O setor imobiliário foi um dos poucos que teve bons resultados em 2020. Com mais pessoas em casa, aumentou a procura por novos imóveis. Mesmo assim, enfrentou seus desafios, como a falta de insumo e, consequentemente, o aumento de preços. Para traçar um raio-x sobre o mercado imobiliário em Porto Alegre e região metropolitana, o programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha) conversou com Fábio Tadeu Araújo, sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica, empresa que analisa os movimentos do setor. Confira:
O setor imobiliário gera bastante curiosidade dos nossos ouvintes e leitores.
E acho que no ano passado gerou mais do que o comum, né?
Aliás, foi de onde eu consegui tirar algumas notícias positivas. Foi um ano muito difícil, mas o setor imobiliário conseguiu se destacar no noticiário econômico positivo. Porque foi bastante resiliente, mas que também enfrentou seus desafios, segue enfrentando, como, por exemplo, a falta de insumos, certo?
Esse é o maior desafio do setor. O desafio número um hoje do setor é a falta ou o encarecimento muito grande dos insumos.
Veja a entrevista em vídeo:
Já que estamos falando sobre isso, eu tenho percebido que o insumo que o pessoal mais reclama que está ficando mais caro é o aço.
Os metais, de maneira geral, o aço e o cobre. O cobre até subiu mais do que o aço, mas se usa bem menos cobre, enquanto o aço vai em toda a estrutura do empreendimento. Veja, nós estamos desde o início do Plano Real, em 1994, com maior valor do IGP-M acumulado em 12 meses. O IGP-M é justamente o índice que capta, dentro dele, o INCC, que é o Índice Nacional dos Custos da Construção. E ele está no acumulado dos últimos 12 meses, com a maior alta dos últimos 20 anos. Então, não está fácil hoje pra poder calcular qual é o preço correto de lançar um novo projeto imobiliário, seja de casas, seja de apartamentos.
Eu dou muita notícia de empreendimento, e o pessoal sempre me fala a estimativa de investimento, mas eles estão todos ajustando agora com os preços novos. E fora a dificuldade em comprar, pela falta de insumo. Eles estão conseguindo, dentro dessas análises que vocês fazem, repassar esses aumentos?
Tem duas situações que dificultam a determinação do preço. Uma diz respeito ao consumidor. Qual é o limite de quanto o consumidor consegue absorver de aumento desse preço? Em especial, projetos econômicos, o antigo Minha Casa, Minha Vida, o atual Casa Verde Amarela, tem muito mais dificuldade de absorver. Nós estamos vendo aí uma alta, média, ao redor de 12% nos custos, naqueles que não tem o que fazer, que você é obrigado a repassar para os clientes, mas nesse caso existe um teto, inclusive, do que o programa diz que você pode vender preço. Então, ali, a insegurança é maior. Inclusive, várias empresas que sempre atuaram exclusivamente no segmento econômico estão segurando os lançamentos para repensar, deixando para assim que ficar um pouco mais claro aonde que vai terminar esse aumento de preços. Já no segmento um pouco mais de alto padrão, é um pouco mais fácil de repassar. Mas então uma das preocupações é o que o consumidor consegue absorver. Aí, nós temos três casos: o Minha Casa, Minha Vida, Casa Verde e Amarela, que existe um certo compasso de espera; o alto padrão, que mais fácil de colocar no preço; e, na classe média, alguns empreendedores estão postergando um pouco, não tanto com o receio do consumidor não conseguir pagar, mas sim, preocupados, se a alta vai ser suficiente, porque existe essa segunda parte: pode ser que não sejam suficientes os 11% ou 12% de aumento nos últimos 12 meses. Pode ser que ele chegue a 15%, 16%, 17%. E aí, o consumidor vai ter arcado com um pedaço, mas o restante do custo vai acabar caindo sobre o próprio empresário. Então, em muitos casos, quando o empresário tem menos necessidade de lançamento imediato do projeto, está segurando um pouco mais para ter um cenário um pouco mais claro de para onde vão os preços dos insumos.
Consegue visualizar quando deve acontecer esse ajuste, quando devemos ter uma normalização de produção, de fornecimento? Os preços vão voltar a ser como eram antes?
Eles não devem voltar. Nós tivemos três motivos para o aumento. O primeiro é que a cadeia produtiva se fragmentou. Às vezes, falta um insumo do insumo. Eventualmente, pode estar faltando alguma coisa que as empresas de aço precisam, ou que as empresas de cerâmica, e assim por diante, porque o Rio Grande do Sul não fecha no mesmo momento que São Paulo, o Paraná ou o Exterior. Esse foi o primeiro motivo, mas depois disso, a recuperação da Ásia, em particular da China, foi muito mais rápida e intensa do que se imaginava, e isso elevou o preço das commodities no mundo inteiro. O aço é uma commoditie internacional, então, o preço subiu pelo aquecimento da demanda mundial. Além disso, tivemos o derretimento do câmbio. Uma desvalorização muito forte do real em relação ao dólar. Aí, aumenta duplamente o preço, porque aumentou lá fora o preço do aço em dólar, e aumenta aqui o real, porque ficou mais caro comprar o dólar. Essa desvalorização multiplicou. Acredito que a alta agora será em um patamar mais tênue do que foi nos últimos seis meses.
