O sonho da casa própria sempre permeou o imaginário do brasileiro. De geração em geração, a ideia de possuir um imóvel transmite a sensação de segurança e estabilidade. Neste segundo semestre, o avanço da vacinação contra a covid-19 traz boa perspectiva e, apesar do cenário macroeconômico volátil, especialistas apontam que o momento é positivo para quem deseja adquirir uma residência. O juro imobiliário está em patamares historicamente baixos e a tendência é de alta nos lançamentos e, também, nas vendas — se a construção civil conseguir driblar a alta de custos pela escassez de insumos. Os resultados dessa combinação são mais opções.
Desde o fim de 2014, os preços dos imóveis estão praticamente estáveis no país, segundo o índice FipeZap. O mercado da construção civil foi um dos mais impactados pela crise econômica de 2015 e 2016 e, nos anos seguintes, chegou a haver deflação, com queda real nos preços de venda. Agora, apesar dos efeitos econômicos adversos na economia por conta da pandemia, o momento é de recuperação. Ainda assim, o preço dos imóveis cresce abaixo da inflação. No acumulado dos últimos 12 meses, a alta no setor é de 4,76%, contra 8,40% da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Para Renan Manda, analista de mercado imobiliário da corretora XP, o principal fator que ajuda a explicar o bom momento é a queda no juro, iniciada em 2018. As taxas cobradas pelos bancos para financiamento estão diretamente ligadas à Selic. Até poucos anos atrás, as taxas cobradas ao consumidor estavam na casa dos dois dígitos — ao passo que hoje figuram em cerca de 7% (confira abaixo).
— Houve um aumento do público potencial porque baixaram a régua. Mais pessoas estão tendo acesso ao crédito. Os bancos estão financiando valores maiores e de forma mais flexível. Isso compensou o ambiente macro desafiador — diz Manda.
Embora a Selic esteja em um ciclo de altas, o analista não crê em uma escalada nos juros do financiamento imobiliário. Até o momento, entre os grandes bancos, apenas o Santander anunciou um aumento de um ponto percentual, passando a cobrar a partir de 7,99% ao ano. Segundo Manda, quando a taxa básica chegou ao seu mínimo histórico (2%), os bancos seguiram cobrando acima dos 6% ao ano para o consumidor. Dessa forma, aumentaram as suas margens, o chamado spread bancário, que historicamente variavam entre 1,5 e 2 pontos percentuais. Agora, a tendência é de que o juro não sofra grandes alterações:
— Os ajustes serão marginais.
Vendas devem seguir em alta
A venda de imóveis novos no Brasil fechou 2020 com um crescimento de 26,1%, após um resultado muito ruim no ano anterior (1,1%). Para 2021, a perspectiva dos analistas é ainda mais positiva, de uma alta na casa dos 35%. O resultado não deve ser impactado nem mesmo pelo recente aumento dos custos dos materiais de construção, como aço e cimento.
Para Pedro Cunha, professor que estuda as flutuações do mercado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), existe uma grande demanda reprimida por imóveis desde 2014. Ele explica que são três os fatores que levam as pessoas a adquirirem ou venderem: mudanças sociais (casamentos, divórcios, nascimento de filhos, falecimentos na família, entre outros), condições de financiamento e a coragem de comprar (ou de vender).
No caso das mudanças sociais, Cunha diz que elas chegaram até mesmo a aumentar nos últimos anos. As condições de financiamento estão em seu melhor momento em décadas, o que aumenta a ousadia de comprar. Esse círculo reflete o cenário de aquecimento do mercado.
— Por alguns anos, as incorporadoras ficaram receosas de fazer novos lançamentos mas, agora, o momento é outro. Depois da pancada, o que nós percebemos é que a economia está agoniada para crescer. Era como uma mola encolhida, e os três fatores que citei estão contribuindo para a corrida aos imóveis — opina Cunha.
No caso da decisão de compra, o professor conta que o amadurecimento costuma levar de seis a oito meses. Além disso, há o tempo de procura e de negociação. Por conta disso, ele salienta que há boas oportunidades — e é necessário se apressar:
— Costumo dizer que quem está pensando em comprar agora já está um pouco atrasado.
Quanto os bancos cobram
Taxa de juro (ao ano) para financiamento imobiliário:
- Caixa Federal – a partir de 6,32%
- Banco do Brasil – a partir de 6,39%
- Bradesco – a partir de 6,92%
- Itaú – a partir de 6,93%
- Banrisul – a partir de 6,99%
- Santander – a partir de 7,99%
Pandemia aqueceu o mercado residencial
A ampliação do home office mudou a forma como nos relacionamos com as nossas casas. No começo da pandemia, conta o analista Renan Manda, muitas pessoas optaram por realizar pequenas reformas para adaptar o espaço, de modo a conciliar o espaço de convívio familiar com o trabalho. Num passo seguinte, houve um forte aumento na procura por imóveis residenciais. Ao passar a maior parte do tempo em casa, muitas famílias decidiram procurar por apartamentos maiores ou casas com espaços externos.
