De janeiro até a forte alta da quarta-feira (18), o dólar acumula alta de 29,15%. Fosse tudo de uma vez só, seria uma maxidesvalorização do real. Como ocorreu de forma gradual, não se caracteriza assim, mas ainda é muita coisa para pouco mais de 11 meses e meio. E o mais complexo é que quase um terço dessa variação – 8,25% – ocorreu nos últimos 30 dias. Nesta quinta-feira (19), a moeda abriu em baixa, subiu e atingiu R$ 6,30, mas depois voltou a murchar.
Tamanho impacto gera debate sobre a natureza do fenômeno. O real está derretendo? É um ataque especulativo? Parte é resultado de fake news?
A coluna vai tentar esclarecer. A primeira observação é de que uma alta tão acentuada não acontece por apenas um motivo. Mas também é preciso identificar o principal: o desequilíbrio das contas públicas.
O real está derretendo?
"Derreter" é uma palavra forte que não tem indicadores para aferir se está correta ou não. O que se pode dizer, sem medo de errar, é que a moeda brasileira perdeu cerca de 30% de seu poder de compra em dólares, o que não é pouca coisa. Existe um indicador internacional chamado "paridade do poder de compra" que tenta medir exatamente essa condição. No ranking de 2024, que será elaborado no próximo ano, o Brasil tende a perder posições.
É um ataque especulativo?
Há controvérsias entre economistas sobre esse ponto. Os mais ortodoxos tendem a rejeitar essa ideia. Ataques especulativos são movimentos de mercado que se formam contra determinado ativo - normalmente, uma moeda, como o real - quando um ou alguns investidores/especuladores fazem uma aposta na desvalorização desse ativo e acabam formando um movimento de manada, levando ao efeito desejado. Embora haja uma forte demanda de dólares no Brasil nesse momento, por movimentos cíclicos de mercado, o volume ainda não configuraria o envolvido em um ataque especulativo tradicional. Mesmo assim, vários investidores/especuladores que estavam "comprados em dólar" (apostando no enfraquecimento do real) já ganharam bastante dinheiro.
Houve fake news?
A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou a Polícia Federal para investigar o efeito de uma fake news envolvendo o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Um site que simulava ser uma gestora de investimentos fez uma publicação atribuindo a Galípolo a frase "a moeda dos Brics nos salvaguardaria da extrema influencia que o dólar exerce no nosso mercado". Então, por partes: houve, de fato, uma falsificação, uma mentira. O quanto essa fraude influenciou o mercado é outro problema. O "não fato" teria ocorrido na terça-feira (17), quando a "alta" –mais uma oscilação positiva – do dólar se limitou a 0,02%. No dia seguinte, sem fake news até onde se sabe, houve disparada de 2,8%.
Então, o que está acontecendo?
A pressão no câmbio se intensificou entre o final de novembro e o início de dezembro, quando o governo Lula apresentou seu pacote de corte de gastos. A avaliação de que as medidas são insuficientes para dar sustentação ao arcabouço fiscal – conjunto de regras que prevê meta de déficit zero neste e no próximo ano – foi agravada pelo anúncio de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Foi a primeira vez na história que o dólar foi cotado a R$ 6. O objetivo do pacote era reduzir despesa para não gerar déficit além do aceitável. Se a receita também é reduzida, o rombo se mantém ou até se amplia, dependendo das contas.
Por que o mercado reage mal?
Sempre que o governo gasta mais do que arrecada, tem de tirar esse dinheiro que "não existe" de algum lugar. É a velha máxima de "dinheiro não dá em árvore". É como quando alguém estoura o orçamento mensal e precisa recorrer ao cartão de crédito, ao cheque especial ou a empréstimo. São recursos de terceiros, que emprestam a um determinado custo. No caso dos governos, quem empresta é o mercado, intermediando aplicações de pessoas físicas e instituições que fazem aplicações financeiras. E para colocar no mercado títulos de uma dívida que não para de crescer, o mercado exige maior juro. Quando esse juro sobe, leva junto o dólar.
Então o mercado está certo?
Não necessariamente. Até agentes de mercado reconhecem que a alta do dólar é excessiva em um país que tem uma montanha de reservas cambiais. Esse paredão de defesa tinha US$ 363,8 bilhões no dia 11 de dezembro teve uma pequena aplainada depois das sucessivas intervenções do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. Sete dias depois, na quarta-feira (18), o estoque havia encolhido para US$ 357,1 bilhões. Até agora, a soma das doses de BC no mercado atingem quase US$ 17 bilhões. É bom lembrar que nem todas as formas de intervenção do BC no câmbio têm impacto nas reservas.