Em meio à penúria das contas públicas, o governo Jair Bolsonaro estuda eliminar o desconto de 20% concedido a brasileiros que optam pela declaração simplificada do Imposto de Renda (IR). A informação foi divulgada nesta segunda-feira (5) pelo jornal Folha de S.Paulo. Conforme a publicação, a medida atingiria cerca de 17 milhões de pessoas. O fim do desconto, concedido de maneira automática, poderia gerar recursos para bancar o Renda Cidadã.
Na prática, a discussão representa mais um dos capítulos relacionados ao financiamento do novo programa social. O governo quer criar o Renda Cidadã para substituir o Bolsa Família, uma das marcas das gestões petistas. Assim, englobaria parte dos beneficiários do auxílio emergencial a partir de 2021.
A questão é que o projeto ainda esbarra em restrições fiscais. Neste ano, a dívida pública deve ultrapassar a barreira de 90% do Produto Interno Bruto (PIB).
Economistas avaliam que buscar mais recursos para o financiamento do Renda Cidadã não é suficiente. Para manter o teto de gastos, o governo também precisaria cortar despesas, sinaliza o professor Sérgio Firpo, do Insper.
Até o momento, o Planalto aposta na reforma administrativa para reduzir gastos. A reforma, contudo, foca em contratos de novos servidores públicos, e não nos atuais.
O desconto de 20% na declaração simplificada do Imposto de Renda incide sobre a renda tributável dos contribuintes. Atualmente, substitui deduções previstas na declaração completa, incluindo aquelas de despesas com educação e saúde, que seriam mantidas pelo governo.
No IR de 2020, o desconto de 20% foi limitado a R$ 16.754,34. O fim da medida poderia resultar em aumento de imposto a quem tem poucas despesas para deduzir na declaração completa.
Professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Felipe Garcia também menciona que, além de encontrar recursos, o governo precisaria repensar gastos para respeitar o teto. Na visão do economista, a unificação de programas sociais já existentes seria o caminho "lógico" a ser perseguido pelo país. Segundo ele, a junção poderia tornar as despesas mais efetivas, além de melhorar o atendimento à população vulnerável.
— Advogo em prol da unidade dos programas sociais. Temos uma oportunidade para discutir o assunto, embora não seja simples do ponto de vista político — pontua Garcia, ex-secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Economia.
A intenção de criar o Renda Cidadã foi anunciada pelo governo na semana passada. Com o fim do auxílio emergencial, o temor é de que a pobreza e a desigualdade saltem no pós-pandemia.
Reação no mercado financeiro
Para financiar o novo programa, o governo desejava, inicialmente, utilizar recursos do Fundeb, o fundo da educação básica, além de valores de precatórios — dívidas que têm de ser pagas após determinação judicial. O eventual uso de precatórios causou preocupação no mercado financeiro, devido ao risco de alta no endividamento, e críticas de "contabilidade criativa". Diante da repercussão negativa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaçou essa possibilidade.
— Ficou claro, o governo entendeu que o plano mirabolante da semana passada não iria para frente. Agora, está buscando uma readequação para um programa que é inevitável a partir do próximo ano — avalia Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
A preocupação com o teto, que condiciona os gastos públicos ao comportamento da inflação, voltou a aparecer em discursos nesta segunda-feira. Durante café da manhã com Bolsonaro, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou apoio à medida de contenção de despesas. Já o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que se reuniu com Guedes, afirmou que qualquer solução para o Renda Cidadã respeitará o teto.
Entenda o assunto
Renda Cidadã
- Anunciado pelo governo Jair Bolsonaro na semana passada, o Renda substituiria o Bolsa Família, uma das marcas das gestões petistas. O projeto serviria como forma de proteção a camadas vulneráveis a partir do próximo ano
- A ideia é englobar parte dos beneficiários do auxílio emergencial, que deve terminar em 2020. O temor é de que, sem o auxílio, a pobreza e a desigualdade saltem no país
O impasse
- Há uma série de dúvidas relacionadas ao financiamento do Renda Cidadã em meio ao período de penúria nas contas públicas. Sem trazer maiores detalhes, a proposta inicial do governo era de usar recursos do Fundeb, o fundo da educação básica, além de valores destinados ao pagamento de precatórios — dívidas que precisam ser quitadas após determinação judicial
- A sinalização provocou preocupação no mercado financeiro. O temor é de que o programa poderia resultar em indisciplina fiscal, com o financiamento via dívida de precatórios
- Agora, o governo estuda extinguir o desconto de 20% na declaração simplificada do Imposto de Renda (IR). Os recursos poderiam ser usados para bancar o Renda Cidadã, segundo apuração do jornal Folha de S.Paulo
O desconto de 20% no IR
- O desconto é concedido, automaticamente, a contribuintes que optam pela declaração simplificada do Imposto de Renda. A fatia de 20% incide sobre a renda tributável
- Esse abatimento substitui deduções legais da declaração completa, incluindo aquelas de gastos com educação e saúde. No IR de 2020, o desconto de 20% foi limitado a R$ 16.754,34
- Na prática, o fim da medida poderia resultar em aumento de imposto a quem não tem despesas suficientes para deduzir na declaração completa, por exemplo