O mês ficou mais curto do que o salário e, para atravessar o aperto, o jeito foi usar o cheque especial ou pagar apenas a tarifa mínima do cartão de crédito. A previsão era de que esse ajuste durasse pouco tempo mas, quando os novos boletos chegaram, faltou dinheiro outra vez. A cena não é uma exclusividade dos tempos de pandemia, ainda que o número de pessoas com dívidas experimente crescimento nos últimos meses.
De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência da Fecomércio-RS (PEIC-RS), 78,6% das famílias gaúchas estão endividadas. Esse é o maior percentual desde maio de 2011, em que houve o registro de 80,4% no levantamento.
Em um cenário de dificuldades econômicas e alta da inflação, muitas famílias precisaram recorrer ao crédito como uma forma de atravessar o período. Uma maneira de buscar condições mais vantajosas entre as muitas contas a pagar está na portabilidade de dívidas. Na prática, ela significa trocar um juro mais caro por outro mais barato no mercado.
— A portabilidade de dívida é uma operação relativamente simples. Você busca um novo contrato de empréstimo que pode ser na mesma instituição financeira ou em outra para quitar o vencimento anterior. É importante observar o juro praticado, já que o objetivo é buscar uma taxa mais baixa — explica o professor da Xpeed School, Gustavo Pitta.
Ele alerta, no entanto, que o consumidor precisa estar com as parcelas em dia para buscar a portabilidade. Esse mecanismo foi regulamentado em 2006 como um instrumento para estimular a concorrência entre as instituições bancárias. Em 2020, foram efetivados 3,7 milhões de pedidos de portabilidade de crédito, de acordo com o Relatório de Economia Bancária do Banco Central. O número demonstrou uma queda de 19,1% em relação ao ano anterior, mas um aumento em valores de 6,5%, chegando a R$ 42,5 bilhões em crédito portado.
Apesar de um número maior de famílias terem se visto obrigadas a recorrer ao crédito, mais gente está conseguindo colocar os boletos em dia. O percentual de famílias com contas em atraso atingiu os 20,8%, de acordo com a Fecomércio-RS, enquanto em junho do ano passado a taxa era de 27,8%. Já o percentual de famílias que não terão condições de quitar seus compromissos dentro dos próximos 30 dias foi de apenas 5%, o menor percentual desde novembro de 2018 (4,7%).
Conhecer as taxas é essencial
A planejadora financeira e CEO da ParMais gestão patrimonial, Annalisa Blando Dal Zotto, reforça que o primeiro passo é conhecer bem as taxas de juros.
— O consumidor precisa saber o custo efetivo total da dívida, a taxa ao mês e ao ano. Muitas vezes, está em letras miúdas no contrato — alerta.
A dica dela é colocar algum bem como garantia para buscar uma taxa mais vantajosa.
— Se a pessoa tem um bem como um veículo ou algum imóvel, ela pode fazer um financiamento para quitar uma dívida mais cara e colocar esse patrimônio como garantia — explica.
De acordo com Annalisa, além dos juros é preciso levar em conta os custos da operação, porque em alguns casos é necessário fazer algum registro de transferência.
Em 2020, conforme dados do Banco Central, o segmento de crédito que teve mais registros de pedidos de portabilidade foi o imobiliário. Foram mais de 67 mil solicitações (aumento de 356% em relação a 2019) e mais de 19 mil contratos efetivados (alta de 322%), com um valor superior a R$ 6,21 bilhões (aumento de 269%).
Mesmo com a queda do ano passado, o uso da portabilidade de crédito vem crescendo — em 2017, segundo o Banco Central, foram realizados menos de mil pedidos. Entretanto, ainda há potencial para expansão dessa modalidade, pois um contexto de baixas taxas básicas de juros cria condições mais vantajosas para a tomada de crédito no mercado. É também uma chance de o consumidor usar a competição entre as instituições financeiras a seu favor, para encontrar a melhor taxa, maior prazo ou oferta de crédito adicional.
Passo a passo para a portabilidade
1. Conheça a sua dívida: tenha na ponta do lápis dados como valor contratado, taxa mensal, taxa anual de juro e o custo efetivo da dívida. Informações como o total geral de parcelas e o prazo também são importantes para negociar.
2. Pesquise e negocie: a partir das informações, você pode buscar no mercado outras alternativas mais vantajosas. Compare taxas e condições para fazer a melhor oferta.
3. Entre em contato com o seu banco: a partir da decisão de fazer a portabilidade do crédito, você deverá entrar em contato com a instituição financeira e pedir informações para a quitação da dívida atual. É obrigação da empresa fornecer as informações abaixo:
- Número do contrato
- Saldo devedor atualizado
- Demonstrativo da evolução do saldo devedor
- Sistema de pagamento
- Modalidade de crédito
- Taxa de juros anual (nominal e efetiva)
- Valor de cada prestação, especificando o valor do principal e dos encargos
- Prazo total e remanescente
- Data do último vencimento da operação
4. Procure a nova instituição: permitir a portabilidade é obrigação da instituição financeira. No entanto, a nova credora não tem compromisso de aceitar a sua transferência. Faça os acertos e, se tudo estiver decidido e aprovado pelo novo banco, é iniciada a portabilidade.
Em números
- Em 2020, o segmento de crédito imobiliário liderou a portabilidade, com os pedidos ultrapassando 67 mil, +356% em relação a 2019
- Os contratos efetivados superaram 19 mil, +322% contra 2019, com um valor superior a R$ 6,21 bilhões, 269% de aumento
Fontes: Febraban e Serasa
* Reportagens de Júlia Pitthan, Pedro Henrique Pereira e Jacson Almeida