Não bastasse a fraca procura interna por produtos e serviços, a economia brasileira encontra, no cenário externo, dificuldade adicional a sua tentativa de retomada. Sem sinais de trégua na guerra comercial entre Estados Unidos e China, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial deve perder fôlego, o que acende a ameaça de crise global nos próximos anos. Além de provocar efeitos no mercado financeiro, com a desvalorização do real frente ao dólar, o quadro tende a abalar exportações de países emergentes, como é o caso do Brasil.
Os temores ganham força no momento em que a economia nacional ainda patina. No segundo trimestre, o PIB do país avançou 0,4%, conforme dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de ter afastado o fantasma da recessão técnica, o resultado reforça a leitura de que a reação caminha a passos lentos.
– A economia mundial está desaquecendo. Em outras crises vividas pelo país, o setor externo ajudou de alguma forma, com alta nas exportações. A situação agora é contrária. O cenário internacional deve atrapalhar – afirma o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
De janeiro a julho, as exportações brasileiras caíram 4,7% frente a igual período do ano passado, para US$ 130 bilhões, segundo o Ministério da Economia. No mercado financeiro, os riscos globais contribuíram para levar a taxa de câmbio a estourar a barreira dos R$ 4. Para tentar conter a disparada, o Banco Central (BC) vendeu à vista dólares de reservas internacionais. Foi a primeira vez que a instituição recorreu à medida desde 2009. Nesta sexta-feira (30), a moeda americana teve baixa de 0,71%, para R$ 4,142 – em agosto, acumulou alta de 8,5%.
Em meio ao calor da turbulência, investidores chegaram a apontar risco de recessão global a partir do próximo ano ou de 2021 – ou seja, o PIB mundial passaria a cair. Gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco diz ainda não ver essa ameaça, apesar da perda de fôlego nos últimos meses. Em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou sua projeção de crescimento do PIB global em 2019 de 3,3% para 3,2%. Para 2020, passou de 3,6% para 3,5%.
– As duas locomotivas mundiais, Estados Unidos e China, estão em conflito, mas não vejo, agora, risco de recessão global. Há desaceleração do crescimento. Isso vai trazer dificuldades – observa Castelo Branco.
Além da tensão provocada pela guerra comercial entre americanos e asiáticos, o desempenho frustrante de países da Europa também aumenta a onda de preocupação. Dona da maior economia do continente, a Alemanha flerta com o risco de recessão técnica.
Crise nos vizinhos
Na América Latina, a Argentina é nocauteada por emaranhado de dificuldades às vésperas das eleições presidenciais. Desde o ano passado, a crise vizinha traz impactos para o lado de cá da fronteira, já que o país de Mauricio Macri é o terceiro principal destino das exportações brasileiras – especialmente de produtos industrializados, como automóveis e peças. De janeiro a julho, os embarques ao mercado argentino caíram 40%, ficando em US$ 5,9 bilhões.
– A desaceleração global e a crise na Argentina são complicadores adicionais para o Brasil. Mas os principais problemas brasileiros são internos, como o baixo nível de investimentos e de produtividade – analisa Castelo Branco.
O Brasil vende, principalmente, mercadorias da agropecuária no mercado internacional. Mesmo com a queda de 19,1%, a soja seguiu como o produto mais exportado de janeiro a julho, com embarques de US$ 18,2 bilhões.
– Quem está mais preocupado agora com o cenário internacional é a indústria, por causa da Argentina. Em caso de uma grande crise global, todos os setores exportadores seriam atingidos, e não um produto específico – menciona o economista Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (GV Agro).
Para completar, o debate em torno das queimadas na Amazônia provocou atritos entre o governo Jair Bolsonaro e países europeus. Eventuais riscos ao andamento do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia preocupam setores como o agronegócio.