O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-RS), Marcio Bins Ely, afirma que essa tendência levou a uma explosão na procura por imóveis em regiões como a Serra e o Litoral Norte. Em uma escala um pouco menor, esse movimento também foi sentido na região metropolitana da Capital.
— O espaço domiciliar passou a ser ainda mais nobre. Se você tinha um apartamento de dois quartos, quis mudar para outro com três. Com as crianças em casa em tempo permanente, também foi preciso se reinventar. Acredito que essa é uma tendência duradoura, que veio mesmo para ficar — avalia Ely.
Ao passo em que o mercado residencial segue aquecido, o mesmo não se pode dizer do segmento comercial. Em todo o país, há casos de empresas devolvendo prédios inteiros ou parte deles. O desaquecimento também afeta edifícios de escritórios ou comerciais. Segundo Renan Manda, embora seja um retrato do momento, é possível que o mercado não retorne aos níveis de locação e venda do período anterior à pandemia:
— Áreas secundárias, especialmente aquelas voltadas para o segmento de escritórios, tendem a sofrer por mais tempo.
Quem deve comprar e quem deve esperar
- A aquisição de um imóvel deve ser cercada de planejamento, especialmente nos casos em que ele será usado como residência principal do comprador.
- A primeira questão a ser considerada é a estabilidade. Ao adquirir um imóvel, o consumidor costuma imobilizar quase todas as suas economias.
- Famílias recém-formadas, com renda compatível e que possam dar uma entrada superior a 30% do valor do imóvel costumam ser lembradas como o público mais indicado para a compra.
- Por outro lado, caso você pretenda mudar de cidade ou país, o aluguel segue como a melhor opção.
- O professor Pedro Cunha, da FGV, também aponta outra tendência: os idosos acima de 70 anos que estão vendendo os seus imóveis e partindo para o aluguel, como uma forma de ter mais mobilidade financeira.
Família partiu para um apartamento maior
A psicóloga Elenise Martins, 38 anos, morava com o marido, Paulo, e o filho, Mateus, quatro anos, em um apartamento de 75 metros quadrados no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, até pouco antes do início da pandemia. Decidida a comprar um apartamento maior, a família rapidamente encontrou o imóvel desejado, no bairro vizinho de Três Figueiras, com 130 metros quadrados. Após quase três meses de negociação, a compra foi realizada em janeiro do ano passado. Além de dar um outro imóvel de entrada, o casal assumiu um financiamento para fechar o negócio.
Segundo Elenise, a decisão se mostrou acertada. Com o início da pandemia, o casal passou a trabalhar de casa — e a área extra se tornou essencial. Marido e mulher possuem cada um o seu espaço para o home office. Além disso, o condomínio oferece infraestrutura completa, diz ela:
— Por mim, a gente não precisa mais sair daqui. A localização é excelente, com lojas e tudo o que você precisa por perto. A escolha foi super acertada e a nossa família está muito feliz com a mudança.
Investir em imóveis exige conhecimento
O mercado imobiliário brasileiro sofreu um boom de valorização a partir de 1960. A crescente urbanização e o aumento da população fizeram os preços dispararem nas últimas décadas. O cenário demográfico aponta para uma redução do crescimento populacional, o que deve impactar também nos preços. Apesar disso, o pequeno investidor ainda pode fazer bons negócios ao comprar e vender imóveis. Para isso, é necessário muita pesquisa e planejamento. Por outro lado, a posse de imóvel proporciona pouca liquidez — e nem sempre o aluguel oferece o melhor retorno. No caso dos imóveis comerciais, o cenário é ainda pior, com as mudanças trabalhistas e socioeconômicas provocadas pela pandemia.
* Textos de Júlia Pitthan, Pedro Henrique Pereira, Leonardo Gorges e Jacson Almeida
O lar ganhou uma importância incrível na pandemia. Foi onde ficamos mais tempo e nos protegemos. Não era mais só um lugar para dormir. Ele recebeu investimentos para ficar mais confortável ou saiu-se em busca de um que atendesse as novas necessidades. Por mais que se tenha saudade da rua e dos espaços compartilhados, houve um resgate da relevância da nossa casa.
Às vezes, comprar o imóvel próprio pode não ser a melhor alternativa, financeiramente falando, mas o sonho da casa própria deve ser respeitado. Se é uma boa hora para comprar imóvel? Depende da sua condição financeira e das oportunidades que encontrar, mas bons negócios não costumam cair do céu sem uma dedicação do interessado.
Mas cuidado ao encarar o imóvel como investimento. Nem mesmo profissionais do mercado imobiliário lucram sempre. Assim como outros investimentos, exige monitoramento do passado e do presente, além de visão de futuro. Pela relativa dificuldade de se desfazer de um imóvel, chamada de baixa liquidez, o dinheiro empenhado não pode ser necessário para uso imediato. Sugiro olhar mais Tesouro Direto e bolsa de valores. Além, claro, dos fundos imobiliários, pois seguem aplicando em imóveis, têm bons dividendos e, ao que tudo indica, seguirão isentos de Imposto de Renda.