A partir da uva nasce o espumante, o suco e o vinho, mas também uma série de outros produtos. Cada vez mais, as vinícolas da Serra têm investido em diversos nichos, no intuito de criar novas fontes de receita. Além dos tradicionais destilados à base da fruta, como brandy e graspa, vêm ganhando espaço no portfólio das empresas chás, coolers, cosméticos e até cerveja.
A fabricação desses artigos representa uma pequena parte da produção total. De acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), as vinícolas gaúchas comercializaram no ano passado 2,4 milhões de litros de cooler, 9,2 mil litros de graspa e 5 mil litros de brandy. Para efeito de comparação, no mesmo período, foram elaborados cerca de 200 milhões de litros de vinhos e espumantes.
Ainda assim, para algumas empresas, a ampliação do portfólio é prioridade. Nos últimos anos, o grupo Famiglia Valduga, de Bento Gonçalves, se tornou um dos expoentes da diversificação. Dentro da estrutura, há diversas companhias, que colocam no mercado em torno de 700 produtos, sendo cerca de 70% produzidos a partir da uva. A Casa Madeira faz sucos, chás, graspa e geleias, a Leopoldina produz cervejas artesanais e a Vinotage desenvolve cosméticos.
– Há um princípio antigo na nossa família. Nossos avós e bisavós já recomendavam não colocar todos os ovos na mesma cesta. Por isso, estamos sempre pesquisando sobre outros segmentos, mas mantendo o enfoque na uva e no vinho – explica Juarez Valduga, diretor-executivo do grupo.
Somadas, as três companhias são responsáveis por metade do faturamento da Famiglia Valduga. A tendência é de que esse percentual se mantenha em crescimento. O lançamento mais recente é uma linha de sorvetes, que inclui sabores de variados tipos de uva.
A Miolo Wine Group, também de Bento Gonçalves, concentrou seus esforços na fabricação de brandy. Em 2005, a empresa adquiriu equipamentos de destilação para sua unidade no Vale do São Francisco, na Bahia. Como a bebida precisa ser envelhecida por alguns anos até ficar pronta, as primeiras garrafas começaram a ir ao mercado em 2015. Atualmente, a produção fica na faixa dos 300 mil litros por ano.
– Já se sente o peso dessa produção no faturamento. Hoje, representa em torno de 5% das receitas – conta Adriano Miolo, superintendente da Miolo Wine Group.
História preservada
Além de representar ganho financeiro, a atuação em nichos de mercado pode significar a manutenção de tradições históricas. Desde sua fundação, na década de 1980, a Don Giovanni, de Pinto Bandeira, mantém uma pequena produção de brandy. O objetivo é conservar parte da história do lugar que hoje abriga a vinícola, mas que no passado era sede de um centro tecnológico da Dreher, uma das marcas pioneiras em conhaque no país.
Até o final dos anos 1970, os conhaques no Brasil eram produzidos a partir da destilação do vinho. No entanto, uma mudança de legislação na época reconheceu como conhaque apenas a bebida oriunda da cana-de-açúcar. Com isso, muitas fábricas gaúchas fecharam ou se transferiram para o interior de São Paulo. Posteriormente, o “conhaque de vinho”, produzido pela Dreher e outras empresas, começou a ser denominado brandy.
O vínculo da Don Giovanni com a Dreher se tornou familiar. O sócio-proprietário da vinícola, Daniel Panizzi, acabou se casando com a bisneta do fundador da destilaria.
– Mantemos basicamente a mesma receita e filosofia do fundador para fazer o brandy – detalha Panizzi.
Atualmente, a Don Giovanni produz em torno de 300 litros por ano. O destilado é conservado em barricas de carvalho desde 1988.
Influência de aromas na cerveja
A mistura de vinho com cerveja não causa ressaca. Ao menos para algumas vinícolas, a mescla tem surtido bom efeito. Na Monte Reale, de Flores da Cunha, o mercado cervejeiro se tornou uma das principais apostas, com a instalação de uma fábrica no mesmo ambiente onde há quatro décadas produz a bebida de Baco. O investimento é de R$ 2 milhões.
Aos poucos, os primeiros rótulos da Alem, nome dado ao empreendimento da Monte Reale, começam a ser lançados. Uma das variedades é produzida com mosto de moscatel. Trata-se de uma saison muscat, hoje disponibilizada apenas em barril em Caxias do Sul. Nos próximos meses, a ideia é lançar a bebida também em garrafa, e ampliar a distribuição para todo o Rio Grande do Sul.
– Ter uma cervejaria montada no coração de uma vinícola é algo peculiar. Tínhamos que agregar algo da uva na cerveja – afirma Carlo Mioranza, cervejeiro da nova marca.
