorização anual do dólar em relação ao real registrada até hoje. Naquele ano, o crescimento da cotação foi de 52,3%, com o valor nominal da moeda passando de R$ 2,32 a R$ 3,53.
— Houve um receio muito grande do mercado em relação à eventual eleição do Lula. Se especulava que ele fosse adotar outros tipos de políticas econômicas, descontinuar políticas do governo anterior, e isso provocou uma desvalorização bem significativa do real. Inclusive, perto da eleição, o valor nominal chegou até perto de R$ 4,00, mas no final do ano fechou a R$ 3,53, até hoje o recorde da série histórica — destaca Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre.
Os três outros grandes picos de valorização anual do dólar em relação ao real ocorreram em contextos de instabilidades econômicas no Brasil ou no mundo. A primeira foi registrada em 2008, com a grave crise econômica desencadeada nos Estados Unidos. Naquele ano, a valorização do dólar em relação ao real foi de 31,9%, com a cotação da moeda passando de R$ 1,77 a R$ 2,33.
Após 2008, outro grande pico de valorização do dólar foi registrado em 2015, quando o Brasil enfrentava uma grave recessão econômica. Na ocasião, o crescimento da moeda dos Estados Unidos em relação ao real foi de 47%, terceiro maior da série histórica, começando o ano com valor de R$ 2,65 e terminando com R$ 3,90.
Por fim, outra grande valorização anual histórica do dólar frente ao real ocorreu em 2020, ano do início da pandemia global de Covid-19, com o valor nominal da moeda norte-americana crescendo 28,9% e passando de R$ 4,03 a R$ 5,19. Já nos últimos dois anos, 2022 e 2023, o dólar teve variação anual negativa em relação ao real, de -6,5% e -7,2%, respectivamente.
Fatores que levam à valorização do dólar ante o real
Entre as razões que levaram à grande valorização do dólar frente ao real em 2024 há fatores internos e externos. No cenário internacional, o corte brando na taxa de juros aplicado pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, mantém a tendência de os investidores deixarem seus dólares no país, provocando a saída de capital de países emergentes, como o Brasil, e valorizando a moeda norte-americana. Essa tendência foi ainda reforçada pela eleição presidencial de Donald Trump, em novembro.
— Se esperava um corte de juros mais forte nos Estados Unidos, até começando já no início de 2024, mas esses cortes não se materializaram, o Fed optou por olhar com mais atenção a inflação. Simultaneamente, ocorreu a eleição presidencial, e o Trump aponta para políticas econômicas mais inflacionistas, então os juros não vão cair tanto nos Estados Unidos, o que aumenta a atratividade da moeda norte-americana — reforça o economista André Perfeito, sócio da consultoria econômica APCE.
Além do cenário externo, questões relacionadas à política econômica nacional também impactam a valorização do dólar em relação ao real neste ano. A principal se relaciona ao pacote de corte de gastos proposto pelo governo federal, finalmente apresentado no fim de novembro, que, considerado insuficiente, não convenceu o mercado do comprometimento fiscal do Planalto.
— O governo demorou muito para apresentar um projeto de corte de gastos e, na hora que eles anunciaram, que já foi tarde e decepcionante, ainda trouxeram outro elemento, que foi a questão da isenção do Imposto de Renda abaixo de R$ 5 mil, então isso acabou batendo de maneira negativa para o mercado e pressionando o câmbio ainda mais — explica André Perfeito.
— Tem a decepção com o pacote de corte de gastos, mas ocorreram outras situações pregressas que envolveram, em primeiro lugar, a mudança da meta fiscal, por parte do governo, em abril, e aquela situação da reunião do Copom, em maio, que houve uma divisão entre os membros do comitê, com os membros mais antigos votando por um ritmo de corte de juros mais parcimonioso e os quatro membros que foram indicados pelo governo federal votando por um corte mais agressivo. Isso gerou uma desconfiança no mercado de que se pudesse ter uma guinada na política monetária e isso aumentou a aversão ao risco desde lá, levando os investidores a procurar mercados mais estáveis para investir — complementa Oscar Frank.
Projeção para 2025
De acordo com especialistas, boa parte dos fatores que levaram ao crescimento do dólar neste ano devem se manter em 2025. Em sua maioria, acreditam que a cotação da moeda deve se estabilizar neste patamar mais elevado, mas projetam pelo menos uma leve queda em seu valor nominal.
Após o pico de R$ 6,26 para a moeda norte-americana registrado em 18 de dezembro, o primeiro Boletim Focus, publicado no dia 23, além do aumento de juro e inflação, trouxe a projeção da cotação de R$ 5,90 para o final de 2025, ante os R$ 5,85 do boletim da semana anterior. Já o boletim desta segunda-feira (30), o último do ano, traz a previsão de R$ 5,96 para o dólar ao final do próximo ano.
— Via de regra, depois de uma alta elevação como essa, a tendência é que ocorra uma estabilização com uma reduzida. Então, tende a fechar o ano que vem menor do que neste ano, caso não tenha nenhuma intercorrência maior e caso o governo se mostre mais compromissado com o arcabouço fiscal — projeta Gustavo Frio, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS.
O esforço do governo federal para sinalizar comprometimento com as metas fiscais será fundamental para aliviar o câmbio no Brasil em 2025. Com a possível desidratação do pacote no Congresso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já sinalizou com a possibilidade de anunciar novas medidas de corte de gastos no próximo ano.
— Eu entendo que a taxa de câmbio vai permanecer pressionada. Já sabíamos que uma eleição de Donald Trump tenderia a fortalecer o dólar, então, isso deveria aumentar o nosso senso de urgência para que o Brasil faça o seu dever de casa, que é dar uma sinalização concreta de controle das contas públicas e de comprometimento com a política fiscal, para que a gente possa se blindar de eventuais choques externos — analisa Oscar Frank.