Vocês nos mandaram um estudo bem detalhado sobre ano passado. Eu queria comentar contigo alguns dados sobre ele. Tem dados aqui da região metropolitana de Porto Alegre, Canoas. E, no ano passado, tivemos 82 empreendimentos lançados. É um número menor do que 2019, menor do que 2018, mas que mostra, e vocês dividiram por trimestre, que teve um comportamento muito diferente nos trimestres. Teve aquela baixa forte no segundo trimestre, início da pandemia, mas no último trimestre foi bem, 25 empreendimentos lançados aqui
No ano passado, o setor de mercado imobiliário se mostrou muito resiliente. Ainda em abril, nós entrevistamos 700 pessoas pra entender o que que elas estavam vendo no mercado como consumidores de imóveis, e entrevistamos 350 empresários do setor, e nós fomos categóricos em dizer que o setor da construção civil tenderia a ser resiliente. São 1,2 milhão de casamentos por ano, 300 mil a 350 mil divórcios, e veja: podemos perder emprego, mas as pessoas continuam casando, continuam se separando, continuam mudando de cidade. Ainda assim, as projeções foram muito melhores do que o imaginado em abril. A partir de junho, houve um crescimento, a retomada das vendas e, a partir de julho, agosto, a retomada dos lançamentos. O que aconteceu é que como, nós perdemos três ou quatro meses de lançamentos, é quase como se tivesse faltado "slot", eu tenho brincado, no aeroporto dos lançamentos. Tem bastante avião para decolar, mas falta ponte, slot para os aviões ficarem. Então, o que aconteceu é que as empresas já queriam lançar, mas não dá, porque falta corretor, falta imobiliária, não dá pra ter 10 lançamentos em um final de semana. Então, faltou espaço no último trimestre para recompor aqueles três, quatro meses perdidos. Ainda assim, eu acho que o grande destaque é que as vendas cresceram fortes. Foi o melhor volume de vendas dos últimos cinco anos.
Financiamentos imobiliários bateram recordes... A tomada dos empréstimos para compra de imóveis... O que chamou a atenção no perfil de lançamento?
Teve um aumento importante do mercado de alto padrão na cidade. Porto Alegre é uma cidade em que o mercado de classe média baixa, em especial o mercado econômico, é muito pequeno. A legislação tem limitações em terrenos grandes, o que não é tão favorável ao empreendimentos econômicos. Então, ele é aquém do que seria a demanda desse mercado. Então, naturalmente, Porto Alegre já é uma cidade na região Sul com um mercado de média e alta de luxo, mais encorpado. E, no ano passado, cresceu ainda mais. Nós vimos o que, no sentido comum, passou a ser chamado de ressignificação do imóvel, isso foi muito mais forte na alta renda. Ao longo do ano passado, a Brain fez, a cada 45 dias, entrevistas com 800 a 1,2 mil pessoas sobre como elas estavam vivendo a pandemia e a demanda por imóveis. E nós vimos que, concretamente, quanto maior a renda, mais a pessoa se sentiu afetada pela pandemia, no sentido do imóvel. Pode parecer um absurdo, mas temos entender que ela, enquanto percepção da sua própria realidade, foi mais afetada. Infelizmente, os pobres já sofrem mais normalmente, moram em apartamentos menores, longe, com menos infraestrutura. A classe média alta passou a ficar muito enclausurada, ela foi mais limitada, faltou mais qualidade de vida. E ela começou a buscar algumas coisas que apartamentos antigos não tinham. Buscou novos imóveis, seja casa ou apartamentos novos. Em Porto Alegre, em especial, apartamentos novos, porque o mercado de casas em condomínio é muito pequeno. Por exemplo, varandas grandes. Nenhum empreendimento antigo tem varanda grande, porque arquitetonicamente era complicado de fazer, era caro, não se fazia. E está se buscando muito. Apartamentos "garden", ou jardins, são aqueles térreos, com espaço interno. Mais coberturas, mais duplex, são outras coisas que as pessoas estão buscando para ter mais qualidade de vida. Mais área de lazer, em especial área de lazer interna. Espaço para trabalhar de casa.
Foi uma mudança brusca porque vinha de uma caminhada para espaços mais compartilhados.
