A inflação mostra sinais de que vai permanecer por um tempo, expectativa que foi reforçada pelo aumento na tarifa da energia elétrica. Por outro lado, as quedas na taxa de câmbio e no preço das commodities podem ser as fontes das boas notícias. Em conversa com o Acerto de Contas, o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Getulio Vargas/Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), economista André Braz, analisa os fatores que levaram ao aumento da inflação e projeta as reações do mercado no segundo semestre.
Quais os principais gatilhos para o aumento da inflação verificada no primeiro semestre de 2021?
Começamos o ano com otimismo. Olhávamos para uma inflação abaixo da meta de 3,75%. Logo no início, vimos o câmbio desvalorizado. O dólar não parava de subir, assim como o preço das matérias-primas agrícolas ou minerais. Esse fôlego veio com espalhamento. Ano passado, a inflação ficou muito concentrada em alimentos. Que, agora, perdeu um pouco de força, e outros grupos começam a ganhar: principalmente bens duráveis, que sofrem com preço de insumos e hoje rivalizam com a inflação.
As famílias de baixa renda perceberam inflação muito maior do que a medida oficialmente, já que foram as mais afetadas pelo desemprego, e os preços que mais avançaram fora os de alimentos
ANDRÉ BRAZ
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC)
O que devemos esperar para o restante do ano?
A expectativa é de que a inflação perdure e entre em serviços. Alguns estão reabrindo agora, a restrição impedia o aumento de preços. Conforme abre e encontra uma realidade completamente diferente de tarifas e insumos, não vê alternativa que não a de aumentar o preço. Ainda existe muita volatilidade da moeda, mas tem um viés de baixa na taxa de câmbio ao longo do segundo semestre. Isso, em conjunto com a trajetória de queda no preço das commodities em dólar, pode favorecer a desaceleração da inflação ao produtor. O nível de repasse para o consumidor pode diminuir. No entanto, ainda existe muita pressão inflacionária e redução de margem, o que pode favorecer o repasse de preços.
O setor de alimentos fica suscetível à crise hídrica na produção e na industrialização. Isso pode voltar a pressionar a inflação no segmento, principalmente sobre a carne?
É um desafio. Ainda não temos certeza. Como nossa moeda segue muito desvalorizada, isso ainda vai fazer com que o Brasil exporte muito. E o volume de exportação de carne ainda é grande. Havendo desafio climático, não é por aí que o consumidor vai ver uma trégua. Deve vir primeiro sobre grãos, derivados do trigo, óleo de soja. Não é que vai ficar muito mais barato, mas cessar novos aumentos. Alguns podem até ensaiar uma queda, como arroz e feijão.
A expectativa do mercado financeiro para a inflação vem subindo. Qual a causa e, também, o reflexo disso?
O principal motivador foi a revisão no preço da energia — e o risco de uma nova revisão. Os técnicos da agência reguladora estimavam impacto ainda maior: foi de 52% e poderia ter sido na casa de 80%. Mas ter vindo mais baixo não significa que não haverá um novo aumento daqui para a frente. Essa instabilidade cria incerteza, o que não favorece. Alguns setores podem repassar (o custo ao consumidor final), é efeito indireto que a gente ainda não tem como medir.
Reduzir a inflação não quer dizer que os preços caiam. Por que é importante comparar o aumento do custo de vida com o rendimento das famílias?
As famílias de baixa renda perceberam inflação muito maior do que a medida oficialmente, já que foram as mais afetadas pelo desemprego, e os preços que mais avançaram foram os de alimentos. Caminhando para níveis de renda mais altos, tem pessoas que nem perceberam: a escola ficou mais barata, não teve despesa com gasolina, cinema, shopping. Pagou mais caro pelo alimento, mas não pesa tanto. Daqui para a frente há expectativa de pressão menor. A família ainda sente que está caro, tem dificuldade, mas pelo menos parou de subir.
* Reportagem de Pedro Henrique Pereira