King Richard: Criando Campeãs (King Richard, 2021), que a RBS TV exibe na Tela Quente desta segunda-feira (18), às 22h25min, valeu a Will Smith praticamente todos os prêmios de melhor ator. No papel do pai das tenistas Venus Williams e Serena Williams, ele ganhou o Oscar (na mesma festa em que deu um tapa no comediante Chris Rock), o Globo de Ouro, o Bafta (da Academia Britânica), o Critics Choice e o troféu do Sindicato dos Atores dos EUA.
Também indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme, atriz coadjuvante (Aunjanue Ellis-Taylor), roteiro original e edição, King Richard me fez lembrar de uma lição dada por um grande editor. Para ele, certas reportagens têm uma história tão forte que só precisam de "um banquinho e um violão". Ou seja, basta contá-las, sem floreios.
O diretor de King Richard, Reinaldo Marcus Green, realizador de Monstros e Homens (2018) — sobre as consequências do assassinato de um negro por policiais —, da minissérie A Cidade É Nossa (2022) e da cinebiografia Bob Marley: One Love (2024), e o roteirista estreante Zach Baylin tinham diante de si uma história dessas: a de como duas meninas negras crescidas em Compton, cidade ao sul de Los Angeles com reputação violenta por causa da guerra de gangues, onde tinham de dividir um quarto pequeno com suas outras três irmãs, se tornaram duas das maiores vencedoras em um esporte de elite e predominantemente branco, o tênis.
Que, por sua vez, cobra um preço altíssimo de seus atletas. Tanto pela parte física — uma partida de Grand Slam, o principal circuito de torneios, formado por Aberto da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e Aberto dos EUA, pode durar quatro, cinco horas — quanto pelo desgaste mental (a pressão psicológica vem de todos os lados: do adversário, do treinador, dos pais, da imprensa, dos patrocinadores, de si próprio), como mostrou o documentário da Netflix Untold: Breaking Point. Não à toa, no cinema as quadras podem contribuir para a tensão dramática, vide Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchcock, ou servir como metáfora da vida, vide Match Point (2005), de Woody Allen.
Dito isso, é compreensível que Green e Baylin tenham feito um filme absolutamente convencional na estrutura e na forma, embora a sequência de abertura sugira uma dinâmica diferente. Em uma narração em off, Will Smith rememora o passado de seu personagem, Richard Williams ("De onde eu vim, na Louisiana, as pessoas negras não tinham tempo para jogar tênis porque estavam fugindo da Ku Klux Klan"), enquanto as imagens mostram cenas do presente, na virada da década de 1980 para a de 1990. Com um plano de 78 páginas debaixo do braço, Richard busca convencer homens brancos e ricos a investirem no futuro de Venus e Serena como tenistas. "Já tentou basquete?", retruca um deles. "Você está me dizendo que tem dois Mozarts em casa, algo muito, muito improvável", compara outro.
Richard tinha mesmo dois Mozarts em casa: Venus, hoje com 44 anos, foi a primeira tenista negra a assumir a liderança do ranking, em 2002, conquistou cinco vezes o torneio de Wimbledon e é uma das jogadoras com mais medalhas olímpicas (quatro de ouro e uma de prata). Serena, 43, é a recordista em títulos do Grand Slam (23) na era profissional, ficou 290 semanas como n.º 1 do mundo (só está abaixo de Martina Navratilova, com 332, e Steffi Graf, 377) e, com larga vantagem, é a campeã em arrecadação de prêmios (US$ 94,8 milhões).
Como os triunfos das Williams foram fartamente documentados pela mídia e, em sua maioria, alcançados já no século 21, também é compreensível o recorte de tempo escolhido por Green e Baylin. Interpretadas por Saniyya Sidney (Venus) e Demi Singleton (Serena), as irmãs são retratadas na infância e na adolescência. Desde quando praticavam em quadras públicas de Compton, sob a presença ameaçadora de jovens gângsteres, até a primeira competição profissional da mais velha, aos 14 anos. O filme sobre as heroínas do tênis é, portanto, o que se chama de história de origem no cinema de super-heróis.
Mas há um grande porém: como o nome da obra indica, o foco recai sobre o pai delas. Ainda que em um par de cenas vislumbre-se um pouco da vida interior das duas manas e que, no papel da mãe das jogadoras, Oracene, Aunjanue Ellis (indicada ao Emmy pelas séries Olhos que Condenam e Lovecraft Country) encha a tela de energia e afeto, King Richard parece ter sido feito com o objetivo de reinserir Will Smith na realeza artística de Hollywood.
Seu personagem remete aos dois que renderam as indicações anteriores ao Oscar de melhor ator. Richard Williams é uma figura real como Muhammad Ali e Chris Gardner. A exemplo do boxeador interpretado em Ali (2001), faz do esporte uma arena para o combate ao racismo. A exemplo do pai desempregado de À Procura da Felicidade (2006), não mede esforços para que as filhas tenham um futuro radiante ("O mundo não tem respeito por Richard Williams, mas vai respeitar Venus e Serena", ele diz).
Dono de um figurino — calções curtos e meias esportivas levantadas até o joelho — e de um sotaque singulares, o personagem permite a Smith exercitar qualidades que estavam adormecidas já havia um bom tempo. As características psicológicas também contribuem: Richard é obsessivo (o tal plano de 78 páginas foi elaborado antes de Venus e Serena nascerem), teimoso e rigoroso — coloca as filhas para treinar em noites de chuva torrencial. Por outro lado, a certa altura ele entende ser melhor que as garotas abram mão dos torneios para se dedicarem às vidas de criança e de estudante. Mas mais adiante sua ambição financeira criará atrito com o célebre treinador Rick Macci (Jon Bernthal).
Richard é, enfim, é um sujeito dado a polêmicas que poderiam ter sido melhor trabalhadas em um filme menos comprometido — Venus e Serena participaram como produtoras. Ou que desse oportunidade para vermos as controvérsias do personagem pelos olhos das coadjuvantes. Seus erros, rompantes e momentos de hipocrisia são quase sempre suavizados, e turbulências do passado não vêm à tona — Sabrina Williams, meia-irmã das tenistas, queixou-se da falta de qualquer referência à esposa e à família que Richard abandonou.
Jornalistas estadunidenses também reclamaram do excesso de protagonismo do pai, que nubla a marcante autodeterminação de Venus e Serena, além de desviar a atenção do seu jogo. Aliás, o pai ficava de costas ou mesmo afastado das quadras — e vale dizer que Reinaldo Marcus Green, o diretor de fotografia Robert Elswit (oscarizado por Sangue Negro) e a editora Pamela Martin até que se esforçam, mas não conseguem traduzir em imagens o fascínio que as meninas Williams deviam despertar. O crítico Scott Tobias, do site The Reveal, resumiu bem: "Elevar Richard e seu plano tem o efeito de diminuir a vontade e o talento de suas filhas, que tiveram que superá-lo tanto quanto o establishment do tênis. O filme reconhece isso, mas timidamente. As convenções do drama esportivo inspirador são oponentes formidáveis demais para serem derrotados".
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