Sem dúvidas. Não sabemos exatamente como vai ser o imóvel daqui para frente, mas algumas coisas importantes são: para quem tem dinheiro, as soluções sempre são por mais metragem e melhor divisão do imóvel. O grande desafio do mercado é como resolver na classe média baixa e na classe baixa, em que não tem como colocar um cômodo a mais, porque não cabe no bolso. Aí, o que nós identificamos concretamente é a necessidade de mais inteligência nos móveis. O problema é que, quando o incorporador pensa uma sala pra um apartamento de 60 metros quadrados, ou de 45 metros quadrados, ele pensa naquele formato tradicional, com sofá, pufe, televisão na frente com, eventualmente, um aparador. Mas isso não resolve para as pessoas durante a pandemia. Ele vai trabalhar como? Ele vai transformar aquilo ali em um espaço de trabalho como? A inteligência está nos móveis. Eventualmente, a mesa de centro não pode ser só uma mesa de centro, ela pode também virar uma mesa de trabalho. O sofá pode ser um sofá que mais facilmente mude de posição para criar ambiente diversos, o ambiente da aula, o ambiente do lazer, um ambiente de trabalho. A varanda que tinha virado já uma varanda gourmet, ela não é só uma varanda gourmet, mas também uma varanda para o home office. Os móveis devem permitir que a pessoa dê outros usos ao ambiente. E onde entra o papel do mercado imobiliário? É já pensar a planta potencialmente adaptada e ter esse conhecimento ao seu consumidor final. Porque é mais fácil ele, como incorporador, fazer esse desenho em conjunto com a indústria de imóveis, do que sozinho.
Não vende só o produto pro consumidor, mas a solução toda...
Exatamente! E acho que as empresas não perceberam essa oportunidade ainda.
Um material que tem no estudo de vocês é sobre financiamento. Sabemos que muitas pessoas têm essa necessidade de comprar imóvel por meio da tomada de crédito. Me chamou atenção que uma parcela grande das famílias que tem possibilidade de acessar financiamento com juros reduzidos, vocês identificaram isso na pesquisa. É isso?
O que acontece é que o número de famílias que potencialmente podem comprar um imóvel no Brasil cresceu ao longo do ano passado bastante porque, na medida que você diminui a taxa de juros, é como se o preço diminuísse. Sempre que eu não compro à vista, na prática, eu compro um crédito, e não um imóvel. E o crédito imobiliário é composto de duas coisas: o preço do imóvel, por exemplo, R$ 500 mil, mas ao longo de 10, 20 e 30 anos. E o que vai determinar esse valor ao longo de 30 anos não é apenas o R$ 500 mil que já está dado, é a taxa de juros. Se a taxa de juros diminui, o valor da parcela diminui. Grosso modo, os bancos consideram ao redor de 25% do comprometimento de renda. Se a pessoa ganha R$ 8 mil de renda familiar, ela pode ter uma parcela de R$ 2 mil. Quando a taxa de juros diminui, e a parcela dos R$ 500 mil eventualmente viraria R$ 1,5 mil por mês, e não mais R$ 2 mil, basta R$ 6 mil de renda familiar que compra o mesmo imóvel. Então, o que aconteceu ao longo do ano passado com a queda da taxa de juros e o repasse de boa parte dessa queda da taxa de juros no crédito imobiliário, é que tornou o imóvel, na prática, mais barato para os brasileiros, na medida em que o valor da parcela mensal diminui. E isso, inclusive, compensou o aumento dos preços no ano passado, o que foi decorrente do aumento de insumos. Por que que nós não vimos, ainda, o impacto tão grande na queda de vendas? Pelo contrário, as vendas cresceram no passado.
E agora que os juros estão subindo ? Até porque temos que considerar que o financiamento imobiliário é um produto bom paros bancos, costuma ter um inadimplência baixa...
É a mais baixa do mercado. Hoje, no Brasil, a inadimplência é entre 1,6% e 1,7%, é muito baixa, comparada com níveis mundiais, inclusive. O banco tem esse cliente por 20, 30 anos para ficar vendendo produto, serviço, seguros. E, eu acredito que até 5%, 5,5% na Selic, não veremos impacto na taxa de juros dos empréstimos. Algumas modalidades eventualmente vão deixar de ser tão atrativas, mas o cliente tem várias possibilidades hoje.
Qual a projeção para 2021?
Eu acredito que 2021 tende a ser um ano de recorde de de lançamentos, pelo menos na cidade de Porto Alegre. Aí, envolve não só o mercado imobiliário, mas também uma mudança do sistema de aprovação da cidade, que passou a ser muito mais rápido. Porto Alegre, historicamente, demorava muito para aprovar um projeto imobiliário. Portanto, é um duplo fenômeno. O resto do Brasil teve baixa de lançamentos pela pandemia. Porto Alegre tinha baixa de lançamentos pela pandemia e um histórico de dificuldade de aprovação. E agora, como o resto do Brasil, vai acelerar o lançamento, mas tem mais a aceleração da liberação. Então, eu acredito que vai ser recorde de lançamentos em valores reais, pelo menos dos últimos cinco a sete anos. Eu acredito que a sociedade, mesmo com os números muito ruins da pandemia, já sabe como vender online, já sabe como se aproximar, se relacionar com o cliente pela internet. Isso faz muita diferença. E nós acreditamos que teremos um crescimento nas vendas da faixa de dois dígitos. No ano passado, as vendas cresceram e os lançamentos caíram. Neste ano, achamos que os dois vão crescer, mas os lançamentos avançarão mais do que as vendas porque eles estão reprimidos. Estão se abrindo os slots para os lançamentos. Então, o que esperamos é que passadas essas nuvens negras, a vacinação tem feito uma diferença importante no ânimo dos empresários e dos consumidores. Acreditamos que as vendas vão crescer entre 10% e 20%.
Ouça também no programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha):
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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