Apesar de ainda não ter calculado o impacto do pacote de corte de gastos, a Instituição Fiscal Independente (IFI), espécie de "xerife" das contas públicas, avalia como "insuficiente para a reversão dos déficits primários projetados para 2025 e 2026".
O governo federal prevê economia de R$ 70 bilhões em dois anos (veja detalhes abaixo) com medidas para redução de despesas que têm em sua espinha dorsal a limitação do aumento real do salário mínimo a 2,5%, mesmo teto do arcabouço fiscal. A entidade considera a inclusão à regra "salutar, tendo em vista que as despesas que estão fora do limites podem comprimir o espaço das demais despesas no orçamento".
A projeção da IFI é que que o déficit primário (resultado negativo, sem contar juro da dívida) seria de R$ 102,9 bilhões em 2025 e R$ 107,8 bilhões em 2026.
Ou seja, mesmo com corte de gastos, não será possível cumprir a meta de déficit zero. À coluna, o diretor-executivo do IFI, Marcus Pestana, já havia advertido para "risco de gravíssimo estrangulamento orçamentário em 2027" por pressão das despesas obrigatórias às discricionárias — que podem ser escolhidas, como investimentos.
Como a IFI avalia cada medida do pacote
Abono salarial: medida estrutural sobre uma despesa relevante, que altera o limite para pagamento do abono de 2 salários mínimos para 1,5 salário mínimo, mas com transição longa, de 10 anos, o que limita o efeito de curto prazo da medida.
Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb): faltam informações para entender melhor o conteúdo da proposta. Tudo indica que se trata de destinar parcela maior de recursos do fundo no percentual de despesas computadas no piso constitucional de educação (vinculado à receita líquida de impostos da União). Isso ajudaria o Executivo no cumprimento da meta de resultado primário, mas não produziria efeito sobre o resultado efetivo. Também foi anunciada a volta do Programa Pé-de-Meia ao orçamento. Cabe analisar se o orçamento atual da educação dispõe de margem de despesas que possam ser reduzidas para absorver o efeito das medidas.
Desvinculação de Receitas da União (DRU): não foi detalhada. Não está claro se o impacto primário é apenas pela prorrogação da medida, prevista para acabar em 31 de dezembro de 2024, ou se avança em novas desvinculações.
Subsídios e subvenções: a proposta parece factível e com impacto estimado razoável. Importante mencionar que toda a estrutura de subsídios e subvenções (incluindo os gastos tributários) necessitaria de ampla revisão, com análise de benefício-custo para aferir os ganhos para a sociedade.
Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF): mudança da vinculação à receita corrente líquida da União para correção pela inflação, alinhada à dos fundos criados pela reforma tributária sobre o consumo, o que impediria que essa despesa crescesse acima dos limites estabelecidas na regra.
Salário mínimo: medida de maior impacto estimado entre as despesas que teriam a regra. No entanto, não deverá ter muito impacto nas despesas no médio prazo. O impacto maior seria no curto prazo, quando se espera crescimento da economia acima de 2,5%. No médio prazo, a IFI estima que o crescimento real médio da economia convirja para 2,2%, no cenário base.
Bolsa Família: medida anunciada anteriormente pelo Executivo, mas de difícil mensuração de efeito. A tentativa de corrigir distorções existentes é salutar para garantir o funcionamento da política pública.
Benefício de Prestação Continuada (BPC): vale o mesmo do Bolsa Família. Uma incerteza diz respeito a questionamentos judiciais para acesso ao benefício, variável não controlada pelo Executivo.
Lei Aldir Blanc: a medida já foi efetivada e apresenta economia factível a partir da dinâmica presente efetiva do programa e o fluxo de recursos demandados no presente.
Biometria: parece uma medida sobreposta aos itens Bolsa Família e BPC, a não ser que tenha foco nos benefícios do RGPS.
Militares: ajuste para correção de distorções no regime atuarial dos militares, com definição de idade mínima e mudança no acesso às pensões, mas com longo período de transição. A estimativa de impacto com a medida é dificultada por falta de microdados. A economia anunciada, de R$ 1 bilhão por ano, é modesta comparada ao impacto das demais despesas.
Provimentos e criação de cargos: à primeira vista, trata-se de medida com características parecidas à da renovação da DRU, ou seja, não gera ganhos para o resultado primário.
Emendas parlamentares: a proposta prevê o crescimento dessa despesa de acordo com a inflação, retirando o caráter pró-cíclico existente (são vinculadas à receita corrente líquida da União). Caso aprovada, produzirá efeitos no médio e longo prazo.
Supersalários: não foram estimados os impactos da limitação das exceções ao teto remuneratório.
*Colaborou João Pedro Cecchini