O Gaúcha Hoje, programa da Gaúcha Serra, realizou na manhã desta quinta-feira (2) entrevista com Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Rio Grande do Sul, a Fecomércio-RS, para projetar expectativas econômicas para 2025.
Confira trechos da entrevista:
Patrícia Palermo: apesar do cenário macroeconômico ter as suas incertezas, cada um vai construir o seu futuro a partir do seu trabalho. Então, se todo mundo fizer a sua parte direitinho, qualquer cenário fica mais fácil. 2025 é um ano que se desenha para ter um primeiro semestre bastante positivo.
A gente espera aí uma safra, se não for recorde, vai ser uma safra muito próxima da nossa safra recorde em termos brasileiros. Isso costuma animar a atividade econômica e nós vamos ter no primeiro semestre do ano ainda reflexos de uma taxa de desemprego muito baixa, de um consumo que ainda continua se expandindo, de um nível de inflação muito semelhante ao que a gente teve recentemente. O segundo semestre (de 2025) tende a ser mais complicado porque a gente vai amadurecer os efeitos dessa taxa de juros mais alta que a gente vai vivenciar provavelmente ao longo de todo o ano.
O 2025 é um ano que está longe de ser um ano de estagnação. Nós devemos crescer algo em torno de 2% em 2025, mas a gente desenha para terminar o ano de uma forma bastante complicada e aí sim embarcar no 2026, que é de muita dúvida. O governo fez escolhas ao longo do tempo e essas escolhas trouxeram a gente até o lugar que a gente está aqui hoje. Se nós crescemos mais nesses últimos anos do que nós estávamos acostumados a crescer, é por escolhas que fizemos também no passado.
As muitas reformas que fizemos tornaram a nossa economia mais resiliente. Nós conseguimos crescer mais depois da pandemia do que, por exemplo, nós costumávamos crescer, que é um movimento exatamente oposto do que aconteceu no restante do mundo.
Gaúcha Serra: O maior desafio, pelo que você fala, seria crescer sobretudo diante desse cenário que a gente vai ter de manutenção dos juros elevados? E, na sua visão, aí tem um pessimismo ou otimismo para a economia nesse ano?
Patrícia: eu acho que crescer, a gente vai crescer quase que de qualquer jeito. Como eu disse anteriormente, nós temos uma safra muito boa que vai acabar ativando muito a economia, especialmente aquelas áreas que são mais ligadas ao agro. A nossa questão é o problema fiscal que a gente não resolve e que coloca mais incerteza ainda sobre a dinâmica futura da dívida pública, fazendo com que não só essa taxa de juros de curto prazo que fica controlando a inflação aumente, mas principalmente aumente a taxa de juros de longo prazo.
Então nós estamos vivendo um cenário internacional que vai ser de bastante incerteza. A gente tem um governo Trump aí entrando com muitas ameaças à dinâmica tradicional da economia mundial e a gente tem que ter feito a nossa parte. Uma parte dessa desvalorização muito grande que aconteceu no câmbio se dá pela questão internacional, é óbvio. Nós estamos falando de uma economia americana que tem um desempenho muito mais robusto que seus pares desenvolvidos da Europa.
Nós estamos falando de uma economia que continua tendo uma inflação mais alta que a sua meta. Todas as medidas que o Trump está trazendo aí são medidas inflacionistas e, portanto, contratam taxas de juros mais altas. Tudo isso ajuda o dólar a ganhar valor e em relação às outras moedas do mundo. Mas outra parte está assentada em cima das nossas incertezas fiscais, dessa dinâmica das contas públicas que não foi bem conduzida.
E como se falou já muitas vezes aqui na Rádio Gaúcha, quem pensa que dólar alto só afeta quem viaja para o Exterior está muito enganado. O dólar mais alto acaba chegando na nossa mesa, seja através do pãozinho francês que usa o trigo, seja através da gasolina que pode ficar mais cara através de um petróleo que tem seu preço cotado em dólar.
Gaúcha Serra: com relação a essa questão fiscal, o que seria capaz, do ponto de vista de ações do governo, de reverter essa desconfiança que acabou sendo gerada a partir do anúncio do pacote de corte de gastos?
Patrícia: durante muito tempo o mercado deu muitos votos de confiança para o atual governo, apesar dos sinais não serem os mais favoráveis. Essa expectativa que se gerou sobre o pacote, era uma expectativa de que, pelo menos, algumas coisas iam ser feitas para se evitar que a nossa dívida pública atingisse uma trajetória explosiva. Nos últimos dois anos, a nossa dívida pública cresceu sete pontos percentuais. Isso é insustentável a se seguir nessa mesma dinâmica. Então, o que deveria ter sido feito?
Deveria ter sido feito um pacote que afetasse mais estruturalmente os gastos, isto é, que a gente contratasse mudanças que de fato fizessem com que os gastos evoluíssem menos. Isso é uma coisa importante para os nossos ouvintes entenderem, diferentemente do que acontece dentro da nossa casa, que quando a gente precisa controlar as nossas contas, a gente corta gastos, diminui o nosso gasto. No setor público isso é muito difícil de fazer, especialmente quando a gente está falando em uma parcela muito grande do nosso orçamento ser praticamente engessado com gastos de natureza obrigatória. Então o que a gente tem que fazer? A gente tem que evitar que os gastos cresçam.
Então a grande sacada é você criar mecanismos para que o gasto cresça menos do que a receita. Então uma das questões importantíssimas aí é a evolução do salário mínimo. Nós temos 27% das despesas do orçamento ligadas ao salário mínimo. Então ter uma dinâmica em que o salário mínimo crescesse mais vagarosamente seria muito importante. Rediscutir essa questão do BPC é algo extremamente importante.
Tem algumas questões ali de natureza contábil especialmente ligadas ao Fundeb que também poderiam ajudar. Um redesenho do Bolsa Família que hoje em dia já tem estudos mostrando que está diminuindo o apetite das pessoas procurar trabalho, isso também seria algo relevante. Mas o mais importante de tudo é que o governo não jogue contra ele mesmo, uma das piores coisas que aconteceu no anúncio do pacote fiscal foi o anúncio de que o governo pretendia que pessoas que ganhassem até R$ 5 mil fossem isentas de imposto de renda.
Eu vou deixar bem claro aqui, eu estou longe de acreditar que uma pessoa com R$ 5 mil seja uma pessoa rica. Quero deixar isso muito claro, mas dada a distribuição de renda no nosso país é insustentável a gente isentar uma parcela tão grande da população do pagamento do imposto de renda, e essa medida, quando anunciada junto com o pacote, ela foi como jogar água do banho fora e jogou a criança junto.
Isso foi horrível. Simplesmente essa injeção de renda dentro da economia, da isenção das pessoas que ganham menos de R$ 5 mil, daria um impulso de demanda tão forte que levaria ainda mais à inflação. E isso obviamente teria impacto sobre a própria taxa de juros. Então você começa a entender que a lógica desse processo não se encaixa. Então o governo deveria fazer medidas mais estruturais de evitar que o gasto avançasse e não fizesse artificialismo de impulso de demanda de curto prazo.