A repercussão internacional das queimadas na Amazônia espalha preocupação entre segmentos exportadores da economia brasileira. Parte da situação está relacionada ao temor de que o avanço do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE) seja abalado após a pressão de países como a França, que convocou mobilização contra os incêndios na floresta brasileira. Anunciado no fim de junho, o acerto entre os blocos resultou de 20 anos de negociações, mas ainda precisa da aprovação dos parlamentos das nações envolvidas.
— Do ponto de vista econômico, a repercussão das queimadas pode provocar impactos no acordo comercial. O governo francês, por exemplo, já havia sinalizado que não estava pronto para o acerto. A questão ambiental é o novo álibi para tentar postergar ou até mesmo reverter o acordo — observa o economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
"Não há dúvida. O risco ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia existe"
ROBSON GONÇALVES
Economista e professor da FGV
De janeiro a julho, as exportações brasileiras à União Europeia caíram 14,6% ante igual período do ano passado, para US$ 20,4 bilhões, segundo o Ministério da Economia. A quantia correspondeu a 15,7% de todas as vendas externas do país nos sete primeiros meses de 2019. Os europeus buscam, sobretudo, mercadorias da agropecuária. Farelo de soja (US$ 1,8 bilhão), soja triturada (US$ 1,6 bilhão) e celulose (US$ 1,4 bilhão) foram os principais produtos comprados pelo bloco.
— O agronegócio está em momento muito bom. Não vejo grande impacto para as exportações, já que a maior parte vai para a China. O que preocupa é o risco ao acordo com a União Europeia — diz o presidente da Associação das Empresas Cerealistas do Rio Grande do Sul (Acergs), Vicente Barbiero. — Não adianta polemizar agora. É preciso resolver o problema da Amazônia, sem discutir tanto se os dados sobre o tema são verídicos ou não —acrescenta.
Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro afirma que o país "perdeu a batalha da comunicação" relacionada aos incêndios na floresta. Para o dirigente, a turbulência tende a causar "impactos pontuais" nas exportações.
— O recomendável seria o governo parar de falar e deixar a diplomacia entrar em campo. A França e a Irlanda estão à frente dos protestos porque são concorrentes do Brasil em mercados como o de carnes. Querem cancelar o acordo comercial. Infelizmente, a comunicação do Brasil é ruim. Isso dá espaço para o mundo vender a imagem de que o país abandonou a Amazônia — analisa.
Para Castro, por enquanto, as queimadas não devem interromper o avanço do acordo comercial com a UE. Frisa, entretanto, que "riscos sempre existem". O presidente da AEB ainda aponta para a existência de possíveis interesses dos Estados Unidos no assunto.
— Os americanos são muito atingidos pelo acordo comercial. Podem ficar isolados no agronegócio. Com o acerto, a União Europeia teria mais facilidade para buscar soja no Brasil. Agora, se países do bloco comprarem menos aqui por causa da Amazônia, podem recorrer aos Estados Unidos — argumenta.
A exemplo de Castro, Gonçalves também avalia que o governo brasileiro deveria evitar novos "confrontos" para não provocar prejuízos econômicos.
— Quem mais tem a perder com essa situação é o Brasil. O país precisa de uma postura mais conciliadora para reverter o quadro e não procurar nas ONGs (organizações não governamentais) um bode expiatório para as queimadas. É importante destacar que existe muita desinformação relacionada ao assunto — pontua o professor da FGV.