A proximidade da Alem com o vinho existe também na fabricação de estilos mais tradicionais, como pilsen, weiss e stout. Na cave da vinícola, abriu-se um espaço para o novo nicho. Nove pipas de carvalho, que no passado repousavam vinhos da variedade ancellotta, abrigam agora diversos estilos de cervejas. Assim, durante a maturação, a bebida recebe o aroma da uva. O braço cervejeiro da Monte Reale produz entre 30 mil e 40 mil litros ao mês, com capacidade para até 200 mil litros mensais.
A Cervejaria Leopoldina, de Garibaldi, é outro empreendimento na região com raízes na vitivinicultura. A marca foi criada em 2015 pelo grupo Famiglia Valduga, com investimento superior a R$ 5 milhões. Há rótulos envelhecidos em barricas de carvalho e outras cervejas envasadas em garrafas similares às de espumantes. Em três anos, a companhia pretende chegar a 100 mil litros por mês.
Creme a partir de óleo da semente
As propriedades encontradas no bagaço e no óleo extraído da semente da uva são valorizadas pelo setor de cosméticos. Produtos como aromatizantes, cremes e hidratantes podem ser fabricados a partir da fruta.
Em alguns casos, as próprias vinícolas fabricam os cosméticos. É o caso do grupo Famiglia Valduga, que adquiriu, há três anos, a Vinotage, de Garibaldi. Com capacidade para produzir 100 mil itens ao mês, a companhia irá expandir a marca a partir de lojas próprias. A primeira unidade foi inaugurada em junho, em Caxias do Sul.
Para se beneficiar do fluxo de turistas no Vale dos Vinhedos, a Essência di Fiori, de Bento Gonçalves, investe R$ 10 milhões em uma fábrica na localidade. Segundo o sócio-proprietário Éder Moretto, são mais de 200 tipos de artigos e produção em torno de 1 milhão de unidades ao ano.
Bebidas refrescantes para os dias de calor
As vinícolas têm buscado alternativas de bebidas refrescantes, que possam ser degustadas em épocas de temperaturas elevadas. O objetivo é manter os negócios em alta durante o verão e também expandir a presença em outras regiões do país, onde há calor durante todo o ano.
Chá a partir de suco de uva é uma das apostas da Salton, de Bento Gonçalves, que lançou a primeira linha com quatro sabores em 2016. Neste ano, mais dois foram lançados. E, em agosto, outras duas variedades devem entrar no portfólio.
– O mercado de chás está reagindo bem. O produto é novo, mas gera um bom faturamento, até porque agrega uma inovação no portfólio – conta Daniel Salton, presidente do conselho de administração da vinícola.
Atualmente, o peso dos chás não chega a 1% nas receitas da Salton. A expectativa em até três anos é representar aproximadamente 5% do faturamento. Pelo ritmo acelerado de crescimento na fábrica, a meta deve ser alcançada com facilidade. Em 2016, foram produzidas em torno de 100 mil garrafas. O montante subiu a 540 mil no ano passado e deve ficar entre 1 milhão e 1,2 milhão de unidades em 2018.
A cooperativa Aurora se destaca pela produção de cooler, bebida gaseificada que leva vinho e suco. A vinícola de Bento Gonçalves começou a fabricação ainda na década de 1970, quando este tipo de bebida era bastante popular no Brasil. Depois de cair nas décadas seguintes, o mercado voltou a reagir nos últimos anos.
– Poucas empresas fazem cooler. Temos 75% deste mercado no país – afirma Hermínio Ficagna, diretor-geral da Aurora.
A Aurora processa em torno de 2 milhões de litros de cooler ao ano, o que representa 4% de toda a produção. Em 2018, deve aumentar para 3 milhões de litros. A maior parte das vendas vai para a Região Sudeste, em especial o Estado de São Paulo.
A cooperativa também tem planos de exportação. Um contêiner já foi enviado para a China e outros três irão a caminho da Ásia nos próximos meses.
Cristais se transformam em joias
Os cristais de uva que se formam dentro das pipas após o processo de vinificação se tornaram uma fonte de inspiração para a designer de joias Patrícia Pedrotti. Para participar de um concurso em Goiânia (GO), anos atrás, ela desenvolveu uma linha com a matéria-prima, que geralmente é considerada resíduo pelas vinícolas. Os produtos chamaram a atenção do público, e ela montou a Enojoias, um pequeno negócio voltado à fabricação de brincos, colares, anéis, pulseiras, entre outros.
Todos os itens são de prata ou folheados a ouro, com detalhes de cristais de uva. A designer tem parceria com a vinícola Aurora, que fornece o material e também vende as joias em sua loja de fábrica, em Bento Gonçalves.
– O público que se interessa pelas joias é formado principalmente por enófilos e enólogos. Recebo em torno de cinco pedidos de peças por semana – conta Patrícia.
O preço dos itens varia de R$ 70 a R$ 500. As peças são feitas sob encomenda e já foram comercializadas até para o Exterior.