Quando lançou Oldboy (Oldeuboi, 2003), o diretor sul-coreano Park Chan-wook afirmou: "Eu queria que o filme fosse sentido fisicamente, não apenas emocionalmente. Queria que o público estivesse cansado quando terminasse a sessão. Queria que seus corpos estivessem cansados. Gosto desse tipo de experiência. Não sei como as pessoas conseguem se divertir assistindo a filmes estúpidos. Se você quer um descanso tranquilo, tome um banho. Por que ir ao cinema?".
Duas décadas depois, o filme continua sendo um soco — ou seria uma martelada? —, a história definitiva sobre o poder corrosivo da vingança, uma sede que cega e que ilude: consumá-la pode significar consumir a nós mesmos. Mas seus 120 minutos de duração jamais se mostram extenuantes — seguem exalando um frescor narrativo pontuado por uma invejável capacidade de produzir cenas icônicas.
Para celebrar o 20º aniversário, em 2023 Oldboy foi restaurado, remasterizado e relançado nos cinemas. Neste mês de maio, finalmente ressurgiu no streaming, na plataforma MUBI.
Baseado no mangá homônimo publicado entre 1996 e 1998 pelos japoneses Garon Tsuchiya (texto) e Nobuaki Minegishi (arte), Oldboy tem forte inspiração em uma tragédia grega. Especificá-la seria privar o espectador desavisado de experienciar um dos momentos mais chocantes do cinema — o filme é presença obrigatória nas listas de grandes reviravoltas (ALERTA DE POSSÍVEL SPOILER: uma pista, disse o próprio diretor, está no nome do protagonista).
O que se pode falar da trama sem estragar o, digamos, prazer do impacto é o seguinte: em 1988, Oh Dae-su (brilhante e vigorosamente interpretado por Choi Min-sik) é um pai irresponsável — no dia do aniversário de sua filhinha, bebeu todas e acabou na delegacia. Depois de ter sua fiança paga pelo melhor amigo, o personagem desaparece, sem deixar vestígios. Na cena seguinte, descobrimos que Dae-su está sendo mantido prisioneiro em um apartamentinho, onde suas únicas companhias são uma televisão e o seu desejo de vingança. Pela telinha, ele tanto percebe a passagem do tempo (o julgamento, em 1996, de Chun Doo-hwan, ditador da Coreia do Sul entre 1979 a 1988, a morte da princesa Diana, em 1997, os aviões se chocando contra as Torres Gêmeas, em 2001, o sucesso inesperado da seleção nacional na Copa do Mundo de 2002) quanto busca se aprimorar para quando chegar a hora de despejar seu ódio — contra a parede, imita os golpes de boxe vistos na TV.
O problema é que Dae-su sequer sabe quem o sequestrou. Nos longos 15 anos de cativeiro, ao mesmo passo em que enlouquece ele perscruta seu passado, listando em um caderno as pessoas a quem fez mal. Até que um dia, tão misteriosamente quanto foi capturado, o protagonista é libertado. Nas ruas, vai continuar tentando descobrir por que (e por quem) foi capturado — mas talvez também devesse investigar por que foi libertado.
"Normalmente, em romances ou filmes de mistério, o enredo é sobre quem fez isso e por quê. Você quase nunca questiona se essas questões em si são válidas", comentou certa vez o cineasta sul-coreano. "Então pensei que colocar o questionamento da questão no centro da história seria algo bastante novo — e acho que é isso que faz de Oldboy o filme que é. Com a vida, é a mesma coisa. Quantos enigmas permanecem sem solução porque estamos fazendo a pergunta errada? Quando a resposta for difícil de descobrir, vamos tentar mudar a pergunta e perguntar de novo."
Quebra-cabeças violento e tétrico, mas também repleto de peças que convidam ao deslumbramento estético ou à reflexão sobre o comportamento humano (nossa capacidade de ferir, de amar, de perdoar, de esquecer), e com um final ambíguo que só aumenta seu dom hipnótico, o longa-metragem foi o quinto na carreira de Park Chan-wook. Ele já tinha no currículo o ótimo Zona de Risco (2000), que se passa na tensa fronteira entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, e Mr. Vingança (2002), que com Oldboy e Lady Vingança (2005) forma um tríptico sobre revanche. Hoje com 60 anos, Chan-wook permanece sendo um dos grandes nomes do fulgurante cinema sul-coreano, assinando obras premiadas como Sede de Sangue (2009), sobre um padre transformado em vampiro, A Criada (2016), um triângulo erótico ambientado na década de 1930, e Decisão de Partir (2022), em que um detetive se apaixona pela viúva e suspeita da morte de um empresário.
Oldboy foi um marco da chamada Hallyu, um neologismo derivado das palavras han (Coreia, coreano) e ryu (fluxo, corrente) criado para batizar a Onda Coreana — e com uma sonoridade que remete a Hollywood. Virou um aríete da indústria audiovisual de seu país ao conquistar o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2004 — perdeu a Palma de Ouro para o documentário Fahrenheit 11 de Setembro, de Michael Moore, apesar dos esforços do cineasta estadunidense Quentin Tarantino, que presidia os jurados e que havia recém lançado a segunda parte do seu díptico sobre vingança, Kill Bill. O título de Chan-wook abriu as portas e os olhos do mundo para cineastas como Kim Ki-duk (1960-2020), premiado no Festival de Veneza com o Leão de Prata por Casa Vazia (2004) e com o Leão de Ouro por Pietá (2012); Lee Chang-dong, laureado em Cannes com o troféu de roteiro por Poesia (2010) e realizador de Em Chamas (2018), recentemente eleito o melhor filme sul-coreano em uma pesquisa do site Korean Screen junto a 158 críticos de 28 nações; e Bong Joon-ho, que no mesmo ano estreou o hoje clássico Memórias de um Assassino (2003) e que mais tarde assinaria Parasita (2019), vencedor da Palma de Ouro em Cannes e primeiro título não falado em inglês a conquistar a principal categoria do Oscar.
A influência de Oldboy logo se fez sentir, vide a franquia de terror Jogos Mortais, iniciada em 2004, e o projeto de refilmagem hollywoodiana, que começou em 2005 — mas só foi concretizado em 2013, com direção de Spike Lee. E ainda se faz sentir, vide a franquia John Wick (2014-), a série Round 6 (2021) e o filme Fúria Primitiva (2024). Vale destacar uma comédia inédita no Brasil, I Haven't Done Anything (2022), do estreante Park Sang-min, em que o ator Oh Tae-kyung, visto nos flashbacks de Oldboy, encarna uma versão fictícia de si mesmo em uma trama cheia de citações ao clássico de 2003, segundo os críticos que já a assistiram.
E não faltam cenas de Oldboy que se tornaram referenciais, como a que envolve uma língua cortada — outra alusão à tragédia grega. Ou a impressionante luta em um corredor, onde, armado apenas com um martelo, Dae-su enfrenta uma horda de malfeitores — um plano-sequência que demandou três dias de filmagem, com 17 tomadas até que fosse atingida a perfeição. Ou ainda o momento em que o protagonista come vivo o polvo servido pela garçonete Mi-do (papel de Kang Hye-jeong) — o que, pelo menos nos bastidores, rendeu um raro alívio cômico: questionado, nos comentários do DVD, se sentia pena do ator Choi Min-sik, o diretor Park Chan-wook afirmou que sentia mais pena do polvo.