O jornalista Anderson Aires colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Um dos principais instrumentos de planejamento no país, o Relatório Focus, chamado informalmente de "consenso de mercado", errou quase tudo em 2024. As primeiras projeções do ano apontavam para PIB de 1,52%, dólar a R$ 5 e taxa básica de juro de um dígito.
Ainda em 2 de janeiro, a posição dominante de cerca de cem economistas consultados pelo Banco Central (BC) para elaboração do Relatório Focus, apresentado às segundas-feiras, era de que a economia brasileira desaceleraria, abrindo espaço para redução da Selic. Na primeira divulgação do ano, o relatório apresentava dados colhidos no último dia útil de 2023.
Conforme o economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, entre o primeiro e o último dias úteis de 2024, houve grande recálculo de rota por aumento de gastos com transferência de renda — como os repasses via Benefício de Prestação Continuada (BPC) — e outras áreas. Em tese, isso acelera a economia e facilita o repasse de preços. Em consequência, o BC precisa elevar o juro — ou deixar a taxa básica alta por mais tempo.
O Focus publicado nesta segunda-feira (30) consolida este cenário e mostra que a projeção de crescimento do PIB do país deve mais do que dobrar comparada à perspectiva do primeiro relatório do ano, de 1,52% para 3,49%.
A Selic, por outro lado, começa 2025 com viés de alta. A projeção em janeiro era de que o juro básico desceria até 9% em 2024. Nem perto de um dígito, a taxa encerra o ano em 12,25%, e a alta até 14,25% ainda no primeiro trimestre de 2025 já está contratada. Para 2025, o mercado estima taxa em 14,75%.
Também passaram longe das projeções iniciais indicadores como IPCA e dólar, que deve fechar o ano acima de R$ 6. Em janeiro, a previsão para cotação era de R$ 5. Segundo Costa, parte da apreciação da moeda norte-americana é consequência da eleição de Donald Trump. No início do ano, o favoritismo estava com os democratas, o que contribuía com o cálculo de cotação mais próxima de R$ 5. A vitória do republicano, com pauta mais protecionista, tende a fortalecer o dólar ante todas as demais moedas.
Boa parte da pressão que leva à constante alta do dólar também está ligada à preocupação do mercado financeiro sobre o aumento da dívida pública brasileira. O economista-chefe da Monte Bravo afirma que houve elevação do risco fiscal durante o ano, embutindo revisões permanentes da cotação do dólar.
O menor dos erros veio do IPCA. Mas ainda que a previsão dominante do primeiro Focus de 2024 já indicasse inflação acima da meta, a 3,9%, não previa estouro do teto, de 4,5%. A prévia, medida pelo IPCA-15, indica aumento acumulado no ano de 4,71%. O último Focus de 2024, apresentado nesta segunda-feira, aponta IPCA em 4,90% no ano. Em 2025, 4,96%.
— Todas essas variáveis trazem um nível de incerteza para a economia, que se reflete no índice de condições financeiras. Em 2024, a incerteza subiu. Teremos impulso negativo vindo desse indicador para 2025 — diz Costa.
* Colaborou João Pedro Cecchini